Superior Tribunal de Justiça divulga teses de julgamentos com perspectiva de gênero
STJ divulga precedentes que fortalecem a aplicação eficaz da Lei Maria da Penha e a proteção contra a violência doméstica
Assuntos
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou, em março de 2024, 14 teses aplicadas em julgamentos com perspectiva de gênero publicados até 16 de fevereiro de 2024. A maioria dos entendimentos apresentados é relacionada a casos de violência doméstica e familiar, com destaque para a compreensão sobre a natureza das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha e os requisitos para sua concessão ou revogação.
As teses publicadas representam avanço do Poder Judiciário no tratamento ao assunto, pois orientam o entendimento das Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no sentido de uma aplicação mais efetiva, coordenada e eficiente da Lei Maria da Penha. Considerando a atuação pro bono em favor de mulheres em situação de violência, destacamos abaixo algumas das mais importantes dessas teses:
Manutenção das medidas protetivas mesmo quando extinta a punibilidade do autor das violências
A vigência das medidas protetivas de urgência concedidas às mulheres em situação de violência doméstica prescinde da existência de ação judicial ou inquérito policial. Assim, ainda que não haja procedimento criminal em curso, a determinação é de que as mulheres devem ser ouvidas sobre a necessidade de concessão ou manutenção das medidas protetivas, a fim de que haja avaliação efetiva sobre a situação de risco a que estão expostas.
Essa tese tem por base a compreensão de que as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha buscam preservar a integridade física e psíquica das mulheres – e não da instrução criminal – de modo que sua natureza é inibitória, com a finalidade de prevenir que a violência contra a mulher ocorra ou se perpetue. Não se admite, portanto, a fixação de um prazo determinado para a vigência das medidas protetivas, cuja revogação se daria automaticamente, sem qualquer averiguação acerca da manutenção da situação de risco que justificou a sua imposição, expondo as mulheres a novas violências.
A tese se coaduna com a Lei Maria da Penha, na previsão expressa contida no art. 19, parágrafo 5º e 6º, acrescentados pela Lei n.º 14.550/2023.
A medida protetiva tem natureza indisponível e pode ser requerida pelo Ministério Público
As medidas protetivas de urgência representam direito individual indisponível, uma vez que a Lei Maria da Penha é um instrumento voltado à proteção da dignidade humana das mulheres, em consonância com os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil faz parte, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres.
Portanto, essa tese fixa que tal direito pode ser defendido pelo Ministério Público, que, no âmbito do enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres, deve atuar tanto na esfera jurídica penal, quanto na cível, conforme prevê o art. 25 da Lei Maria da Penha.
Impugnação do arquivamento de inquéritos policiais
O STJ tem admitido o manejo do mandado de segurança para impugnar a decisão que homologa o arquivamento de investigações nos casos em que há flagrante violação a direito líquido e certo das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Conforme determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos em condenação proferida contra o Estado brasileiro, deve-se assegurar às mulheres em situação de violência o direito de participação em todas as fases da persecução criminal. Cabe ao Estado agir com a devida diligência para promover uma investigação séria, imparcial e efetiva do ocorrido, no âmbito das garantias do devido processo legal.
Por meio dessa tese, o STJ reforça a necessidade da observância do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, em especial quanto à valoração da palavra das mulheres, que assume inquestionável importância nos casos de violência de gênero.
Dispensa do exame de corpo de delito
O exame de corpo de delito é prescindível para a configuração da violação de lesão corporal ocorrido no âmbito doméstico, podendo a materialidade ser comprovada por outros meios, sobretudo pela palavra da ofendida, uma vez que são crimes normalmente cometidos sem a presença de testemunhas.
Violência doméstica e violência contra as mulheres nos casos de lesão corporal
A inclusão da qualificadora de violência doméstica e da agravante de violência contra as mulheres no crime de lesão corporal não representa bis in idem – aplicação de duas penas sobre o mesmo delito. Com essa tese o STJ reforça que, enquanto o parágrafo 9° do art. 129 do CP qualifica a lesão ocorrida no âmbito das relações domésticas, o art. 61, II, f, do CP prevê o agravamento da pena quando a violência é praticada contra a mulher, de modo que a aplicação conjunta da qualificadora e da agravante, quando presentes ambas as circunstâncias, é legítima.
Elevação da pena-base por comportamento exageradamente ciumento
Nos casos em que o delito foi cometido por agressor que, ao longo do relacionamento, tenha demonstrado temperamento e comportamento abusivo, explosivo, controlador e exageradamente ciumento, o STJ tem determinado a elevação da pena-base do crime, por considerar que tal conduta reforça as estruturas de dominação masculina.
Pena de multa isolada nos casos de violência doméstica
A vedação constante do art. 17 da Lei Maria da Penha impede que seja imposta isoladamente a pena de multa ao autor de crimes cometidos em contexto de violência doméstica e familiar. Essa tese considera a intenção do legislador de maximizar a função preventiva das penas decorrentes de crimes cometidos nesse contexto, e evidencia que a prática de crimes contra as mulheres traz consequências que vão além da esfera patrimonial, reforçando que tais crimes não podem ser considerados de menor potencial ofensivo.
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*Com a colaboração de Bruno Sales Ribeiro Matos.