Relações de consumo e STJ: principais temas julgados no primeiro semestre de 2022
Levantamento do Mattos Filho traz um panorama dos julgamentos mais relevantes do Superior Tribunal de Justiça
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou, no primeiro semestre de 2022, temas de notável relevância ao direito das relações de consumo. Confira os acórdãos de maior destaque:
Responsabilidade do fornecedor por desperdício de tempo do consumidor
A Terceira Turma do STJ julgou, em fevereiro, o Recurso Especial nº 1.929.288/TO e reiterou o posicionamento já adotado pela Corte Superior no sentido de que é devida reparação civil ao consumidor se verificado o desperdício de seu tempo útil em razão de conduta lesiva ou abusiva do fornecedor. Segundo os ministros, havendo necessidade de o consumidor utilizar o tempo de suas atividades existenciais em decorrência de falha injustificada e desarrazoada na prestação dos serviços, haveria o dever do fornecedor em indenizá-lo.
Especificamente em relação aos serviços bancários, é possível que o STJ consolide seu entendimento num futuro próximo, pois está afetada sob o rito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas a seguinte controvérsia: “definir se a demora na prestação de serviços bancários superior ao tempo previsto em legislação específica gera dano moral individual in re ipsa apto a ensejar indenização ao consumidor” (Tema 1156 – REsp nº 1.962.275/GO, afetação em 24 de maio de 2022).
Inaplicabilidade dos limites do crédito consignado para descontos de empréstimo comum em conta
A Segunda Turma do STJ, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.085), em março, fixou tese acerca da inaplicabilidade, por analogia, da limitação de 35% prevista na Lei nº 10.820/2003, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento em contratos de crédito consignado, para os casos de contratos de empréstimo bancário, em que há expressa autorização do mutuário para que o pagamento se dê por meio de descontos mensais em sua conta corrente.
Segundo os ministros, a limitação prevista na Lei 10.820/2003 não seria aplicável aos empréstimos comuns pela própria natureza do negócio, em que haveria a faculdade das partes para decidirem livremente as condições de pagamento. O cenário, pois, seria distinto para os casos de empréstimo consignado, com proteção especial conferida por lei, em que o desconto das parcelas ocorreria diretamente na folha de pagamento do trabalhador, sem possibilidade de negociação ou modificação da forma de pagamento definida no contrato.
Responsabilidade do fornecedor por vício oculto de produto fora do prazo de garantia
Em junho, a Terceira Turma do STJ, ao julgar embargos de declaração no Recurso Especial n. 1.787.287/SP, reiterou seu posicionamento no sentido de ser possível a responsabilização do fornecedor por vícios ocultos contidos em produtos que estão dentro de seu período de vida útil, ainda que após o prazo de garantia estabelecido contratualmente. Segundo o entendimento, o fornecedor “não é eternamente responsável pelos vícios observados nos produtos colocados em circulação, mas a sua responsabilidade deve ser ponderada, de forma casuística, pelo magistrado, a partir do conceito de vida útil do produto“.
A Terceira Turma ressaltou que o entendimento não pode ser aplicado caso o vício tenha se concretizado pelo mau uso do produto pelo consumidor. Contudo, entenderam os ministros que é ônus do fornecedor comprovar que o vício é decorrente de mau uso e, caso não o faça, sua responsabilidade pode permanecer enquanto perdurar a vida útil do bem.
Responsabilidade de site de classificados por vício ou defeito do produto
Também em junho, a Terceira Turma do STJ, ao julgar o Recurso Especial n. 1.836.349/SP, pacificou o entendimento sobre a possibilidade de as empresas que disponibilizam espaço para anúncios virtuais de mercadorias e serviços serem responsabilizadas solidariamente por vício ou defeito de produto ofertado na plataforma. Os ministros entenderam que, diante dos diversos modelos de venda on-line existentes, a responsabilidade das plataformas deve ser aferida em cada caso concreto, analisando-se a efetiva participação e intermediação na triangulação estabelecida entre o anunciante e o adquirente.
Segundo a Terceira Turma, “atuando o provedor de anúncios como uma simples página eletrônica de ´classificados´, como no caso, não há como responsabilizá-lo por eventuais fraudes cometidas nos negócios jurídicos firmados entre os respectivos usuários, mas apenas se for constatada alguma falha na própria plataforma ou outros serviços prestados pelo provedor.”
Por outro lado, na hipótese de a plataforma participar dos negócios como intermediadora ativa das tratativas, poderá ela responder por eventual vício ou defeito do produto ou pelo não cumprimento do acordo firmado entre o anunciante e o adquirente.
Responsabilidade na cadeia de fornecimento de ingressos para shows e eventos
Por fim, ainda em junho, ao julgar o Recurso Especial n. 1.985.198/MG, a Terceira Turma do STJ pacificou seu entendimento em relação à responsabilidade solidária da sociedade empresária que comercializa ingressos on-line, em caso de falha na prestação de serviço.
Entendeu o STJ que “a venda do ingresso ao consumidor final corresponde à fase principal da cadeia produtiva; aquela por meio da qual os serviços anteriormente prestados serão efetivamente remunerados e que determinará o sucesso ou não do negócio”. Segundo os ministros, assim como as demais sociedades empresárias que participaram da organização e administração do evento, a plataforma responsável pela venda on-line dos ingressos, como fornecedora final, abarca a cadeia produtiva e, portanto, possui responsabilidade solidária pelo fato do serviço.
Tratam-se de precedentes de notável relevância e que devem ser considerados como novas tendências de atuação no mercado de consumo, tendo em vista a interpretação conferida ao Código de Defesa do Consumidor pelo STJ no caso concreto.
Para saber mais sobre outros julgados relevantes relacionados ao direito das relações de consumo, conheça a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.