STJ decide pela taxatividade do rol da ANS e suas exceções
Entenda mais sobre o julgamento do Superior Tribunal de Justiça a respeito da cobertura dos planos de saúde aos tratamentos não previstos no Rol da ANS
A uniformização dos posicionamentos a respeito da cobertura de tratamentos não previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (rol da ANS), pelas duas Turmas de Direito Privado do Supremo Tribunal Justiça (STJ), foi suscitada no julgamento do EREsp 1.886.929/SP e do EREsp 1.889.704/SP, que reuniu todos os ministros envolvidos. Em julgamento iniciado em 2021 e encerrado no dia 08 de junho de 2022, a Segunda Seção, por maioria de votos, definiu que:
- O rol da ANS é, em regra, taxativo;
- A operadora de plano privado de assistência à saúde ou seguradora especializada em saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS, se existe para a cura do paciente outro procedimento eficaz e seguro já incorporado ao rol da ANS;
- É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol.
Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente desde que:
- Não tenha sido indeferido expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol da ANS;
- Haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;
- Haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacional, tais como Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) e Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATIJUS), e estrangeiros; e
- Seja realizado quando possível o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a comissão de atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.
O placar do julgamento foi de 6 votos a 3, dos quais foram vencedores os votos dos Ministros Luis Felipe Salomão, Villas Bôas Cueva, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, e vencidos os votos dos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Nancy Andrighi e Moura Ribeiro.
Este placar reflete a divergência de entendimentos dentro do próprio STJ sobre o tema. A Terceira Turma reconhecia a natureza exemplificativa do rol da ANS, permitindo a cobertura de procedimentos não previstos, quando necessários para o tratamento de doença coberta pelo plano privado de assistência à saúde, em respeito ao princípio da função social do contrato. A Quarta Turma, por sua vez, reconhecia a taxatividade do rol da ANS, por entender, entre outras razões, que a ausência de limitações definidas para a cobertura teria o condão de encarecer os planos privados de assistência à saúde, obrigando-lhes a oferecer, tacitamente, qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência.
Especificamente em relação ao EREsp n. 1.889.704/SP, discutia-se a obtenção da cobertura para tratamento multidisciplinar pelo método ABA (Applied Behavior Analysis) para autismo, sem limitação do número de sessões de terapia ocupacional e de fonoaudiologia. No entanto, o STJ destacou que, durante o julgamento dos recursos supramencionados, a ANS, por meio da edição da Resolução Normativa nº 469/2021, promoveu mudança na diretriz de utilização (DUT) aplicável a cobertura obrigatória para o referido tratamento, tornando ilimitado o número de consultas com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos para tratamento de autismo no Rol da ANS. Assim, essa controvérsia foi resolvida com a publicação de nova diretriz da ANS.
Já em relação ao caso do EREsp n. 1.886.929/SP, discutia-se a cobertura para estimulação magnética transcraniana – EMT para esquizofrenia paranoide e quadro depressivo severo, não incluída no Rol da ANS. O STJ reconheceu a imposição da cobertura deste tratamento, como medida de exceção, considerando a comprovação no processo de que o tratamento foi devidamente regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina – CFM, e que o procedimento pode ser mesmo a solução imprescindível para o tratamento de pacientes que sofrem dessas comorbidades e não responderam a tratamento com medicamentos.
Confira os detalhes destas decisões conforme publicações dos respectivos acórdãos (acórdão do EREsp n. 1.886.929/SP e acórdão do EREsp n. 1.889.704/SP), ocorridas apenas no início deste mês.
Contra esses acórdãos, as partes opuseram embargos de declaração, que ainda não foram julgados, mas que podem, a depender do caso, alterar em parte o entendimento do STJ.
Rol da ANS e seu rito processual de atualização
O rol da ANS em vigor é regulamentado pela Resolução Normativa nº 465/2021 e seus Anexos (RN ANS nº 465/2021), correspondendo a cobertura assistencial mínima obrigatória a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e os contratados em data anterior, mas adaptados à Lei nº 9.656/1998.
Dessa forma, para fins de cobertura, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) considera que o rol da ANS é taxativo, nos termos do art. 2º da RN ANS nº 465/2021.
Por outro lado, a lista de coberturas assistenciais obrigatórias e as diretrizes de utilização que compõe o Rol da ANS podem ser atualizadas, via de regra, semestralmente, conforme o rito processual previsto na Lei nº 9.656/1998 (alterada pela Lei n° 14.307/2022) e na Resolução Normativa n° 470/2021.
Isto é, a ANS determina os tratamentos, procedimentos e diretrizes de utilização que constarão no rol da ANS por meio de ciclos de atualização contínuos e periódicos. E, para tanto, considera análises técnicas e de impacto orçamento das propostas de atualizações, bem como recomendações de outras autoridades governamentais (por exemplo a CONITEC) e da sociedade civil.
Efeitos do julgamento
O entendimento fixado pela Segunda Seção do STJ tem aplicação direta às partes envolvidas nos processos julgados, mas não possui, por lei, caráter vinculante, por não ter sido julgado pelo rito dos recursos repetitivos ou objeto de edição de súmula vinculante.
No entanto, isso não impede que a decisão sirva como precedente judicial extremamente relevante para o mercado, e útil para guiar os próximos julgamentos sobre o tema, em todos os graus de jurisdição.
Os efeitos práticos desse julgamento deverão ser acompanhados, em especial a aplicação deste precedente nas ações judiciais que tramitam sobre o tema.
Discussão legislativa
A discussão também encontra espaço no Congresso Nacional. Destaca-se a tramitação do Projeto de Lei nº 2033/2022, de 13 de julho de 2022, que desde 03 de agosto de 2022 aguarda a apreciação do Senado Federal e pretende alterar a Lei nº 9.656/1998 para estabelecer hipóteses de cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol da ANS. Também, tramitam na Câmara dos Deputados o Projeto de Decreto Legislativo n° 187/2022, de 01 de junho de 2022, e o Projeto de Decreto Legislativo n° 45/2022, de 24 de fevereiro de 2022, que objetivam sustar os efeitos do art. 2º, da RN ANS n° 465/2021 e parcialmente o art. 17, da RN ANS n° 470/2021, para a retirada da expressa previsão do caráter taxativo do rol da ANS e de limitações ao plano da segmentação assistencial referência, respectivamente. No mesmo sentido, o Projeto de Lei n° 376/2022, de 23 de fevereiro de 2022, na Câmara dos Deputados, tem como objetivo o reconhecimento legal do caráter exemplificativo do rol da ANS.
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*Conteúdo publicado originalmente no dia 13 de junho de 2022.