SERES edita padrão decisório para regulamentar a decisão cautelar na ADC nº 81/DF
A medida trata da autorização e aumento de vagas de cursos de medicina protocolados por força de decisões judiciais e era esperada, mas gera polêmicas
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A Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES) do Ministério da Educação (MEC) editou, em 23 de outubro de 2023, a Portaria SERES nº 397/2023 (Portaria) que estabelece o padrão decisório a ser utilizado pelo órgão para decidir todos os processos administrativos que tratam de autorização de novos cursos de medicina e que foram abertos por meio de decisões judiciais na vigência da Lei nº 12.871/2013 (Lei do Mais Médicos). A Portaria também afirma que tais critérios servirão para decidir pedidos de aumento de vagas em cursos existentes, tema este que não é objeto da ADC nº 81/DF e poderá gerar discussões administrativas e judiciais.
A edição de tal norma era esperada, uma vez que a decisão cautelar do Min. Relator da ADC nº 81/DF (Decisão), de 7 de agosto de 2023, limitou-se a afirmar que os processos administrativos abertos a partir de decisões judiciais seguiriam seu curso, porém, apenas poderiam ser deferidos se atendessem “integralmente aos critérios previstos nos parágrafos 1º, 2º e 7º do art. 3º da Lei 12.871/2013”. A questão é que não se sabia como essa compatibilização ocorreria e, considerando que as regras da Portaria tendem a resultar no arquivamento da larga maioria dos processos administrativos que estão em tramitação, pode haver uma incompatibilidade com a própria razão de o Supremo Tribunal Federal (STF) modular os efeitos da Decisão, gerando insegurança jurídica.
A restrição de municípios
No art. 2º, a Portaria estabelece maior restrição à análise dos pedidos pendentes de exame, ao definir que apenas serão processados os pleitos de autorização ou aumento de vagas de cursos localizados em municípios contemplados pelo Edital SERES/MEC nº 1/2023, publicado em 4 de outubro de 2023 (Edital). É importante lembrar, porém, que as ações judiciais e a própria Decisão são bastante anteriores ao Edital, motivo pelo qual, na prática, a Portaria esvazia sobremaneira o propósito da modulação de efeitos da Decisão, abrindo margem para discussões.
A Decisão conversa com a Portaria?
Na parte final, a Decisão reconheceu que a ADC nº 81 “foi deflagrada a partir de cenário de litigiosidade judicial, marcado pelo deferimento de liminares em favor de instituições de ensino superior que determinavam a análise, pelo Ministério da Educação, de pedidos de abertura de cursos de medicina com base na Lei 10.861/2004”. E justamente por isso é que “inúmeras instituições de ensino prosseguiram com processos de implantação de suas unidades educacionais, investindo recursos financeiros e humanos em empreendimentos avalizados pelo Poder Judiciário e pelo Poder Executivo”. Ao fim, concluiu o Relator que tal cenário imporia a necessidade de construir uma “solução para os processos judiciais e administrativos em curso”.
Ao organizar a solução, o Ministro Gilmar Mendes ponderou a relevância econômica e social dos cursos implantados antes da Decisão, para além de destacar que os processos foram analisados pela SERES, que concluiu preencherem os mínimos critérios para operar, a despeito de não serem os mesmos da Lei do Mais Médicos. Adiante, menciona-se expressamente que “essas razões se aplicam aos cursos que estão em fase de análise perante o Ministério da Educação”, os quais “obtiveram do Poder Público decisão favorável, no sentido de que, ao menos a partir de análise documental, constituem projetos minimamente viáveis”.
É importante considerar que a escolha pelo município onde o curso será implementado é feita quando do próprio protocolo. Logo, se a Decisão considerou que tais cursos seriam viáveis em tese, a priori, seria razoável presumir que a modulação teve como objetivo preservar o andamento dos casos para evitar que os mantenedores sofressem prejuízos econômicos por terem confiado na Administração Pública e no Judiciário.
Muito embora realmente a Decisão determine que a SERES analise os processos pendentes levando em consideração o disposto no art. 3º, § 1º, da Lei do Mais Médicos, que prevê que só serão admitidos cursos onde houver necessidade social da oferta, essa referência não deveria ser interpretada fora do contexto da própria modulação, sob pena de esvaziar seu sentido. Admitir que a SERES possa aplicar a decisão à luz de um edital construído e publicado posteriormente à própria decisão pressupõe que o propósito do STF tenha sido conferir ampla discricionariedade ao regulador. Independentemente do desfecho, o fato é que, ao invés de solucionar um impasse, ao menos nesse quesito, a Portaria amplia a insegurança jurídica no setor.
A contratualização e a contrapartida ao SUS
A Portaria também impõe, no art. 3º, a necessidade de que os mantenedores apresentem um Termo de Adesão firmado com o gestor local do Sistema Único de Saúde (SUS), a demonstrar que poderão utilizar a infraestrutura pública para a oferta do curso. Trata-se de uma obrigação adicional, mas que, na prática, já se fazia necessária para cumprir o previsto na Resolução CES/CNE nº 3/2014, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Medicina.
A novidade está no art. 4º, que obriga os mantenedores a pagarem uma contrapartida ao SUS correspondente a 10% do faturamento bruto anual projetado para o curso de medicina ou para as vagas adicionais, conforme o caso. Essa previsão impõe um custo operacional relevante aos novos cursos (ou às vagas adicionais), além de gerar uma dificuldade prática de demonstração do faturamento projetado. Isso porque a norma definiu que deverá ocorrer por meio da apresentação do dado “considerando padrões de mercado e instituições assemelhadas e já em funcionamento no país”, informação que não é pública ou de simples obtenção, mas que deverá ser apresentada em até 45 dias da data que for fixada pela SERES em diligência específica.
A “reserva” de leitos SUS
Uma inovação trazida pela Portaria em face ao previsto na Decisão é o art. 10, que prevê que os municípios selecionados no Edital terão 60 vagas reservadas a si, o que tende a ocupar 300 leitos SUS, de acordo com os critérios definidos pela regra. Nesse cenário, apenas poderão ser autorizados cursos (e vagas) na medida em que houver mais leitos SUS disponíveis, sempre observada a proporção de cinco leitos para cada vaga, o que também pode funcionar como um redutor das vagas pretendidas pelos pedidos já protocolados.
Outras regras
Para além desses elementos, a Portaria não traz inovações significativas, limitando-se a replicar regras já previstas pela legislação educacional (em especial na Portaria Normativa MEC nº 20/2017) e organizar os procedimentos para dar vazão a suas próprias previsões.
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