COP26 define as regras para o Artigo 6° do Acordo de Paris
Um dos destaques é a regulamentação do mercado de carbono internacional
A COP26 teve como um de seus principais desafios e objetivos a definição das regras para a implementação dos mecanismos de cooperação para cumprimento das metas climáticas nacionais, previstos no Artigo 6° do Acordo de Paris.
O Artigo 6° disciplina três modalidades de mecanismos de cooperação para o cumprimento das metas nacionais de redução de emissões, são eles:
- A comercialização de resultados de medidas de mitigação excedentes àqueles necessários para o cumprimento das metas apresentadas pelos países (Resultados de Mitigação Transferidos Internacionalmente ou Internationally Transferred Mitigation Outcames – ITMOs, em inglês);
- A criação do que foi comumente chamado de Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS) para certificação e validação de projetos de créditos de carbono – permitindo-se a participação de entidades privadas –, que poderão ser transacionados entre as partes;
- As denominadas abordagens não mercadológicas, as quais incluem financiamentos, transferência de tecnologia e capacitação.
A conclusão das negociações resultou na disponibilização, no site da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), das decisões que visam regulamentar os artigos 6.2 (ITMOS), 6.4 (MDS) e 6.8 (abordagens não mercadológicas) do Acordo de Paris. Confira, abaixo, os principais resultados alcançados.
Ajustes correspondentes
Uma das principais pendências que foi solucionada está relacionada aos ajustes correspondentes, que consiste em mecanismo para evitar a dupla contagem de ITMOs e de créditos de carbono transferidos e comercializados, respectivamente, e garantir a integridade ambiental das transações.
Conforme definição das negociações, os ajustes correspondentes serão aplicados a todas as transações, tanto no âmbito do Artigo 6.2, abrangendo políticas e medidas adotadas dentro ou fora do escopo da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) do país, conforme aplicável, quanto no âmbito do Artigo 6.4.
Transição do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
Outro ponto sobre o qual se esperava uma definição é a transição para a utilização dos créditos de carbono gerados por projetos desenvolvidos no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que diz respeito a um mecanismo de flexibilização previsto no Protocolo de Quioto.
Ficou acordado que os projetos de MDL poderão continuar desde que requeiram transição para o novo mecanismo previsto no Artigo 6.4, até 31 de dezembro de 2023, e que seja aprovada, até 31 de dezembro de 2025. É necessário também que o projeto seja consistente com os critérios estabelecidos pelo Artigo 6.4 do Acordo de Paris e sua regulamentação.
Já os créditos do MDL de projetos registrados a partir de 2013 e gerados pré-2021 poderão ser utilizados apenas para cumprimento da 1ª NDC do país e não sofrerão ajustes correspondentes.
Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável
O mecanismo do Artigo 6.4. permite que a cooperação ocorra por meio de projetos a serem desenvolvidos por um país (hospedeiro), cujos créditos (ou AR6.4ES, conforme definição) serão adquiridos por outro. As atividades deverão ter sua adicionalidade comprovada para fins de emissão dos créditos. Serão consideradas adicionais as atividades que demonstrem não ter ocorrido na ausência dos incentivos do mecanismo e que excedem mitigações exigidas por lei ou regulamentação. Prevê, ainda, a possibilidade de aquisição de créditos de carbono por países para cumprimento não apenas de NDCs, mas também para os denominados “outros propósitos internacionais” mediante aprovação do país hospedeiro.
Ressalta-se que o uso dos créditos para o mercado voluntário de carbono não demanda ajustes correspondentes. Além disso, com a finalidade de se atingir uma mitigação geral das emissões globais, ao menos 2% das unidades de redução emitidas deverão ser canceladas e não poderão ser utilizadas para o cumprimento de quaisquer metas climáticas.
Destaca-se, ainda, que a regulamentação do Artigo 6.4 prevê a necessidade de definição, no próximo ano, sobre a possibilidade de inclusão no mecanismo de projetos de emissão evitada e melhoria da conservação para geração de créditos de carbono. Já os projetos de remoção de emissões já estão contemplados, porém terão sua metodologia regulamentada posteriormente.
Abordagens não mercadológicas
A decisão que regulamenta o Artigo 6.8 do Acordo de Paris estabelece uma estrutura para a implementação de abordagens não mercadológicas (NMAs, na sigla em inglês) para a cooperação visando ao cumprimento das metas climáticas nacionais no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, que podem representar:
- Ações cooperativas voluntárias, que não dependam de abordagens de mercado e não incluam transações;
- Ações integradas, inovadoras e transformadoras, que tenham significativo potencial para permitir maiores ambições de mitigação e adaptação;
- Ações que apoiem a implementação das partes que recebam ações de NMAs e contribuam para atingir o objetivo de longo prazo do Acordo de Paris.
As principais características das NMAs são que as mesmas envolvem as partes de forma voluntária e não abrangem a transferência de quaisquer resultados de mitigação. A decisão também institui o Glasgow Committee on Non-market Approaches, órgão que visará a implementar a estrutura prevista no Artigo 6.8 e seu programa de trabalho para prover às partes oportunidades de cooperação não baseadas em mercados.
Uma das principais abordagens não mercadológicas que poderá ser instituída por meio do referido dispositivo consiste nas ações de financiamento climático, ou seja, o fornecimento de recursos financeiros, principalmente por países desenvolvidos, para aqueles que precisem de aportes para custear ações de mitigação e adaptação.
O financiamento climático foi ponto de especial destaque ao longo da COP26 e a decisão final da conferência reforça a necessidade de mobilização dos recursos já compromissados por parte dos países desenvolvidos, no montante de U$ 100 bilhões anuais até 2025.
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*Com a colaboração de Maria Eduarda Garambone, Anna Carolina Gandolfi, Mariana Diel e Gabriel Pereira Bispo de Oliveira.