Possíveis impactos se STF reconhecer a contratação de PJs médicas por hospitais
Julgamento da 1ª Turma argumenta pela hipersuficiência da classe
Assuntos
É antiga a discussão a respeito da validade da contratação de prestadores de serviços via pessoas jurídicas (PJs”, popularmente denominada como pejotização, que causa diversas discussões nas searas trabalhista, previdenciária e fiscal, em especial na área da saúde. Autoridades fiscalizadoras contestam a validade da PJ, por presumir que serviriam ao propósito coletivo de mascarar a relação de emprego.
Nem mesmo com o advento de legislação que reconhece a validade dessa forma de organização (art. 129, da Lei 11.196/2005) a disputa se acalmou. Pelo contrário, houve até acirramento da atividade de fiscais, do trabalho e da Receita Federal, contra os tomadores de serviços das PJ e seus sócios/quotistas. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional o dispositivo de lei acima citado na ADC 66, o que já foi um avanço na matéria.
A controvérsia relativa à licitude do modelo de contratação ganha novo capítulo em favor dos contribuintes, o que pode gerar possível redução dos riscos quanto aos encargos previdenciários e trabalhistas. Isso porque, em 08 de fevereiro de 2022, a 1ª Turma do STF deu provimento ao recurso de entidade administradora de hospitais contra decisão de Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT5), que havia vedado a possibilidade de contratação de pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos (PJs médicas).
A decisão do TRT5, proferida em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), acatou os fundamentos da sentença de primeiro grau, a qual reconheceu a existência de uma relação empregatícia entre os médicos e a entidade administradora de hospitais em razão, principalmente, da fixação de escalas de plantão pelos prepostos da administradora e pela impossibilidade de os médicos se fazerem substituir em caso de impossibilidade de comparecimento.
A entidade interpôs recurso ao STF solicitando que a Corte reconhecesse que a decisão do TRT5 teria violado as orientações do próprio Supremo definidas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e no Tema 725 de repercussão geral, que reconheceram a licitude e constitucionalidade da terceirização de atividades-meio e atividades-fim, além de destacar a deficiente produção de provas pelo MPT e a ausência de interesse dos médicos pela contratação na modalidade de empregados.
De acordo com o voto do ministro Alexandre de Moraes, a decisão do TRT5 teria descumpriu as orientações dos precedentes acima, concluindo que a pejotização seria forma lícita de terceirização de atividades da empresa, os médicos são trabalhadores hiperssuficientes, não se presumindo, portanto, que a forma de contratação teria como objetivo direto suprimir direitos trabalhistas e, também, que apenas em casos de comprovada existência de todos os elementos da relação de emprego é que seria possível desconsiderar a forma de contratação das PJs.
Importância da decisão
A decisão tem grande relevância pois, apesar de observarmos nos últimos anos reiteradas decisões do STF reconhecendo a regularidade dessas contratações, o mercado tem visto uma crescente fiscalização de autoridades administrativas trabalhistas e tributárias em sentido contrário. O setor de saúde no país é o típico exemplo de concentração de investimentos, onde as empresas investidas se organizaram ao longo dos tempos mediante contratação de PJs, como a do caso em análise.
Nas ações individuais, a Justiça do Trabalho tem analisado a contratação de médicos, por meio de pessoas jurídicas, em precedentes apontando a prática como ilícita – e não mais diante da questionada terceirização, caso comprovados os elementos caracterizadores da relação de emprego, com base na impossibilidade de os médicos se fazerem substituir em plantões pré-agendados em escalas de trabalho, e sujeição do profissional à supervisão de prepostos dos hospitais ou de suas administradoras.
Essa questão também está na mira da Receita Federal do Brasil (RFB), que há alguns anos tem colocado o tema como prioritário no plano de fiscalização anual. O objetivo da RFB, nesses casos, é duplo: autuar as empresas contratantes para exigir contribuições previdenciárias e de terceiros sobre a remuneração paga às PJs, com seus sócios (re)caracterizados pelo Fisco como empregados, além de multas agravadas e isoladas, e autuar as pessoas físicas sócias das PJs para exigir o Imposto de Renda da Pessoa Física sobre os “rendimentos do trabalho” pagos pela empresa contratante.
Assim como na esfera trabalhista, o ponto central dessa discussão é a comprovação dos elementos da relação de emprego. Se ficar comprovado que o serviço prestado pelo sócio da PJ foi feito mediante pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação hierárquico-jurídica, em fraude na contratação, o STF e os demais tribunais reconhecem a possibilidade de desconsiderar a aparente relação entre a PJ prestadora de serviços e a PJ contratante desses serviços.
No entanto, o que se observa das investidas das autoridades fiscais é, muitas vezes, a simples presunção da alegada impossibilidade de se contratar determinados serviços por meio de PJs, afirmando que essa relação mascararia uma relação de emprego.
Portanto, ao decidir pela necessidade de os tribunais do país observarem as orientações da ADPF 324 e Tema 725, o STF não apenas reitera a licitude da terceirização e da contratação de PJs mas, também, reforça o dever de as autoridades fiscais trabalhistas e tributárias de comprovarem a existência de todos os elementos da relação de emprego para, somente nesse caso, desconsiderar a prestação de serviços das PJs. Nesse aspecto, a presunção coletiva perde força, diante da necessidade de análise caso a caso.
É importante alertar que o inteiro teor da decisão do STF ainda não foi publicado e tal entendimento não pode ser interpretado como uma “carta em branco” para os contribuintes. Importante que as empresas tenham procedimentos adequados, visando a formalização da contratação dessas prestadoras de serviços com mecanismos de controle que não caracterizem a subordinação e que incentivem o empreendedorismo e a especialização das empresas contratadas. Mecanismos eficientes de Due Diligence podem averiguar o modelo de contratações e as questões fáticas envolvidas em cada caso para checar a viabilidade do esse padrão de contratação.
Para mais informações sobre julgamentos nos Tribunais Superiores, conheça as práticas Trabalhista, Sindical e Remuneração de Executivos e Tributário do Mattos Filho.