CNJ regulamenta processo de adjudicação compulsória pela via extrajudicial
Instrumento permite que o interessado registre o instrumento de transferência do imóvel de maneira célere quando existir recusa ou impossibilidade da outra parte
A Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça publicou, em 15 de setembro de 2023, o Provimento CN-CNJ nº 150/2023, que dispõe sobre o procedimento do processo de adjudicação compulsória extrajudicial previsto no art. 216-B da Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.105/1973 (LRP).
Entre os destaques está a possibilidade de o interessado promover o registro do instrumento de transferência do imóvel de maneira célere em casos em que exista recusa ou impossibilidade da outra parte, evitando a judicialização da matéria por meio da utilização de um procedimento de impugnação do procedimento administrativo perante o Poder Judiciário.
Lei nº 14.382/2022 e a adjudicação compulsória extrajudicial
A ação de adjudicação compulsória, prevista nos arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil, é o instrumento jurídico disponível ao interessado diante da recusa injustificada do vendedor em lavrar a escritura pública de compra e venda ou permuta a fim de viabilizar a transferência da propriedade imobiliária. A ação de adjudicação compulsória também se aplica aos casos em que tenha ocorrido a morte do vendedor, tenha sido declarada a sua ausência, incapacidade civil, localização incerta ou desconhecida ou, para os casos de pessoas jurídicas, tenha ocorrido a sua extinção. Para propositura da demanda judicial, tradicionalmente são exigidos os seguintes requisitos:
- Existência de instrumento visando a aquisição legítima do imóvel (e.g. contrato ou promessa de compra e venda ou permuta);
- Inexistência de direito de arrependimento no contrato;
- Recusa ou impedimento para lavratura da escritura.
A fim de contribuir para o descongestionamento do Poder Judiciário, foi promulgada, em 27 de junho de 2022, a Lei nº 14.382/2022, que incluiu o art. 216-B na LRP e autorizou a efetivação extrajudicial da adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão pelo cartório de registro de imóveis da situação do imóvel, a pedido de promitentes compradores, cessionários, sucessores e/ou promitentes vendedores, desde que representados por advogados.
Segundo os incisos I ao VI do §1° do art. 216-B na LRP, o requerimento de adjudicação compulsória extrajudicial deve ser endereçado ao tabelião do cartório de registro de imóveis da situação do imóvel e acompanhado dos mesmos documentos exigidos para ajuizamento da demanda judicial e acrescido dos seguintes:
- Prova do inadimplemento caracterizado pela inércia pelo prazo de 15 dias contados da entrega de notificação extrajudicial;
- Ata notarial constando a identificação do imóvel, nome e qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato, prova do pagamento do preço e da caracterização do inadimplemento;
- Certidões comprovando a inexistência de litígio envolvendo o contrato;
- Comprovante do pagamento do ITBI;
- Procuração com poderes específicos.
Destaca-se que o deferimento da adjudicação independe do prévio registro dos instrumentos de promessa de compra e venda ou de cessão e da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor.
Diante do silêncio legislativo sobre o procedimento a ser adotado, o Provimento CN-CNJ nº 150/2023 preencheu essa lacuna e, na mesma linha do art. 216-B da LRP, buscou conferir segurança jurídica e previsibilidade ao uniformizar o procedimento da adjudicação compulsória perante todo o território nacional.
Principais destaques do procedimento
O Provimento CN-CNJ nº 150/2023 prezou pelo didatismo na tentativa de uniformizar o procedimento e evitar interpretações discrepantes, tendo em vista o âmbito de abrangência nacional. As fases do procedimento podem ser divididas entre as fases do requerimento inicial, notificação, anuência ou impugnação e etapas de registro. Merecem destaque os seguintes aspectos de cada uma das fases a seguir.
Requerimento inicial
A parte interessada deverá apresentar ao Oficial de Registro de Imóveis competente o requerimento de instauração do processo de adjudicação compulsória, acompanhado dos documentos exigidos pela LRP, em especial da ata notarial e do instrumento do ato ou negócio jurídico que fundamenta a adjudicação compulsória.
A apresentação do requerimento poderá ser feita diretamente perante o Oficial de Registro de Imóveis ou pelo Sistema Eletrônico dos Registros Públicos e é admitida a cumulação de pedidos para diversos imóveis desde que sejam todos da mesma circunscrição imobiliária, os legitimados sejam os mesmos, e tal fato não prejudique nem dificulte o procedimento.
O requerimento inicial deverá observar, além dos requisitos previstos no referido provimento, no que for cabível, os requisitos do art. 319 do Código de Processo Civil (CPC), em especial:
- Identificação e qualificação das partes;
- Descrição do imóvel;
- Histórico de atos e negócios jurídicos;
- Declaração do requerente de que não pende processo judicial que possa impedir o registro da adjudicação compulsória ou prova de que tenha sido extinto ou suspenso por mais de 90 dias úteis;
- Solicitação de que o requerido seja notificado a se manifestar, no prazo de 15 dias úteis;
- Pedido de deferimento da adjudicação compulsória e de lavratura do instrumento necessário para a transferência da propriedade.
Os efeitos da prenotação serão prorrogados até o deferimento ou rejeição do pedido. Caso o requerente seja notificado para complementar o requerimento e não o faça, no prazo de dez dias úteis, o processo será extinto, com o cancelamento da prenotação.
Notificação
Se o requerimento inicial preencher seus requisitos legais, o Oficial de Registro de Imóveis notificará o requerido (art. 440-R e seguintes do Provimento CN-CNJ nº 150/2023) para que, no prazo de 15 dias úteis, concorde com transmissão da propriedade ou apresente a sua impugnação, com as razões e documentos que entender pertinentes.
Infrutíferas as tentativas de notificação pessoal, e não sendo possível a localização do requerido, o Oficial de Registro de Imóveis competente procederá à notificação por edital. As despesas de notificação, em qualquer modalidade, serão pagas pelo requerente.
Silêncio, anuência ou impugnação
Em caso de inércia do requerido, haverá presunção de que é verdadeira a alegação de inadimplemento, o que autorizará o prosseguimento do procedimento extrajudicial.
A anuência do requerido, por sua vez, poderá ser declarada a qualquer momento por instrumento particular ou público. Destaque-se que a mera anuência do requerido, sem que sejam tomadas as providências para a celebração do instrumento de transferência de propriedade, autorizará o prosseguimento do processo extrajudicial pelo Oficial de Registro de Imóveis.
A impugnação, por sua vez, deverá ser endereçada por escrito e no prazo de 15 dias úteis. Nesta hipótese, o Oficial de Registro de Imóveis notificará o requerente para que se manifeste sobre a impugnação em 15 dias úteis e, com ou sem a manifestação, proferirá decisão, no prazo de dez dias úteis ou poderá previamente instaurar a conciliação e mediação dos envolvidos.
Acolhida a impugnação, o Oficial de Registro de Imóveis notificará o requerente para que se manifeste em dez dias úteis. Se não houver insurgência do requerente contra o acolhimento da impugnação, o processo será extinto e cancelada a prenotação.
Por outro lado, o Oficial de Registro de Imóveis poderá indeferir a impugnação, quando, exemplificativamente, a matéria já houver sido examinada e refutada em casos semelhantes na esfera judicial; não houver fundamentação e/ou indicação das razões da discordância; versar matéria estranha à adjudicação compulsória; ou tiver caráter protelatório.
Contra a decisão do Oficial de Registro de Imóveis, o requerido poderá recorrer ao Juízo competente no prazo de dez dias úteis sobre o cabimento da impugnação. O acolhimento da impugnação implicará na extinção do processo e no cancelamento da prenotação. Na hipótese de rejeição da impugnação, o juiz determinará a retomada do processo perante o Oficial de Registro de Imóveis. Importante ressaltar que a análise do Juízo se dará apenas no âmbito do processo administrativo, não inviabilizando o ingresso de novas medidas judiciais.
Qualificação
Anuindo o requerido com o pedido do requerente, rejeitada a impugnação do requerido ou havendo silêncio por parte do requerido, o Oficial de Registro de Imóveis deverá emitir nota devolutiva para que se supram as exigências que ainda existirem, contra a qual caberá dúvida, ou deferir ou rejeitar o pedido.
Decisão
Sendo deferido o pedido, o Oficial de Registro de Imóveis notificará o requerimento para que comprove, no prazo de cinco dias úteis, o recolhimento do ITBI. Não havendo pagamento do imposto, o processo será extinto. Havendo o recolhimento do imposto, será efetuado o registro.
Registro
Acolhido o pedido do requerente, o Oficial de Registro de Imóveis competente deverá efetuar o registro da transferência de titularidade do imóvel, servindo como título o instrumento particular de compromisso ou promessa de compra e venda ou permuta ou o instrumento que comprove a sucessão, sem a necessidade de lavratura da respectiva escritura pública.
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