A proposta da regra de combate ao desmatamento da União Europeia
Conheça as principais repercussões para empresas brasileiras e as discussões impulsionadas em evento promovido pelo Mattos Filho
A Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu chegaram a um acordo político sobre um regulamento da União Europeia (UE) para a promoção de cadeias de abastecimento sem desmatamento. A proposta vem no âmbito do European Green Deal (ou Pacto Ecológico Europeu), conjunto de propostas apresentadas desde 2019 pela Comissão Europeia, com o objetivo de tornar as políticas de clima, energia, transporte e tributação da UE adequadas para reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE) em pelo menos 55% até 2030, em comparação com os níveis de 1990. É, também, consequência do Forest Law Enforcement, Governance and Trade (FLEGT) Action Plan, implementado desde 2003 pelo bloco.
Impactos da possível nova regra
Uma vez adotada e aplicada, a nova regra buscará garantir que um conjunto de bens essenciais colocados no mercado da UE deixe de contribuir para o desmatamento e a degradação florestal na UE e em outras partes do mundo, reduzindo as emissões de GEE e a perda de biodiversidade, além de respeitar os direitos de povos indígenas. A votação da regra pelo Plenário do Parlamento Europeu está pautada na sessão do dia 17 de abril de 2023.
As novas regras exigirão que empresas relevantes implementem rigorosa due diligence caso coloquem no mercado da UE ou dele exportem as seguintes commodities e derivados, escolhidas com base em uma avaliação de impacto minuciosa, identificando-as como o principal fator de desmatamento devido à expansão agrícola ao redor do mundo:
- Óleo de palma (inclui nozes e amêndoas de palma, frações do óleo de palma, óleo de babaçu e suas frações, ácidos graxos, glicerol, dentre outros derivados);
- Soja (inclui grãos, farinhas, óleo e frações refinados ou não, dentre outros derivados);
- Madeira (inclui celulose, madeira para combustível, carvão vegetal, painéis de madeiras, dentre outros derivados);
- Cacau (inclui grãos, pasta, manteiga, chocolates e outras preparações contendo cacau, dentre outros derivados);
- Café (mesmo torrado ou descafeinado, cascas e películas de café, substitutos do café contendo café em qualquer proporção);
- Gado bovino (inclui carne fresca, resfriada ou congelada, couros e peles, dentre outros derivados);
- Borracha natural (inclui pneus novos, usados ou recauchutados, tubos interiores, artigos e acessórios de vestuário, dentre outros derivados).
Fundamentação da regra
Como premissa da regra, entende-se que o desmatamento e a degradação florestal são importantes impulsionadores das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade. Em dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), no estudo “The State of The World’s Forests”, embora as florestas cubram cerca de 31% da área global, estima-se que 420 milhões de hectares de floresta foram perdidos devido ao desmatamento entre 1990 e 2020 para conversão para outros usos da terra.
Ainda, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estima no seu Relatório Especial “Climate Change and Land” que 23% do total das emissões antrópicas de gases de efeito estufa entre 2007 e 2016 vêm da agricultura, silvicultura e outros usos da terra, sendo cerca de 11% provenientes da silvicultura e de outros usos da terra, principalmente desmatamento, enquanto os 12% restantes são emissões diretas da produção agrícola, como pecuária e fertilizantes.
Destaca-se, também, a preocupação com temas sociais relacionadas ao uso da terra e desmatamento, especialmente quanto aos direitos dos povos indígenas, ressaltando o relevante papel desta população na conservação das florestas, da biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas ao redor do mundo. Como premissa, estabelece-se a necessidade de garantir o direito dos povos indígenas à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI), com menção específica à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e demais direitos atrelados ao uso da terra.
Due diligence
Quando as novas regras entrarem em vigor, todas as empresas que colocarem no mercado da UE ou dele exportarem as commodities relevantes ou seus derivados terão que realizar uma rigorosa due diligence, que incluirá análise quanto à legislação relevante do país de produção, incluindo:
- Direitos de uso da terra;
- Proteção ambiental;
- Regulação florestal;
- Direitos de terceiros;
- Direitos trabalhistas;
- Direitos humanos protegidos pelo direito internacional;
- Consulta Prévia, Livre e Informada de povos indígenas;
- Tributação;
- Anticorrupção;
- Comércio;
- Regulação aduaneira.
Será necessário, também, adotar avaliação de riscos que considere diversos fatores, dentre eles, a classificação de riscos do país de produção, conforme atribuída pela Comissão Europeia; a presença e relação com povos indígenas no país, região e área de produção; prevalência de desmatamento no país, região e área de produção; violações de direitos humanos; questões de corrupção; complexidade da cadeia de fornecimento; entre outros elementos.
Por fim, as empresas deverão adotar, sempre que identificados riscos pela avaliação descrita acima, ações de mitigação de riscos como políticas, controles e procedimentos adequados e proporcionais, incluindo modelos de práticas de gestão de riscos, reporte, registros, controles internos e gestão de compliance.
Consulte o material elaborado por especialistas, em português e inglês, que resume a regra para maiores detalhes.
Evento do Mattos Filho em parceria com o Blomstein
Em 22 de março de 2023, o Mattos Filho, em parceria com o escritório alemão Blomstein, realizou evento sobre a proposta da regra de desmatamento da UE com a presença de diversos clientes e parceiros que produzem e comercializam as commodities relevantes ou derivados, conforme previstos na regra.
Além da apresentação dos principais elementos dessa regra, o debate conduzido pelas sócias Lina Pimentel e Juliana Ramalho, e pelos parceiros do Blomstein e convidados focou nas peculiaridades das exigências relativas à due diligence e em como atendê-las, visto que serão estabelecidas pelo operador comercial (selecionado pela regra como a primeira pessoa física ou jurídica estabelecida na UE que disponibilize produtos relevantes colocados à disposição do mercado europeu por pessoas físicas ou jurídicas estabelecidas fora da UE). Ao lado das discussões de impacto para as operações de exportação para a Europa, também foram discutidas as oportunidades de atuação de empresas e governo brasileiro na construção dos acordos de cooperação previstos na norma. Esses acordos serão instrumentos importantes para viabilizar financiamento europeu para ações em apoio à conformidade esperada.
Consequência do PL 572/2022 para empresas nacionais
Cumpre destacar que, embora ainda em tramitação no Congresso Nacional, o PL 572/2022, que cria um marco nacional sobre direitos humanos e empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o tema, uma vez aprovado e regulamentado quanto à obrigação de realização de due diligence sobre questões ambientais, trabalhistas e de direitos humanos, poderá oferecer um caminho base padronizado para as empresas brasileiras e funcionar como aliado para a observação da regra europeia.
Outra importante alternativa autorizada pela UE é a formação de acordos concorrenciais para elaboração de iniciativas conjuntas entre empresas com vistas a cumprir as regras. Embora o tema esteja positivado na União Europeia e seja apresentado como um meio de implementação, há dúvidas sobre como seria operacionalizado em território brasileiro à luz dos precedentes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Por fim, os presentes foram lembrados que está, também em discussão na UE, a proposta de Diretiva sobre a due diligence corporativa em sustentabilidade (Directive on corporate sustainability due diligence), aplicável às operações próprias das empresas, suas subsidiárias e cadeias de valor (relações comerciais diretas e indiretas estabelecidas), exigindo, dentre outros elementos, que as empresas:
- Integrem a devida diligência nas políticas corporativas;
- Identifiquem impactos adversos reais ou potenciais a direitos humanos ao meio ambiente;
- Previnam ou mitiguem impactos potenciais, interrompam ou minimizem os impactos reais;
- Estabeleçam e mantenham um procedimento para recebimento de reclamações;
- Monitorem a eficácia da política e das medidas de devida diligência;
- Comuniquem publicamente sobre a devida diligência.
Uma vez aprovada, a Diretiva será importante elemento para a compreensão da due diligence exigida para fins da regra de desmatamento.
Para mais informações sobre o tema, conheça as práticas de Direito ambiental e Mudanças climáticas e ESG do Mattos Filho.