O julgamento das ADIs 5.492 e 5.737 pelo Supremo Tribunal Federal
Plenário julgou questionamentos sobre a constitucionalidade de dispositivos do CPC/2015, ajuizados pelos governos do Rio de Janeiro e Distrito Federal
Assuntos
O julgamento conjunto das ADIs 5.492 e 5.737, que questionavam dispositivos da Lei nº 13.105/2015 (CPC/2015), foi encerrado no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 24 de abril de 2023.
A ADI 5.492, ajuizada em 18 de março 2016, pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, pleiteava a declaração de inconstitucionalidade dos seguintes artigos da lei: artigo 15, que dispõe sobre a aplicação do CPC/15 aos processos administrativos estaduais; artigo 46, parágrafo 5º, que prevê o foro de domicílio do réu na execução fiscal; artigo 52, parágrafo único, que trata da opção de foro de domicílio quando o réu for o Estado; artigo 242, parágrafo 3º, que dispõe sobre a atribuição para receber citação da Administração Federal; artigo 9º, parágrafo único, inc. II, e artigo 311, parágrafo único, que tratam da concessão de tutela de evidência fundada em precedente vinculante); artigo 535, parágrafo 3º, inc. II, e artigo 840, inc. I, que dispõem sobre a definição da instituição financeira responsável pelo recebimento e administração dos depósitos judiciais; artigo 985, parágrafo 2º e artigo 1.040, inc. IV, que vinculam a Administração Pública à efetiva aplicação de tese firmada em julgamento de casos repetitivos; e artigo 1.035, parágrafo 3º, inc. III, que trata da repercussão geral presumida quando declarada inconstitucional lei federal.
Já a ADI 5.737, ajuizada em 23 de julho de 2017 pelo Governador do Distrito Federal, buscava a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 46, parágrafo 5º, 52, capítulo e parágrafo único e 75, parágrafo 4º, do CPC/2015, os quais tratam da possibilidade das procuradorias dos Estados e do DF firmarem convênio para a prática de ato processual em favor um do outro.
Ambas as ações foram relatadas pelo Ministro Dias Toffoli, mas o voto majoritário foi proferido pelo Ministro Luís Roberto Barroso, que, como relator para o acórdão, foi acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber, Carmen Lúcia, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.
Na sessão, o plenário do Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedentes os pedidos das ADIs para:
- Por unanimidade, reconhecer a inconstitucionalidade de expressões contidas nos artigos 535, parágrafo 3º, incs. II, e 840, inc. I, do CPC/15;
- Por unanimidade, declarar constitucionais a expressão “administrativos” constante do artigo 15 do CPC/2015, a expressão “dos estados, do Distrito Federal e dos municípios” constante do artigo 242, parágrafo 3º, a referência ao inc. II do artigo 311 constante do artigo 9º, parágrafo único, inc. II, e do artigo 311, parágrafo único, do CPC/2015, o artigo 985, parágrafo 2º, e o artigo 1.040, inc. IV, do CPC/2015, e o artigo 75, parágrafo 4º, do CPC/2015 (impugnado somente pela ADI 5.737);
- Por maioria, reconhecer a inconstitucionalidade de interpretações dos artigos 52, parágrafo único, e 46, parágrafo 5º, do CPC/2015 e dar-lhes interpretação conforme a Constituição.
Quanto aos dispositivos do CPC/2015 tidos por inconstitucionais e, especificamente, sobre o primeiro tópico, o voto condutor do Ministro Relator foi no sentido de “declarar a inconstitucionalidade da expressão ‘de banco oficial’, constante do artigo 535, parágrafo 3º, inc. II, do CPC/2015 e conferir interpretação conforme ao dispositivo para que se entenda que a ‘agência’ nele referida pode ser de instituição financeira pública ou privada; […] e declarar a inconstitucionalidade da expressão ‘na falta desses estabelecimentos’ do artigo 840, inc. I, da CPC/2015”.
Para o Ministro Relator, os tribunais de origem poderão contratar banco oficial ou, se preferirem, banco privado para depósitos judiciais. Os fatores que poderão ser considerados pelos tribunais para a escolha da instituição privada são, por exemplo, a quantidade e a distribuição de agências dentro do Estado, a rentabilidade dos depósitos, dentre outros. Caso escolham por banco privado, a decisão deverá se basear nas circunstâncias específicas do caso, nos requisitos legais e princípios constitucionais aplicáveis e nas normas do processo de licitação, para garantir a seleção da proposta mais adequada à administração dos recursos em questão.
Inconstitucionalidade de interpretações dos artigos 52, parágrafo único, e 46, parágrafo 5º
Acerca do terceiro tópico, houve reconhecimento, por maioria, da inconstitucionalidade de interpretações dos artigos 52, parágrafo único, e 46, parágrafo 5º, do CPC/15, e lhes foi conferida interpretação conforme a Constituição, o que acarreta consequências práticas sobre as regras de competência para os casos em que se litiga em face do Estado, assim como para os casos em que o Estado ajuíza execução fiscal.
Segundo o Ministro Luís Roberto Barroso, a literalidade dos artigos 52 e 46, do CPC/15, traz problemas federativos, já que permite que questões como a validade de atos normativos estaduais ou distritais, o provimento de cargos por concurso público e as relações dos entes subnacionais com seus servidores, ativos ou inativos, entre outras pretensões ligadas a fatos locais, sejam decididas por magistrados vinculados a outra unidade federativa. Prejudica, também, o avanço dos precedentes e dificulta a formação de soluções uniformes para questões locais por meio de incidente de resolução de demanda repetitiva (IRDR). Além disso, traz problemas severos à gestão dos precatórios e das requisições de pequeno valor.
Em relação à hipótese em que se litiga em face do Estado, o voto majoritário, proferido pelo Ministro Luís Roberto Barroso, apresentou a seguinte tese: “[é] inconstitucional a regra de competência que permita que os entes subnacionais sejam demandados perante qualquer comarca do país, devendo a fixação do foro restringir-se aos seus respectivos limites territoriais”.
A esse respeito, o Ministro explicou que, nas ações em que os estados ou o Distrito Federal for réu (artigo 52, capítulo e parágrafo único), a interpretação constitucional do aludido artigo deve “restringir a competência do foro de domicílio do autor às comarcas inseridas nos limites territoriais do Estado-membro ou do Distrito Federal que figure como réu”. A tese, porém, é mais ampla que as hipóteses contidas nesse trecho do voto.
Embora não mencione expressamente os municípios, a amplitude do termo “ente subnacional”, contido na tese, abrange tanto os estados e o Distrito Federal, quanto os municípios, o que permite concluir que, ao se litigar em face de municípios – que também são entes subnacionais -, a ação deverá ser proposta em foro inserido nos limites territoriais do correlato município.
Já em relação à supramencionada hipótese em que o estado ajuíza execuções fiscais, prevaleceu o entendimento de que a interpretação do artigo 46, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil (CPC) deveria ser restringida “aos limites do território de cada ente subnacional ou ao local de ocorrência do fato gerador”.
Isso porque a interpretação abrangente desse artigo “dificulta a recuperação de ativos em um procedimento que já apresenta baixo índice de eficiência. Não se pode esquecer, nesse contexto, que o exercício concreto e efetivo da competência tributária e a exigência dos valores devidos têm importante função socioeconômica para as finanças dos entes subnacionais, aspecto que também integra a autonomia federativa (CF/1988, artigo 18)”.
Nesse sentido, entendeu-se que a restrição da intepretação atualmente dada ao artigo 46, parágrafo 5º, do CPC sanaria a preocupação com a dificuldade na recuperação de créditos dos entes subnacionais.
Os acórdãos das ADIs ainda poderão ser desafiados por recurso para o próprio plenário do Supremo Tribunal Federal.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Contencioso do Mattos Filho.
*Com a colaboração de Fernanda Passos Oppermann Iizuka