

TJMG fixa tese em IRDR sobre necessidade de consumidor buscar solução extrajudicial do conflito antes de judicialização
A ausência de prova de tentativa de resolução extrajudicial pode resultar em extinção do processo sem resolução de mérito
Assuntos
Em acórdão proferido no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 1.0000.22.157099-7/002 (Tema 91), publicado em 25 de outubro de 2024, a 2ª Seção Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG) decidiu, por maioria de votos, que, nas ações judiciais de natureza consumerista, é necessária prova de tentativa de solução extrajudicial do conflito, sob pena de a ação ser julgada extinta sem resolução de mérito.
O TJ-MG fixou, ainda, algumas hipóteses em que tal prova é desnecessária, ao menos de pronto. É o exemplo da ausência de reposta a requerimento administrativo do consumidor após dez dias úteis de seu registro, situação na qual restará configurado o interesse de agir. Por sua vez, existindo risco de perecimento de direito (como iminente transcurso do prazo decadencial ou prescricional), é possível o ajuizamento da ação e posterior comprovação da tentativa de solução extrajudicial, desde que esta ocorra em até 30 dias úteis contados da decisão que analisou o pedido de tutela de urgência.
Houve a modulação dos efeitos da tese, com definição de parâmetros para sua aplicação às ações em curso.
O IRDR e a tese fixada
O IRDR foi suscitado de ofício pelo desembargador José Augusto Lourenço dos Santos, nos autos de recurso de apelação do qual é relator e cuja controvérsia compreende o indeferimento de petição inicial de ação consumerista por carência de interesse processual, “em razão de ausência de demonstração de prévia tentativa de solução extrajudicial, via Procon, Cejusc, plataforma consumidor.gov ou outro”. Para o desembargador José Augusto Lourenço dos Santos, trata-se de controvérsia que é reiteradamente objeto de recursos submetidos ao TJ-MG, havendo risco à isonomia e à segurança jurídica, pois há significativo entendimento de juízes de primeira instância contrário à posição majoritária do TJ-MG.
O incidente foi admitido, por maioria, em 26 de maio de 2023, sob relatoria do desembargador José Marcos Rodrigues Vieira. No curso do IRDR, houve a habilitação e manifestação de amicus curiae, bem como a promoção de audiência pública da qual participaram diversos especialistas sobre a temática objeto do IRDR.
A 2ª Seção Cível do TJ-MG, por maioria, acompanhou o voto proferido pela desembargadora Lílian Maciel, a qual votou favoravelmente à necessidade de prévio requerimento administrativo junto ao fornecedor antes do ajuizamento de ação judicial que verse sobre relação consumerista prestacional.
Para a desembargadora Lílian Maciel, “o acesso à justiça não se faz com exclusividade pela via judicial”, de forma que os meios adequados para solução de conflitos podem ser tanto judiciais como extrajudiciais, em razão da adoção do sistema multiportas no Brasil. No seu entender, como nenhum direito é absoluto, os princípios da inafastabilidade da jurisdição e da eficiência devem ser sopesados, pois “admitir o ajuizamento das pretensões do cidadão como único e indispensável instrumento para satisfação de seu direito, sem a implantação prévia de mecanismos alternativos em um sistema multiportas, implica grave vulneração ao princípio da eficiência”.
Fazendo menção à necessidade de combate à litigância predatória, a desembargadora concluiu que a qualificação do interesse de agir, com imputação de ônus à parte autora para demonstrar a existência de real conflito material de interesses jurídicos, é essencial para uma boa prestação jurisdicional.
Ao final do julgamento, a 2ª Seção Cível do TJ-MG fixou tese segundo a qual:
- a caracterização do interesse de agir nas ações de natureza prestacional das relações de consumo depende da comprovação da prévia tentativa de solução extrajudicial da controvérsia. Essa comprovação pode ocorrer por quaisquer canais oficiais de serviço de atendimento mantidos pelo fornecedor (SAC); Procons; órgãos fiscalizadores (Banco Central); agências reguladoras (ANS, Anvisa, Anatel, Aneel, Anac, ANA, ANM, ANP, Antaq, ANTT, Ancine); plataformas públicas e privadas de reclamação (gov e Reclame Aqui, respectivamente, entre outras); notificação extrajudicial por carta com aviso de recebimento ou via cartorária. Não basta, nos casos de registros realizados perante o SAC mantido pelo fornecedor, a mera indicação pelo consumidor de número de protocolo;
- com relação ao prazo de resposta do fornecedor à reclamação/pedido administrativo, nas hipóteses em que a reclamação não for registrada em órgãos ou plataformas públicas que já disponham de regramento e prazo próprios, é adotado, por analogia, o prazo do artigo 8º, parágrafo único, I, da Lei n. 9.507/1997, ou seja, de decurso de mais de dez dias úteis sem decisão/resposta do fornecedor. A partir do referido prazo sem resposta do fornecedor, restará configurado o interesse de agir do consumidor para defender os seus direitos em Juízo;
- nas hipóteses em que o fornecedor responder à reclamação/solicitação, a referida resposta deverá ser carreada aos documentos da petição inicial, juntamente com o pedido administrativo formulado pelo consumidor;
- a exigência da prévia tentativa de solução extrajudicial poderá ser excepcionada nas hipóteses em que o consumidor comprovar risco de perecimento do direito alegado (inclusive na eventualidade de iminente transcurso de prazo prescricional ou decadencial), situação em que o julgador deverá aferir o interesse de agir de forma diferida. Nesses casos, caberá ao consumidor exibir a prova da tentativa de solução extrajudicial em até 30 dias úteis da intimação da decisão que analisou o pedido de concessão da tutela de urgência, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito;
- nas ações ajuizadas após a publicação da tese fixada no IRDR, nas quais não exista comprovação da prévia tentativa extrajudicial de solução da controvérsia e que não haja pedido expresso e fundamentado sobre a excepcionalidade por risco de perecimento do direito, recebida a inicial e constatada a ausência de interesse de agir, a parte autora deverá ser intimada para emendar a inicial de modo a demonstrar, no prazo de 30 dias úteis, o atendimento a uma das referidas exigências. Decorrido o prazo sem cumprimento da diligência, o processo será extinto sem julgamento de mérito.
Com relação à modulação dos efeitos da tese do IRDR, por questão de interesse social e segurança jurídica, nas ações ajuizadas antes da publicação da tese fixada no IRDR, o interesse de agir deverá ser analisado casuisticamente pelo magistrado, considerando-se:
- nas hipóteses em que o réu ainda não apresentou contestação, constatada a ausência do interesse de agir, a parte autora deverá ser intimada para emendar a inicial, nos termos do IRDR, com o fim de coligir aos autos, no prazo de 30 dias úteis, o requerimento extrajudicial de solução da controvérsia ou fundamentar o pleito de dispensa da prévia comprovação do pedido administrativo, por se tratar de situação em que há risco de perecimento do direito. Quedando-se inerte, o juiz julgará o feito extinto sem resolução de mérito; e
- nas hipóteses em que já houver contestação nos autos, tendo sido alegado na peça de defesa fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor, restará comprovado o interesse de agir.
Contra o acórdão do IRDR, foram opostos embargos de declaração, pendentes de julgamento.
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