Um ponto final: a taxa do artigo 406 do Código Civil é a Selic
Corte Especial do STJ, por maioria, reafirma o entendimento do caso
Assuntos
Por seis votos a cinco, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar Recursos Especiais nº 1.081.149-SP e nº 1.795.982-SP e interpretar o artigo 406 do Código Civil, decidiu que a Selic é aplicável como taxa de juros moratórios para os casos de condenação por dívida civil em que os juros moratórios não tenham sido convencionados ou não for estipulada uma taxa. A tese vencida defendia a incidência de taxa de 1% ao mês, com fundamento no art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional.
A Corte Especial já havia decido o tema, em 2008, sob a relatoria do Ministro Teori Zavascki, ao julgar o EREsp. 727.842/SP, e concluir que a taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 do Código Civil é a Selic, por ser a que incide como juros moratórios nos tributos federais, nos termos dos artigos 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, §3 º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02.
Todavia, o Ministro Luis Felipe Salomão, relator originário dos Recursos Especiais em questão, entendeu que o tema deveria ser reexaminado e, em 26/10/2021, propôs à Corte Especial revisitar o precedente de 2008.
Em seu extenso voto, o Ministro Luis Felipe Salomão defendeu que “[…] a aplicação da taxa fazendária (Selic) às dívidas civis não constitui diretriz peremptória e incontornável. Ao contrário, é apenas um parâmetro a ser adotado à falta de outro”. De acordo com o Ministro Luis Felipe Salomão, “[…] em situações em que os juros e a correção não fluem simultaneamente, revela-se correta a aplicação do art. 161, § 1º, do CTN, sem prejuízo da correção monetária no período correspondente pelos índices oficiais aplicáveis em cada caso”. A taxa Selic, em sua visão, seria inadequada por algumas razões, dentre as quais:
- Por englobar juros moratórios e correção monetária, a Selic pressupõe a coincidência dos termos iniciais dos juros moratórios e correção monetária, ao passo que as Súmulas 54 e 362/STJ estabelecem diretriz conflitante com esse pressuposto;
- A Selic é instrumento de política monetária o Banco Central no combate à inflação e tem por objetivo interferir na inflação para o futuro, por isso seria inaplicável para a finalidade prevista no artigo 406 do Código Civil, que se refere a dívidas com viés pretérito;
- Pode gerar enriquecimento sem causa e incentivar a litigância, pois a incidência da Selec não traria consequências patrimoniais adversas ao devedor, em caso de mora; e
- A Selic tem natureza remuneratória, destinada a remunerar o capital emprestado visando ao lucro, ao passo que o índice previsto no artigo 406 do Código Civil tem natureza moratória, incidente em caso de cumprimento obrigacional tardio.
A divergência, que se sagrou vencedora por maioria apertada, foi inaugurada pelo Ministro Raul Araújo e defendeu a aplicação da Selic às dívidas civis, por entender que:
- A interpretação dos textos constitucionais e legais de regência indicam que o atual índice de correção dos impostos federais, conforme as leis que os instituíram, é a Selic;
- A jurisprudência da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento nesse sentido;
- A flutuação da Selic não estimularia litigância abusiva;
- Se o legislador quisesse optar por um índice invariável, teria o explicitado no Código Civil vigente, repetindo disposição semelhante a do Código Civil de 1916, que previa os juros de 6% ao ano. Consoante o Ministro Raul Araújo, “[s]e a escolha do legislador no artigo 406 do Código Civil é ou não a mais adequada para incidir na mora do devedor civil, é tema a ser discutido em outra seara — de legis ferenda [lei futura] ou quiçá no Poder Executivo, mas não no Judiciário. Não cabe a esse trazer interpretações que fogem à literalidade da lei”;
- “[o] Código Civil de 2002 confere um tratamento muito próximo para os juros de mora e a correção monetária, a ponto de praticamente reuni-los de forma um tanto indistinta, chegando quase a confundi-los”; e
- Só seria necessário dividir a taxa em duas, uma para fins de correção monetária e outra para fins de juros, em circunstância de inflação galopante, o que não ocorre desde a edição do Plano Real. A estipulação de uma única taxa para esses dois fins também ocorre em países de economia mais “robusta”.
O voto do Ministro Salomão foi acompanhado pelos Ministros Humberto Martins, Mauro Campbell, Antonio Carlos Ferreira e Herman Benjamin, ao passo que o voto divergente do Ministro Raul Araújo foi secundado pelos Ministros João Otávio de Noronha, Benedito Gonçalves, Maria Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura.
Na sequência dessa votação, o Ministro Salomão suscitou três questões de ordem, pretendendo: (I) declarar nulo o julgamento porque os Ministros Og Fernandes e Francisco Falcão não participaram da sessão e não votaram; (II) definir qual Taxa Selic será efetivamente usada: a que usa o método dos juros compostos ou a que soma os acumulados mensais; e (III) definir como será a sistemática para aplicação da Taxa Selic nos casos em que os termos iniciais dos juros de mora e da correção monetária não sejam os mesmos.
Os Ministros Maria Thereza de Assis Moura, João Otávio de Noronha e Nancy Andrighi manifestaram-se pela rejeição das questões de ordem, mas o julgamento delas foi interrompido pelo pedido de vista do Ministro Mauro Campbell.
O precedente recém firmado pela Corte Especial não tem os efeitos vinculantes típicos dos acórdãos proferidos sob o rito dos recursos repetitivo, mas representa a interpretação do STJ acerca da matéria, o que deverá a ser seguido pelos Tribunais inferiores.
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