Sancionada lei sobre a cobertura extra rol dos planos de saúde
Após decisão do STJ, norma modifica cenário a respeito do caráter taxativo do rol dos planos de saúde
Foi sancionada pelo presidente da República Federativa do Brasil, em 21 de setembro de 2022, a Lei nº 14.454/2022, que altera a Lei n° 9.656/1998, que dispõe sobre os planos de saúde, em especial, para estabelecer as hipóteses de cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar (rol dos planos de saúde).
A Lei nº 14.454/2022, sancionada sem vetos e publicada no Diário Oficial da União, em 22 de setembro de 2022, entrou em vigor nesta mesma data e seus pontos principais podem ser conferidos abaixo.
Contexto da Lei nº 14.454/2022
Nos termos dos artigos 4º, inciso III, e 10, inciso II, da Lei nº 9.961/2000, é competência da Agência Nacional de Saúde (ANS) elaborar um rol dos planos de saúde que constituirá referência básica para as coberturas assistenciais obrigatórias e diretrizes de utilização previstas na Lei nº 9.656/1998.
Segundo o artigo 2º da Resolução Normativa nº 465/2021, que estabelece o rol dos planos de saúde, para fins de cobertura, esse rol dos planos de saúde é considerado taxativo.
No mesmo sentido, a terceira e a quarta turmas de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do EREsp 1.886.929/SP e do EREsp 1.889.704/SP, que iniciou em 2021 e encerrou em 8 de junho de 2022, o qual foi amplamente divulgado no noticiário, definiram que:
- Em regra, o rol dos planos de saúde é taxativo;
- Se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz e seguro já incorporado ao rol dos planos de saúde, a operadora de plano privado ou seguradora especializada em saúde não é obrigada a cobrir tratamento não constante do rol dos planos de saúde;
- A contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento não previsto no rol dos planos de saúde (extra rol dos planos de saúde) são possíveis;
- É possível a cobertura de procedimento extra rol dos planos de saúde indicado pelo médico ou odontólogo assistente, caso esgotados os procedimentos do rol dos planos de saúde ou não havendo substituto terapêutico e desde que:
- A incorporação do procedimento ao rol dos planos de saúde não tenha sido indeferida expressamente pela ANS;
- Comprovada a eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;
- Recomendada por órgãos técnicos de renome nacional, tais como Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (Natijus), e estrangeiros;
- Realizado quando possível o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a comissão de atualização do Rol dos Planos de Saúde, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.
Detalhes sobre o julgamento do STJ e seus efeitos podem ser acessados em nosso post disponível aqui.
Nesse contexto e como reação direta ao posicionamento do STJ, o Congresso Nacional propôs e aprovou o Projeto de Lei n° 2.033/2022, que resultou na Lei nº 14.454/2022, a fim de alterar a Lei nº 9.656/1998 e, para assim, estabelecer expressamente as hipóteses de procedimentos e tratamentos extra rol dos planos de saúde que devem ser cobertos pelas operadoras de planos de saúde e pelas seguradoras especializadas em saúde aos seus beneficiários ou segurados, respectivamente.
De forma excepcional, a tramitação desse PL se deu em regime de urgência, levando em torno de dois meses desde sua apresentação na Câmara dos Deputados até ser sancionado e convertido em Lei Federal, sendo importante destacar que a sua apresentação ocorreu em 13 de julho de 2022, isto é, antes mesmo da publicação das decisões proferidas pelo STJ sobre o tema supramencionadas, ocorrida no início de agosto deste ano.
Alterações previstas pela Lei nº 14.454/2022
Dentre as alterações previstas pela Lei nº 14.454/2022 à Lei nº 9.656/1998, verificam-se:
- Além da regulamentação da ANS, as operadoras de planos de saúde e as seguradoras especializadas em saúde se sujeitam ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Até então, o artigo 35-G da Lei nº 9.656/1998 apenas determinava a aplicação subsidiária da Lei nº 8.078/1990 aos contratos de planos de saúde / seguros saúde;
- A amplitude das coberturas dos planos de saúde ou seguros saúde, incluindo transplantes e procedimentos de alta complexidade, será determinada em norma setorial da ANS, por meio de rol dos planos de saúde, devendo ser atualizado a cada nova incorporação.
Por outro lado, o artigo 2º da Resolução Normativa n° 470/2021 determina que as propostas de atualização do Rol dos Planos de Saúde serão recebidas e analisadas de forma contínua e a lista de coberturas assistenciais obrigatórias e de diretrizes de utilização que compõe este rol dos planos de saúde serão atualizadas semestralmente; - O rol dos planos de saúde, atualizado a cada nova incorporação, constitui referência básica para os planos de saúde ou seguros de saúde. Já os procedimentos extra rol dos planos de saúde prescritos por médico ou odontólogo assistente serão de cobertura obrigatória pela operadora de plano de saúde ou pela seguradora especializada em saúde, desde que:
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- Comprovada a eficácia à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico;
- Recomendada pela Conitec ou recomendada, no mínimo, por um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que aprovadas também para seus nacionais.
Vale destacar que, na Lei nº 14.454/2022, os requisitos para a cobertura dos procedimentos e tratamentos extra rol dos planos de saúde não são os mesmos que as hipóteses estabelecidas no supramencionado julgamento do STJ, resultando em insegurança jurídica de como as operadoras de planos de saúde e as seguradoras especializadas em saúde devem cumprir tais requisitos.
Discussão no STF
A discussão também encontra espaço no Supremo Tribunal Federal (STF): as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 7088, 7183 e 7193, bem como as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 986 e 990 que, em geral, sustentam a inconstitucionalidade da limitação à cobertura dos planos de saúde, bem como a inconstitucionalidade do rito de atualização do rol dos planos de saúde, nos termos da Lei nº 9.656/1998. Nos dias 26 e 27 de setembro de 2022 seriam realizadas audiências públicas sobre tais ações. Contudo, em razão da tramitação do Projeto de Lei n° 2.033/2022, estas audiências públicas foram adiadas e aguarda-se manifestação do relator, o ministro Roberto Barroso, uma vez que a aprovação da Lei poderá levar, a depender do caso, à perda de objeto das ações.
Para saber mais sobre o tema, conheça a prática de Contencioso e Arbitragem e Life Sciences e Saúde do Mattos Filho.
*Com a colaboração de Henryk Trelinski Alvarenga e Leandro Expedito Rodrigues.