MME estabelece normas e procedimentos para geração de energia elétrica offshore
Regras são determinadas após breve período de consulta pública
Apenas nove dias após o encerramento do período de contribuições à Consulta Pública n° 134/2022 o Ministério de Minas e Energia (MME) surpreendeu o mercado de energia, no dia 20 de outubro de 2022, com a publicação da Portaria Normativa n° 52, que estabelece as normas e procedimentos relativos à cessão de uso onerosa para exploração de central geradora de energia elétrica offshore. A geração ocorrerá no regime de produção independente de energia ou de autoprodução de energia e com base nas diretrizes do Decreto nº 10.946, de 25 de janeiro de 2022. Em janeiro, conteúdo publicado no Único, pela prática de Infraestrutura e Energia, detalhou os pontos do decreto.
Resumidamente, a Portaria disciplina uma série de temas relacionados à geração de energia offshore, como os tipos de cessão necessários para uso das áreas offshore, procedimentos para licitação e contratação do uso das áreas e competências da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
A Portaria define dois possíveis tipos de cessão de áreas: a planejada e a independente. Na cessão planejada, o MME determinará os prismas a serem contratados, os quais estarão sujeitos a processo licitatório específico, após prévia identificação pela EPE. Nesse processo de identificação, a EPE deverá avaliar possíveis interferências dos prismas e outras atividades ou instalações – e, para tanto, deverá solicitar as respectivas Declarações de Interferência Prévia (DIP) aos órgãos competentes, como Ibama, ANP e Comando da Marinha.
Já na cessão independente, as áreas a serem cedidas deverão ser previamente requeridas pelas empresas interessadas. Para fazerem tal requerimento, as empresas devem solicitar previamente à Aneel a confirmação da disponibilidade do prisma. Caso a Aneel confirme tal disponibilidade, os interessados terão até 90 dias para fazer o requerimento formal de seu uso. Também após a manifestação positiva da agência, a empresa interessada será responsável por obter as DIP necessárias. Após a obtenção das DIP com manifestação positiva dos órgãos e entidades aplicáveis, a cessão somente ocorrerá após prévio procedimento licitatório. A Portaria não define a modalidade de licitação a que as áreas serão submetidas.
Independentemente da modalidade de cessão (planejada ou independente), as DIP deverão indicar a existência ou inexistência de interferências impeditivas a outras atividades ou instalações. Por exemplo, não poderão ser cedidos prismas em que haja sobreposição com áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural.
Após a licitação dos prismas (que deverão ter DIP confirmando sua não interferência), a empresa vencedora celebrará Contrato de Cessão de Uso com a União. Por meio desse contrato, a cessionária terá direito a usar a área offshore mediante o pagamento de contrapartida financeira anual à União. O prazo do contrato dependerá se a cessionária obtiver ou não outorga de geração. Caso obtenha, o contrato e a outorga vigorarão pelo mesmo período; caso não obtenha, o contrato permanecerá vigente por apenas dez anos.
Comparativamente à minuta de portaria submetida à Consulta Pública, a Portaria trouxe as seguintes alterações e adições:
Metodologia de cálculo do valor devido à União
A minuta submetida à Consulta Pública estabelecia que o valor seria definido a partir de estudos realizados pela EPE, e observando, entre outros fatores, a estimativa da geração de energia elétrica na área reservada para uso do bem público. Por sua vez, a atual Portaria esclarece que a EPE poderá ser ouvida para definição do valor, sem fazer referência à obrigatoriedade de observância dos seus estudos. Adicionalmente, não haverá mais necessidade de observar estimativa de geração (artigo 6º).
Histórico do empreendedor em projetos de geração offshore
A Portaria especificou que será considerado o histórico de atuação do empreendedor em áreas cedidas no âmbito de outros projetos offshore para:
- Avaliar o limite máximo de área a ser cedida em um mesmo contrato de cessão de uso (artigo11, I);
- Para fins de credenciais técnicas, operacionais, econômico-financeiras e jurídicas, no âmbito do procedimento licitatório para cessão de uso independente e planejada (artigo 26, parágrafo 1º). Este novo requisito poderá ser relevante para novos empreendedores que ainda irão iniciar sua atuação nos projetos em questão.
Participação em chamada pública
Na cessão planejada, a EPE poderá realizar chamada pública para identificar interessados em investir na realização de estudos para identificação de prismas a serem cedidos. Nesse sentido, a Portaria esclareceu que a participação nesta chamada pública não impede ou restringe a participação do empreendedor na licitação dos prismas ofertados (artigo 13, parágrafo 5º).
Confira abaixo o material que preparamos sobre os temas da Portaria.
Detalhamento da Portaria Normativa MME Nº 52
Competências da Aneel
A Portaria detalha as competências da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para regulamentação do tema, conforme determinado pelo decreto. São elas:
- Firmar e disponibilizar em seu sítio eletrônico os contratos de cessão de uso, que são os contratos administrativos celebrados entre União e o interessado no uso da área offshore;
- Promover licitações públicas nos processos de cessão independente e planejada (explicadas abaixo);
- Realizar a análise e condução das solicitações apresentadas em procedimento de cessão de uso independente;
- Definir a forma de apuração, de pagamento e as sanções por inadimplemento ou mora e descontos devidos à União pelo agente, que deverão constar no contrato de cessão de uso;
- No âmbito do processo de cessão independente, avaliar a sobreposição entre a área de interesse e prismas que já tenham sido cedidos ou que estejam em processo de cessão (artigo 17, parágrafo 3º).
A Aneel deverá priorizar a gestão de áreas offshore por meio de Portal Único (regulado pela Portaria Interministerial MME/MMA n° 03/2022), no qual os interessados apresentam documentos e acompanham a tramitação dos atos.
Cessão planejada
A Portaria define duas modalidades de cessão: a cessão planejada e a cessão independente. A cessão planejada consiste na oferta de prismas previamente determinados pelo MME a empreendedores interessados, por meio de processo licitatório específico, em conformidade com planejamento espacial da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM).
A identificação de prismas será realizada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), seja por iniciativa própria ou a pedido do MME. Tal identificação será feita a partir da análise de viabilidade de determinados critérios. São eles:
- Disponibilidade da área, considerando a proximidade com outros empreendimentos e cessões de uso a outras atividades que tenham sido emitidas;
- Uso dos recursos naturais disponíveis para geração de energia elétrica;
- Disponibilidade de conexão e capacidade de escoamento da rede futura planejada nos estudos de planejamento da expansão da transmissão adequada emitidos e aprovados pelo MME e referenciados em parecer técnico da EPE, quando aplicável;
- Competitividade do potencial de geração em relação às outras fontes de energia, contribuição eletroenergética e econômica do aproveitamento para o Sistema Interligado Nacional (SIN);
- Requisitos técnicos mínimos para geração elétrica offshore, considerando as tecnologias comerciais disponíveis;
- Distância da costa compatível com análise que relacione as limitações de impacto visual, social e ambiental com o custo de implantação;
- Estrutura portuária próxima adequada existente ou prevista;
- Manutenção das atividades humanas no meio marítimo e a preservação da natureza.
Para identificar possível interferência do prisma a ser licitado com outras instalações ou atividades, a EPE deverá, antes de apresentar os prismas ao MME, solicitar as respectivas Declarações de Interferência Prévia (DIP) de cada um. Tal solicitação estará condicionada à confirmação, por parte da Aneel, da disponibilidade da área. Conforme o caso, cada DIP deverá ser emitida pelos órgãos definidos no decreto, como, por exemplo, Ibama, ANP e Comando da Marinha. Após a emissão das DIPs, a EPE deverá encaminhar o relatório com os resultados da avaliação para o MME no prazo máximo de 60 dias, após o recebimento de cada DIP.
A EPE poderá realizar chamada pública para identificar interessados em investir na realização dos estudos para a identificação de prismas. As empresas que realizarem esses estudos também poderão participar do processo licitatório de cessão planejada.
Cessão independente
Diferentemente da cessão planejada, as áreas a serem cedidas por meio de cessão independente deverão ser previamente requeridas pelos interessados e posteriormente submetidas à licitação. Ou seja, a principal diferença entre a cessão planejada e a cessão independente é a iniciativa para o início do procedimento para sua contratação.
Agentes interessados na cessão de uso independente deverão apresentar seus requerimentos à Aneel por meio do Portal Único, em até 90 dias contados da manifestação positiva quanto à disponibilidade do prisma pela Aneel. O requerimento deverá conter as seguintes informações:
- A finalidade da cessão de uso;
- Os limites e coordenadas georreferenciadas do prisma pretendido;
- Os estudos que determinaram a escolha da área, contemplando: requisitos técnicos mínimos para a geração de energia elétrica offshore, distância da costa e as limitações de impacto visual, social e ambiental com o custo de implantação, existência ou planejamento da estrutura portuária e das embarcações, manutenção das atividades humanas no meio marítimo e a preservação da natureza, estimativa das emissões de gases de efeito estufa durante o projeto e existência de unidades de conservação de fauna e flora na área de influência direta e indireta;
- Estimativa do potencial energético;
- A disponibilidade de conexão e a capacidade de escoamento da rede futura de transmissão;
- As credenciais técnicas, econômicas e financeiras para comprovação da capacidade de desenvolvimento do projeto do agente interessado;
- Outras informações que o interessado julgar relevante;
- Aporte de garantia em valor definido pela Aneel, que não será executada caso o agente interessado não seja o vencedor do respectivo processo licitatório.
Neste procedimento, com o objetivo de identificar interferência do prisma a ser licitado com outras instalações ou atividades, o interessado será o responsável por obter a DIP, após manifestação positiva da Aneel quanto à disponibilidade da área a ser cedida.
A manifestação positiva é condição necessária para início do processo de cessão independente.
Declarações de Interferência Prévia
A solicitação de emissão da DIP, tanto no âmbito da cessão independente quanto planejada, deverá incluir:
- A finalidade da cessão de uso;
- Os limites e coordenadas georreferenciadas do prisma, com referencial geodésico; do espaço do leito aquático e o espaço subaquático ou de servidões que o cessionário pretende utilizar para a passagem de dutos ou de cabos; das áreas da União necessárias e suficientes ao seguimento do duto ou cabo até o destino e dos pontos de entrada conexão das linhas de transmissão de interesse restrito na costa;
- Descrição resumida das características do empreendimento pretendido;
- Indicação da área de isolamento do prisma e das estruturas previstas para segurança da navegação;
- Manifestação positiva da Aneel quanto à disponibilidade da área.
As DIP indicarão inexistência de interferência; interferências não impeditivas, condicionadas a estudos complementares ou interferências impeditivas, que deverão ser devidamente fundamentadas.
Não poderão ser cedidos os prismas nos quais sejam identificadas sobreposições com áreas sob contrato para exploração e produção de petróleo e gás natural; áreas arrematadas em licitações cujos contratos para exploração e produção de petróleo e gás natural ainda não tenham sido assinados e áreas do Pré-Sal e áreas estratégicas.
Licitação para cessão de uso
Poderão ser licitados apenas os prismas que obtiverem DIP com manifestação positiva à instalação do empreendimento. A Portaria não define a modalidade de licitação a que as áreas serão submetidas.
No caso de prismas que tenham sido previamente objeto de cessão independente, o MME irá analisá-los para eventualmente inclui-los nos procedimentos licitatórios de cessão de uso periódicos. Para tanto, o MME deverá avaliar:
- Planejamento da expansão da geração da energia elétrica;
- Potencial energético offshore;
- Disponibilidade de conexão e a capacidade de escoamento da rede futura planejada nos estudos de planejamento da expansão da transmissão;
- Existência ou planejamento da estrutura portuária e das embarcações.
O critério de julgamento da licitação será o maior retorno econômico pela cessão do prisma. As demais diretrizes para a realização do procedimento licitatório para a cessão de uso serão objeto de portaria específica do MME. As credenciais e qualificação para participação nesses certames serão definidas pela Aneel, podendo incluir a comprovação de experiência relevante em projetos de geração de energia offshore e a capacidade econômica para desenvolver e operar o futuro projeto.
Contrato de Cessão de Uso
Após a cessão independente ou planejada, o interessado no uso da área offshore deverá celebrar Contrato de Cessão de Uso com a União. Assinado o contrato, o interessado poderá solicitar as licenças e autorizações necessárias à implantação do empreendimento.
Por meio desse contrato, o cessionário (empresa que irá utilizar a área offshore) deverá realizar pagamentos anuais à União em contrapartida ao uso da área.
A minuta deste contrato deverá fazer parte do edital da licitação a ser realizada pela Aneel. Os contratos de cessão de uso deverão, obrigatoriamente, prever:
- Foro da Justiça Federal para solução de disputas;
- O valor anual devido à União, bem como suas formas de correção e pagamento;
- Prazo e condições de carência, caso aplicável, para início dos pagamentos devidos à União, que não poderá ser superior a quatro anos;
- Que o contrato será rescindido em caso de inadimplemento dos valores devidos por prazo superior a 90 dias;
- Acréscimos de multa e mora para as parcelas não pagas até a data do vencimento;
- Acréscimos ao valor anual devido à União quando aprovada a prorrogação da vigência do contrato de cessão de uso, em caso de não obtenção da outorga;
- Possibilidade de redução do valor anual devido à União quando constatada a antecipação de cronograma e adimplência com as obrigações contratuais;
- Elaboração de estudos de potencial energético offshore, após a licitação, sob conta e risco do empreendedor.
O prazo de vigência do contrato dependerá da obtenção, ou não, da outorga de geração de energia pelo cessionário. Caso a outorga não seja obtida, o contrato terá vigência de até dez anos. Caso a outorga seja obtida, o contrato permanecerá vigente pelo mesmo prazo da outorga, estendido automaticamente, respeitando o prazo estabelecido na outorga do empreendimento, considerando, inclusive, o descomissionamento e as eventuais prorrogações.
A celebração do contrato de cessão, contudo, não obrigará o MME e a Aneel a realizar leilões de energia ou reserva de capacidade específicos para atendimento dos parques eólicos offshore. Além disso, MME e Aneel não estarão obrigados a realizar Leilões de Transmissão para escoamento específico da energia elétrica produzida pelos parques eólicos offshore.
Estudos de potencial energético offshore
A EPE será responsável por receber, analisar e emitir pareceres sobre os estudos de potencial energético offshore para uso das áreas. Em caso de cessão planejada, estes estudos poderão ser realizados:
- Antes do procedimento licitatório, sob responsabilidade da EPE ou outras autoridades conforme indicadas;
- Após o procedimento licitatório, sob responsabilidade e risco do empreendedor interessado.
Em caso de cessão independente, os estudos serão realizados a partir da celebração do contrato cessão de uso (artigo 9º, II da Portaria e artigo 18, caput do decreto).
Os estudos deverão conter os seguintes aspectos em relação à avaliação dos prismas:
- Recurso natural disponível;
- Tecnologias de geração comerciais disponíveis à época de elaboração;
- Unidades de conservação e as limitações de uso e aproveitamento dos recursos naturais com base nos aspectos de preservação ambiental e nas Políticas Públicas de Conservação da Biodiversidade;
- Compatibilidade e integração com os usos de navegação, pesca e turismo na área;
- Disponibilidade de conexão e capacidade de escoamento da rede futura já planejada;
- Existência ou planejamento de portos e embarcações adequadas que atendam à demanda de construção, operação e manutenção ou ampliações necessárias de atendimento da demanda;
- Manutenção da segurança náutica e aeronáutica da área;
- Utilização de dados confiáveis de medição do recurso natural e das condições locais.
Os cessionários deverão apresentar os estudos à EPE para emissão de parecer específico da EPE, por meio do Portal Único, que poderá notificar o agente para que promova os atos necessários à sua regularização, caso estejam incompletos ou insuficientes.
A solicitação da outorga do empreendimento fica condicionada à apresentação pelo agente interessado à Aneel do parecer da EPE relativo aos estudos do potencial energético offshore.
Adicionalmente, os contratos de cessão de uso deverão prever cláusula de obrigatoriedade de realização dos estudos de potencial energético offshore, na qual constará prazo para elaboração dos estudos; conteúdo; forma de obtenção e apresentação de dados e resultados.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Infraestrutura e Energia do Mattos Filho.