

Conselho Nacional de Justiça edita recomendação para combater a litigância predatória
Ato normativo do CNJ reforça a atenção do Poder Judiciário à identificação e ao combate de litigância predatória
Assuntos
Em 23 de outubro de 2024, entrou em vigor a Recomendação n. 159/2024 do Conselho Nacional de Justiça (“Recomendação n. 159/2024”), que visa combater a litigância predatória. Ela foi aprovada por unanimidade pelo plenário do CNJ (processo n. 0006309-27.2024.2.00.0000) e recomenda aos juízes e tribunais a adoção de medidas para identificar, tratar e prevenir a litigância predatória, caracterizada por condutas com “desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça”.
Litigância predatória no Poder Judiciário e algumas das medidas adotadas até o momento
A iniciativa do CNJ reflete a preocupação dos tribunais brasileiros com a crescente prática de litigância predatória no país, que desqualifica o exercício da advocacia e abarrota o Poder Judiciário de demandas temerárias. É notável que, nos últimos anos, a litigância predatória tem sido objeto de crescente preocupação pelo Poder Judiciário, que age ativamente para coibir a prática ilegal.
Em dezembro de 2018, no julgamento da ADI 3.995, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso afirmou que “o exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona”, pois tais condutas comprometem a qualidade da prestação jurisdicional e geram ônus desnecessários à sociedade.
Em busca de trazer um olhar mais atento para essa questão, o CNJ editou a Resolução n. 349/2020, que criou a rede de Centros de Inteligência do Poder Judiciário, com a finalidade de “identificar e propor tratamento adequado de demandas estratégicas ou repetitivas e de massa no Poder Judiciário brasileiro”. Desde então, os Centros de Inteligência de diversos tribunais editaram notas técnicas para compilar, em um único documento, condutas consideradas como indícios de litigância predatória, bem como ações e boas práticas para combater tais condutas (Nota Técnica n. 1/2022 em Minas Gerias; Nota Técnica n. 1/2022 no Mato Grosso do Sul; Nota Técnica n. 1/2023 no Rio de Janeiro; Nota Técnica CLISP n. 22/2024 da Justiça Federal de São Paulo; entre outras). Também foram adotadas outras medidas por tribunais no combate à litigância predatória: o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, editou documento contendo 17 enunciados sobre o tema, fruto do curso “Poderes do juiz em face da litigância predatória”, coordenado pela Corregedoria-Geral de Justiça em parceria com a Escola Paulista de Magistratura.
Para auxiliar os juízes e tribunais no combate à litigância predatória, o CNJ (i) implementou o “painel da “Rede de Informações sobre Litigância Predatória”, que compila, em um único lugar, decisões e notas técnicas sobre litigância predatória; e, mais recentemente, (ii) editou a Recomendação n. 159/2024, que reforça e unifica as medidas de identificação e prevenção à litigância predatória.
Recomendação n. 159/2024
Conforme art. 1º, parágrafo único, da Recomendação n. 159/2024, a litigância predatória é gênero do qual são espécies: condutas ou demandas sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos, entre outras, as quais, conforme sua extensão e impactos, podem constituir litigância predatória. O anexo “A” desse ato normativo traz uma lista exemplificativa de 20 condutas processuais potencialmente abusivas, algumas das quais se destacam:
- Proposição de várias ações judiciais sobre o mesmo tema, pela mesma parte autora, distribuídas de forma fragmentada;
- Distribuição de ações judiciais semelhantes, com petições iniciais que apresentam informações genéricas e causas de pedir idênticas, frequentemente diferenciadas apenas pelos dados pessoais das partes envolvidas, sem a devida particularização dos fatos do caso concreto;
- Apresentação de procurações incompletas, com inserção manual de informações, outorgadas por mandante já falecido(a), ou mediante assinatura eletrônica não qualificada e lançada sem o emprego de certificado digital de padrão ICP-Brasil;
- Propositura de ações com finalidade de exercer pressão para obter benefício extraprocessual, a exemplo da celebração de acordo para satisfação de crédito, frequentemente com tentativa de não pagamento de custas processuais.
Já o anexo “B” da Recomendação n. 159/2024 contém lista exemplificativa de 17 medidas a serem adotadas pelos magistrados diante de casos de litigância predatória, dentre as quais:
- Requisição de providências à autoridade policial e compartilhamento de informações com o Ministério Público, quando identificada possível prática de ilícito que demande investigação;
- Notificação para apresentação de documentos que comprovem a tentativa de prévia solução administrativa, para fins de caracterização de pretensão resistida;
- Ponderação criteriosa de requerimentos de inversão do ônus da prova, inclusive nas demandas envolvendo relações de consumo.
Em paralelo à edição da Recomendação n. 159/2024, a matéria de litigância predatória está sob análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso especial afetado sob o regime de repetitivos e registrado sob o Tema n. 1.198 (“Tema 1.198″).
A Corte Especial do STJ iniciou o julgamento do Tema 1.198 em fevereiro de 2024, para definir se o magistrado, diante de suspeita de litigância predatória, pode exigir que a parte autora emende a inicial com novos documentos capazes de lastrear suas pretensões deduzidas em Juízo.
O julgamento ainda não foi concluído. Contudo, na linha de precedentes do STJ sobre o tema, por força do poder geral de cautela do art. 297 do Código de Processo Civil, o magistrado deverá inibir ações predatórias de forma ativa, mediante a determinação de juntada de documentos necessários para averiguar o legítimo interesse da parte no ajuizamento da demanda.
Para mais informações acerca do tema, conheça a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.