STF declara constitucional lei que proíbe pesca de arrasto na zona costeira do RS
Após julgamento, observa-se tendência do STF em favorecer a autonomia dos estados e municípios em matéria de proteção ambiental
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a que vedam a pesca mediante toda e qualquer rede tracionada por embarcações motorizadas, na faixa marítima da zona costeira do Estado do Rio Grande do Sul.
A ADI nº 6.218 foi proposta ao fundamento de que a lei seria (a) formalmente inconstitucional porque, ao vedar a pesca na faixa marítima da zona costeira, estaria dispondo sobre bem público de titularidade da União, o que é matéria de competência privativa da União; e (b) materialmente inconstitucional, já que, ao proibir a pesca com utilização de rede de arrasto, restringiria de forma arbitrária e desproporcional a liberdade profissional dos pescadores, a qual estaria tutelada pelo art. 5º, inc. XIII, da Constituição Federal.
A decisão liminar do relator e os votos dos ministros no julgamento definitivo
Ao apreciar inicialmente a matéria, o relator, Ministro Kassio Nunes Marques, deferiu a liminar pleiteada para suspender os dispositivos da Lei nº 15.223/2018 questionados, quais sejam, o art. 1º, par. único, que versa sobre o alcance da referida lei, aplicável a toda a atividade pesqueira exercida no RS, incluída a faixa marítima da zona costeira, e o art. 30, inc. IV, alínea “e”, que veda expressamente a prática predatória conhecida como “pesca de arrasto”.
No julgamento colegiado, porém, o relator restou vencido e a referida liminar foi cassada.
O voto do Ministro Nunes Marques confirmou seu entendimento anterior de que caberia à União legislar de forma abrangente e aprofundada em matéria de mar territorial, nos termos do art. 20, inc. VI, da Constituição Federal. Para o relator, de acordo com a Lei Federal nº 11.959/2009, ao Estado compete apenas dispor sobre águas continentais. Ademais, haveria ofensa direta ao princípio constitucional da livre iniciativa, uma vez que a lei questionada interferiria indevidamente em atividades pesqueiras vindas de outras unidades da Federação.
Já o voto vencedor, da lavra da Ministra Presidente Rosa Weber, reconheceu a constitucionalidade dos dispositivos impugnados e contou com a adesão do restante do Tribunal Pleno.
Fundamentação do acórdão
A posição majoritária, assim, foi no seguinte sentido:
- A dominialidade sobre bens públicos não se confunde com a competência para dispor sobre seu regime jurídico, que decorre do regime constitucional de repartição de competências;
- O mar territorial brasileiro situa-se, simultaneamente, no espaço territorial da União, dos estados costeiros e dos municípios confrontantes, sujeitando-se às ordens jurídicas federal, estadual e municipal. Dessa forma, não há que se opor a soberania da República Federativa do Brasil ao estado do Rio Grande do Sul, pois entre a União e estados não há relação de soberania, mas sim de autonomia;
- O STF já reconheceu a validade de lei estadual que proíbe a pesca de arrasto no território marítimo de estados costeiros na ADI 861, em razão da competência legislativa concorrente em matéria de pesca, fauna e conservação da natureza;
- A Lei Estadual impugnada guarda observância com os princípios e diretrizes da Política Nacional de Pesca e Aquicultura da União (Lei nº 11.959/2009), bem como com a competência material conferida aos estados para exercer o controle ambiental da pesca, nos termos da Lei Complementar nº 140/2011.
Tendências em matéria de competências federativas na proteção ambiental
Diante desse julgamento, que respalda a constitucionalidade de lei estadual proibidora da pesca de arrasto na costa do ente federativo, observa-se a consolidação de uma tendência do STF em favorecer a autonomia dos entes federativos menores (estados e municípios) em matéria de proteção ambiental. Exemplos dessa tendência, além da ADI 861, que também versava sobre restrições à pesca de arrasto definida por lei estadual, são a ADI 5996, na qual se julgou constitucional lei estadual que proibia testes em animais na indústria cosmética, e o Recurso Extraordinário (RE 732.686), que firmou o Tema 970, segundo o qual é constitucional a lei municipal que obriga à substituição de sacos e sacolas plásticos por sacos e sacolas biodegradáveis.
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*Com Yosef Morenghi Fawcett