

A transferência de créditos de ICMS para estabelecimento de outros estados
Para a gestão dos créditos, deve-se considerar o cenário legislativo e jurisprudencial, e o impacto com a operação de cada varejista
Assuntos
A despeito de ser conhecida a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADC 49 em 19 de abril de 2021, para afastar a incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica, o seu desdobramento para a transferência de créditos do imposto, continua sendo ponto de preocupação, especialmente para os varejistas.
Contextualizando, o STF reconheceu que na transferência de mercadorias para estabelecimentos da mesma pessoa jurídica não há mudança de titularidade e, portanto, operação de mercancia para atrair a incidência do imposto.
Inicialmente, nada foi dito sobre o direito de o contribuinte transferir os créditos de ICMS para estabelecimentos localizados em outras unidades da federação, que farão a efetiva venda ao consumidor.
Considerando que, em razão das proporções continentais do país, os varejistas costumam estruturar suas operações com alguns centros de distribuição em locais estratégicos, a partir dos quais as mercadorias são enviadas para os estados que operam, a transferência dos créditos é ponto extremamente sensível.
É que sem tal transferência, não haverá crédito escritural para abater do montante devido no estado de destino em razão da venda ao consumidor, o que impediria a observância do princípio da não cumulatividade do ICMS, onerando demasiadamente a operação.
Ao julgar, em 19 de abril de 2023, os embargos de declaração opostos também para esclarecer tal ponto na ADC 49, o STF reconheceu o direito dos contribuintes à manutenção de tais créditos e à sua transferência ao estabelecimento destinatário.
Além disso, modulou os efeitos de sua decisão para aplicação a partir do exercício de 2024, cabendo aos estados regulamentar a transferência de créditos de ICMS no referido prazo, sob pena de reconhecimento automático das transferências porventura realizadas.
O STF não estabeleceu o instrumento legislativo que entenderia adequado para tal regulamentação. Os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, que se manifestaram sobre o assunto, divergiram sobre a competência do Confaz, do legislador estadual ou do legislador complementar federal para disciplinar o direito à transferência de créditos.
Controvérsia sobre a transferência obrigatória dos créditos de ICMS
Diante deste cenário, pouco antes de o prazo expirar, os estados disciplinaram o tema por meio do Confaz e editaram o Convênio ICMS nº 174/23, que previu que a transferência dos créditos de ICMS ao estabelecimento destinatário seria obrigatória.
A previsão foi criticada por contribuintes e alguns representantes das Secretarias de Estado da Fazenda, para os quais a transferência de créditos deveria ser facultativa, dada a sua natureza de direito subjetivo do contribuinte nos termos da decisão proferida na ADC nº 49.
O Convênio ICMS nº 174/23 não foi ratificado pelo estado do Rio de Janeiro por meio do Decreto Estadual nº48.799/23, justamente por entender que, por ser um direito, a transferência de créditos de ICMS deveria ser facultativa e não obrigatória.
O referido Convênio ICMS possuía previsão de observância ao rito da Lei Complementar (LC nº24/75). Por esta razão, a não ratificação pelo estado do Rio de Janeiro resultou em sua rejeição, nos termos do artigo 4º, § 2º, da referida Lei Complementar.
À luz da necessidade de nova regulamentação da transferência de créditos de ICMS pelo Confaz, editou-se o Convênio ICMS nº 178/23, que, no entanto, replicou a previsão de transferência obrigatória de créditos de ICMS. A diferença para o anterior é que o novo deixou de se comprometer com a necessidade de ratificação prevista na LC nº 24/75.
A nova regulamentação também é obscura, ao deixar de esclarecer, por exemplo, qual deveria ser a base para a transferência dos créditos. É que, antes da decisão da ADC 49, alguns estados, além de exigir o ICMS na transferência entre estabelecimentos, questionavam a base de cálculo quando a operação estava sujeita à substituição tributária, para afirmar que a base de cálculo deveria ser o valor estimado de venda, e não a soma do custo, como previa o art. 13, § 4°, da LC 87/96 .
Dessa forma, o Confaz consolidou sua posição de exigir a transferência obrigatória de créditos de ICMS, a qual beneficia a praticidade na fiscalização do encontro de contas, ainda que em prejuízo do exercício deste direito pelo contribuinte.
Ainda, apesar de o Convênio ICMS nº 178/23 ressalvar que a nova sistemática não importa no cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos pela unidade federada de origem, o tema deve ser avaliado caso a caso, considerando os possíveis impactos da regulamentação da transferência de créditos de ICMS por cada unidade federada, inclusive no que se refere à exigência de cumprimento de obrigações acessórias.
Aplicação do Projeto de Lei 116/2023
Outro ponto relevante no cenário legislativo diz respeito à conversão do Projeto de Lei (PLP) 116/2023 – na Lei Complementar 104/2023 que alterou a LC 87/96, cuja interpretação e aplicação dos seus efeitos deve ser avaliada, inclusive diante da sua coexistência como outras normas, como o Convênio ICMS 178/2023 e regulamentação pelas legislações estaduais.
O PLP inicialmente propunha dois tratamentos tributários alternativos:
- Possibilidade de equiparação da transferência a uma operação tributada mediante o destaque facultativo do ICMS com a manutenção dos créditos;
- Definição de que a transferência não é fato gerador, mas está assegurado o direito ao crédito.
Todavia, a alternativa de tributação facultativa da operação foi vetada pelo presidente. Assim, a incluiu no artigo 12 § 4º da LC 87/96 um único tratamento para a transferência entre estabelecimentos de mesma titularidade, qual seja, que essa não se enquadra como fato gerador do imposto, mas manteve o direito ao crédito.
Também na LC há discussões sobre a base de cálculo, especialmente quanto à interpretação do que deve ser considerado como “o valor atribuído à operação de transferência realizada”.
Considerando o referido cenário legislativo e jurisprudencial, e que o impacto pode variar de acordo com a operação de cada varejista, sugere-se o exame detido das peculiaridades da operação e respectivos benefícios fiscais usufruídos frente à legislação dos estados envolvidos, para a gestão dos créditos apurados.
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