Litigância climática: veja a retrospectiva de 2021
Confira os principais acontecimentos sobre os litígios climáticos globais
O crescimento do ajuizamento de litígios climáticos foi um dos principais destaques de 2021 em relação às mudanças do clima. Em síntese, esse instrumento jurídico consiste em ações judiciais ou administrativas, direta ou indiretamente relacionadas às mudanças climáticas, sendo mais frequente nos Estados Unidos apesar de, ao longo dos últimos anos, ter se expandido em diversos países. A maioria dessas ações possui como objetivo principal responsabilizar governos e empresas pelas mudanças do clima ou obrigar esses agentes a proteger os direitos ameaçados pela crise climática.
O estudo Global trends in climate litigation: 2021 snapshot, publicado em maio de 2021 pelo Grantham Research Institute on Climate Change and Environment, apontou que o número de litígios climáticos pelo mundo mais que dobrou em relação aos números de 2015.
Segundo o Grantham Institute, a maioria dessas ações foi ajuizada contra governos por Organizações Não Governamentais (ONGs), corporações e indivíduos e ainda está concentrada no norte global, apesar de os litígios no sul global estarem crescendo significativamente.
O relatório dá especial destaque ao aumento da mobilização, no âmbito dos litígios climáticos, de argumentos de violação de direitos humanos e direitos constitucionalmente garantidos. Entre 2020 e maio de 2021, foram identificados 112 litígios baseados em direitos humanos, a maioria contra governos, dos quais apenas 22% foram julgados a favor do requerente até o momento.
Litigância Estrangeira
Caso Shell
O principal destaque da litigância climática estrangeira foi o caso Royal Dutch Shell vs. Milieudefensie et al., no qual o Tribunal Distrital de Haia, na Holanda, decidiu que o Grupo Shell deveria reduzir suas emissões líquidas de carbono, uma vez que as políticas propostas pela empresa não seriam suficientes para prevenir consequências mais sérias das mudanças climáticas e seus efeitos deletérios para a sociedade.
O tribunal holandês decidiu que a Royal Dutch Shell deve reduzir suas emissões (escopos 1, 2 e 3) de gás carbônico em 45% até 2030 em relação aos níveis de 2019. A decisão tem capítulo específico que trata das mudanças climáticas, fazendo uma revisão histórica do uso do CO2 pela sociedade e dos riscos aos quais o planeta está sujeito atualmente em decorrência do aquecimento global. Em julho de 2021, a Shell apresentou recurso em face da decisão, que ainda está pendente de julgamento.
Setor de óleo e gás
O setor de óleo e gás teve posições de destaque em litígios climáticos durante todo o ano de 2021. Além do caso Shell, cabe relembrar a ação ajuizada pelo Greenpeace e pelo Young Friends of the Earth, por meio da qual requerem a anulação de licenças para exploração de petróleo no mar de Barents, no extremo norte da Noruega. Após a rejeição do caso pela Suprema Corte norueguesa em 22 de dezembro de 2020, os peticionantes recorreram, em junho de 2021, à Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH). Segundo os litigantes, o aumento de extração de petróleo em uma região ecologicamente sensível viola a constituição norueguesa, os direitos humanos e os compromissos assumidos pela Noruega perante o Acordo de Paris.
Mobilização de acionistas
Os litígios climáticos, mesmo quando não são bem-sucedidos nas cortes, podem levar à pressão da sociedade e de acionistas para que empresas se alinhem aos compromissos internacionais de combate à crise climática.
Em maio de 2021, os acionistas da Exxon Mobil elegeram a firma de investimento Engine N° 1 para dois assentos no conselho diretor da Exxon, com a expectativa de que isso resultasse em um maior alinhamento da companhia aos compromissos climáticos e à adoção de uma agenda mais sustentável nos próximos anos. De acordo com o Sabin Center for Climate Change Law, da Columbia Law School, há ao menos 19 litígios climáticos envolvendo a Exxon apenas nos Estados Unidos.
Além disso, em agosto de 2021, dois acionistas do Commonwealth Bank ajuizaram ação contra o banco, um dos maiores da Oceania, requerendo acesso à documentação que subsidiou a decisão de financiamento de sete projetos de petróleo e gás natural. O objetivo dos autores é verificar se as decisões do banco estão alinhadas com suas políticas socioambientais e compromissos assumidos em conformidade com o Acordo de Paris.
Litigância Nacional
Poder Público como foco das ações
A litigância climática ganhou especial destaque no Brasil entre 2020 e 2021, contabilizando, atualmente, segundo o Sabin Center for Climate Change Law, 17 processos. A maioria dessas ações foi ajuizada por organizações do terceiro setor e colocam no polo passivo o poder público.
Em abril de 2021, foi ajuizada a ação popular nº 5008035-37.2021.4.03.6100 com o objetivo de discutir a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira apresentada em 2020, no âmbito do Acordo de Paris. Os litigantes argumentam que houve redução de ambição climática do Brasil, o que é desencorajado pelo Acordo de Paris ao fomentar a apresentação de metas progressivas e ambiciosas, já que a última NDC apresentada pelo Brasil não aumentaria o compromisso nacional inicialmente apresentado, tendo ocorrido a chamada “pedalada climática”.
Em novembro de 2021, o Observatório do Clima ajuizou a ação civil pública nº 1027282-96.2021.4.01.3200 contra a União e o Ministério do Meio Ambiente requerendo a atualização do Plano Nacional de Mudança do Clima, levando em consideração o recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e a consequente urgência na redução de emissões de gases do efeito estufa.
Foi também no final de 2021 que as organizações Fridays for Future e Família pelo Clima ajuizaram a ação popular nº 1068508-84.2021.8.26.0053 contra o Estado de São Paulo, o governador João Doria, e o Secretário da Fazenda e Planejamento Henrique Meirelles, por suposto descumprimento da Política Estadual de Mudanças Climáticas de São Paulo.
Valoração de Danos Climáticos
Apesar de minoria, já são observados litígios ajuizados contra pessoas físicas ou jurídicas, como é o caso da ação civil pública nº 1005885-78.2021.4.01.3200 ajuizada pelo Ministério Público Federal contra um fazendeiro que teria causado o desmatamento ilegal de mais de dois mil hectares na Amazônia entre os anos de 2011 e 2018. Embora não tenha a questão climática como principal foco, a ação estima que o réu foi responsável pela emissão de 1.492.655,97 toneladas de gás carbônico nos períodos de 2011 a 2018, o que se traduziu no pedido de compensação de danos materiais intermediários e residuais climáticos estimados em R$44.779.679,32.
Licenciamento Ambiental
Em 2021, foi proferida decisão no Brasil que integrou aspectos climáticos aos processos de licenciamento ambiental. Em liminar deferida em agosto de 2021 nos autos da ação civil pública nº 5030786-95.2021.4.04.7100, foi entendido que os termos de referência que tratam dos processos de licenciamento ambiental de usinas termelétricas no Estado do Rio Grande do Sul devem considerar aspectos climáticos com base nas diretrizes estabelecidas na Política Nacional sobre Mudança do Clima e na Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas.
Setor de óleo e gás
A exploração de petróleo também foi um dos pontos de destaque na litigância brasileira em 2021. Em outubro, pelo menos quatro ações foram ajuizadas com o propósito de impedir a 17ª rodada de licitações de blocos realizada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), que pretendia licitar blocos na região do arquipélago de Fernando de Noronha e do Atol das Rocas. Apesar de todas as ações terem falhado no judiciário, apenas cinco dos 92 blocos então previstos foram leiloados.
Expectativas para 2022
Ainda que não seja possível afirmar categoricamente como será o cenário de litigância para este ano, avaliando-se a evolução da litigância climática brasileira e internacional, é possível extrair algumas tendências sobre o assunto. Primeiramente, é esperado um aumento do número de litígios contra o setor privado objetivando a diminuição de emissões de gases do efeito estufa devido à repercussão do Caso Shell.
Também, se espera um crescimento da mobilização de argumentos de proteção de direitos humanos e direitos constitucionais, principalmente devido ao reconhecimento pelas Organização das Nações Unidas no ano de 2021 de que o direito ao meio ambiente é um direito humano, por meio de declaração do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Ainda, observa-se uma tendência, no âmbito do setor privado, de aumento da pressão de acionistas e investidores para que empresas adotem ou implementem metas e condutas em conformidade com o Acordo de Paris.
Por último, é possível que haja um crescimento dos litígios climáticos no Brasil, simultaneamente com os litígios no sul global, principalmente por meio da mobilização de direitos constitucionalmente protegidos.
Tendo em vista que o tema de litigância é central na discussão das mudanças climáticas, importante acompanhar a evolução concreta dos processos não só em âmbito nacional, como também em âmbito internacional.
Para mais informações sobre litigância climática, conheça a prática de Direito ambiental e Mudanças climáticas do Mattos Filho.
*Com a colaboração de Anna Gandolfi, Maria Eduarda Garambone, Mariana Diel, Danielly Carneiro, Bernardo Andreiuolo e Gabriel Pereira Bispo de Oliveira.