STF decide que Poder Público pode contratar advogados sem licitação, observadas certas condições
A decisão estabeleceu que a contratação de serviços jurídicos por inexigibilidade de licitação, sem prova de dolo, não configura improbidade administrativa
Assuntos
Em 28 de outubro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Poder Público pode contratar advogados sem licitação, desde que observadas certas condições. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 656.558, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli e com a participação do Conselho Federal da OAB (CFOAB) como amicus curiae.
O recurso, que deu origem ao Tema nº 309/STF, foi interposto com fundamento no art. 37, § 4º, da Constituição Federal e questiona a constitucionalidade dos arts. 13, V, e 25, II, da Lei de Licitações nº 8.666/1993, alterados pela Lei nº 14.133/21 (que possibilitam que o Poder Público contrate serviços de advocacia de forma direta, por inexigibilidade de licitação), bem como a aplicação de multa civil para conduta não enquadrada na Lei de Improbidade nº 8.429/1992.
O recurso extraordinário teve sua Repercussão Geral reconhecida e, a partir dele, o STF decidiu duas questões jurídicas centrais: se os entes públicos podem – e em que condições – contratar serviços advocatícios sem licitação, e se nos casos em que as contratações são consideradas ilícitas, elas podem ser enquadradas como ato de improbidade administrativa.
Nas instâncias inferiores, tanto a primeira quanto a segunda instâncias validaram a contratação direta de serviços advocatícios pelo Município de Itatiba/SP. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou a decisão, por considerar a contratação ilegal, sob o fundamento de que o escritório contratado não seria o único habilitado ao patrocínio da causa e que, antes da contratação, tais serviços eram realizados internamente, por advogados da Prefeitura. Adotando a teoria da responsabilidade objetiva em sede de ato de improbidade administrativa, o STJ anulou o contrato, mas, por considerar que não houve danos ao erário em decorrência da efetiva prestação dos serviços advocatícios, aplicou apenas a multa civil, equivalente a 10% do valor contratado.
Ao examinar o caso, o Plenário virtual do STF proveu o RE 656.558, para afastar a nulidade do contrato e da multa civil aplicada, diante da ausência de dolo dos envolvidos, restabelecendo a decisão que julgou improcedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo.
Sobre a primeira das duas questões jurídicas centrais, o STF reconheceu a constitucionalidade da interpretação dos arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, que possibilitam a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública por inexigibilidade de licitação. No entanto, o STF estabeleceu que essa contratação está condicionada ao cumprimento não apenas dos critérios expressos na lei – a instauração de procedimento administrativo formal; e a comprovação da notória especialização profissional e da natureza singular do serviço – mas também à observância de dois requisitos adicionais: inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público, com a demonstração de que os advogados do próprio Poder Público não têm a capacidade ou disponibilidade necessária para a execução do serviço; e cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida para o caso e com o valor praticado no mercado, aferível pela média de valores cobrados em contratações semelhantes.
Quanto à segunda questão, ao interpretar o art. 37, § 4º, da Constituição Federal, o STF declarou inconstitucional a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa previsto nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária. A Corte Suprema enfatizou que o dolo é elemento indispensável à configuração de qualquer ato de improbidade administrativa. Dessa forma, mesmo que uma contratação de serviços jurídicos sem licitação seja considerada ilegal por não observar as condições exigidas, tal ato não deve ser qualificado como de improbidade administrativa na ausência de dolo.
No ponto, o Relator, Ministro Dias Toffoli, acompanhado na integralidade pelos Ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Nunes Marques, votou pelo provimento do recurso, reformando a decisão do STJ. No seu entendimento, não teria havido dolo no caso concreto, razão pela qual a contratação direta seria válida.
Os Ministros Edson Fachin, André Mendonça, Luis Roberto Barroso e Cármem Lúcia acompanharam o Ministro Toffoli no sentido de excluir a modalidade culposa dos atos de improbidade, mas divergiram no tocante à proposta de tese do relator, opinando que fosse feita a ressalva de que o entendimento deve ser aplicado aos atos praticados sob a vigência da redação originária da Lei nº 8.429/1992, desde que não haja condenação transitada em julgado. O Ministro Barroso ainda destacou que cabe aos Estados e Municípios suplementar a legislação federal, mas não a contrariar. Portanto, as normas estatais e municipais não podem vedar a contratação por inexigibilidade de licitação em hipótese expressamente permitida pela Lei nº 14.133/2021, que constitui norma geral sobre o tema.
A decisão do STF traz importantes implicações para a prática administrativa, ao delinear com clareza as condições para a contratação de serviços jurídicos sem licitação e reforçar a exigência da prova de dolo para configuração do ato de improbidade.
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