O direito do consumidor nos Tribunais Superiores em 2021
A lei marcou presença na pauta dos Tribunais Superiores com temas que se destacam
Os Tribunais Superiores enfrentaram uma série de temas pertinentes ao direito do consumidor em 2021, tanto de ordem processual como de cunho material, que resultaram em decisões de relevância para os consumidores e os fornecedores do país.
Questões processuais
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), três temas de ordem processual merecem destaque.
Legitimidade em ação civil pública
O primeiro tema envolve a discussão quanto à legitimidade de não associado para a execução de sentença proferida em ação civil pública, objeto dos recursos especiais repetitivos nº 1.438.263/SP e nº 1.362.022/SP, afetados pelo Tema 948. A 2ª Seção do STJ decidiu, por unanimidade, que nas ações civis públicas propostas por associações que atuem como substitutas processuais de consumidores, todos os beneficiados pela procedência do pedido possuem legitimidade para liquidação e execução da sentença, independentemente de serem filiados à entidade autora.
Inaplicabilidade do benefício da inversão do ônus da prova
O segundo ponto envolve a inaplicabilidade do benefício legal da inversão do ônus da prova nas ações propostas pelo Ministério Público em matéria de consumo. Conforme acórdão do recurso especial nº 1.286.273, a 4ª Turma do STJ entendeu que o órgão ministerial nunca pode ser considerado hipossuficiente quanto ao ônus da prova, especialmente considerando o amplo poder investigatório pré-processual que lhe é outorgado por lei, o que lhe permite arcar com o ônus probatório facilmente.
Denunciação da lide em matéria de consumo
O terceiro refere-se à denunciação da lide em matéria de consumo. Ao julgar o recurso especial nº 1.832.371/MG, a 6ª Turma do STJ reconheceu o cabimento da denunciação da lide no caso concreto, por entender que a imputação de conduta lesiva feita ao hospital estava atrelada a atos dos médicos que realizaram o procedimento cirúrgico, e não atos do próprio hospital, por seus empregados ou prepostos, o que exigiria uma aferição da conduta dos médicos para compreender a existência e extensão da sua responsabilidade. Trata-se, pois, de flexibilização normativa, já que a denunciação à lide é vedada pelo artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Direito material
Quatro temas foram objeto de destaque ao longo do ano:
Dano moral
Refere-se à fixação de dano moral em matéria de consumo. Três decisões do STJ ganharam evidência. São elas:
- Decisão objeto do recurso especial nº 1.610.821/RJ, na qual se consigna o entendimento de que a violação de direitos individuais homogêneos suscitados em ação civil pública não implica, per se, dano moral coletivo, dada a ausência natureza transindividual. O dano moral coletivo atinge apenas interesses difusos e coletivos;
- Decisões proferidas nos recursos especiais nº 1.899.304/SP e 1.838.184/RS, que discutiam a configuração ou não de dano moral nos casos de alimentos contaminados. No recurso especial n. 1.899.304/SP, consolidou-se o entendimento de que a presença de corpo estranho em alimentos pode gerar dano moral, independentemente de sua ingestão pelo consumidor. Já no recurso especial 1.838.184/RS, afastou-se a ocorrência de dano moral coletivo no caso de lotes de alimento contaminado, por entender estar-se diante de direitos individuais homogêneos, por ser possível identificar os consumidores afetados.
Vinculação do fornecedor à oferta
Ao julgar o recurso especial nº 1.872.048, a 3ª Turma do STJ decidiu que a falta de estoque não impede o consumidor de exigir a entrega do produto anunciado pelo fornecedor, pois a única hipótese que autoriza a exclusão do cumprimento forçado da obrigação é aquela em que o produto tenha deixado de ser fabricado. A ministra Nancy Andrighi consignou que, enquanto o fornecedor tiver meios de cumprir a oferta, ainda que para isso tenha de adquirir o produto de outra empresa, fica mantida para o consumidor a possibilidade de exigir o cumprimento forçado da obrigação.
Obrigatoriedade ao consentimento do consumidor
A Terceira Turma do STJ afirmou, no julgamento do recurso especial nº 1.817.576/RS, pela impossibilidade de empresas alterarem o conteúdo ou a qualidade do contrato de consumo de forma unilateral, sem a efetiva anuência do consumidor. A conduta foi reputada abusiva, com declaração de nulidade das cláusulas.
Responsabilidade dos fornecedores por fortuitos externos
Ao julgar o recurso especial nº 1.861.013, a 3ª Turma do STJ afastou a pretensão indenizatória de usuário de serviço específico de garagem por roubo de pertences pessoais, sob os fundamentos de que o serviço prestado pelo estacionamento não compreendia o risco quanto a violações à segurança pessoal dos usuários e, ainda, que ficou configurado fortuito externo, uma vez que os bens foram subtraídos diretamente do consumidor mediante emprego de arma de fogo. Ao apreciar o caso, a Turma diferenciou a hipótese do caso com cenários de shoppings centers, supermercados ou clubes, em que o estacionamento é um serviço agregado e que, portanto, cria legítima expectativa de segurança no consumidor.
Julgamentos no STF
No julgamento do recurso extraordinário nº 1.101.937, o Supremo declarou a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei n. 7.347/1985 Lei n. 7.347/1985 (Lei das Ações Civis Públicas), que restringia os efeitos das sentenças proferidas em ações coletivas aos limites territoriais do órgão julgador.
Ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade 6727, em que se discutiu a competência concorrente dos Estados e da União para legislar sobre proteção do consumidor e do idoso, foi declarada a constitucionalidade da Lei Estadual do Paraná nº 20.276/2020, que regulamentava a proibição de instituições financeiras, correspondentes bancários e sociedades de arrendamento mercantil veicularem publicidade para contratação de empréstimos destinada a aposentados e pensionistas. O STF reconheceu que a lei paranaense não se imiscuiu na competência privativa da União para legislar sobre direito civil, propaganda comercial ou política de crédito, tendo simplesmente estabelecido limites à publicidade direcionada a grupo vulnerável, dentro das diretrizes gerais sobre direito a informação e proteção do consumidor contra publicidade enganosa e abusiva, assim como dos princípios protetivos estabelecidos no CDC.
Ainda quanto à competência, o STF julgou seis ações diretas de inconstitucionalidade (nº 6.086, 6.207, 6.123, 6.214, 6.220 e 6.333), ajuizadas contra a Lei Estadual 16.559/2019, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor do Estado de Pernambuco, tendo declarado a inconstitucionalidade de alguns de seus artigos por invasão de competência legislativa privativa da União, mas reconhecendo a constitucionalidade de várias novas obrigações criadas pela legislação, sobretudo para ampliar o dever de informação ao consumidor, o que lhe seria benéfico.
Ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade 5631, o STF declarou a constitucionalidade da Lei Estadual da Bahia nº 13.582/2016 (posteriormente modificada pela Lei Estadual nº 14.045/2018), que vedava a publicidade infantil de alimentos e bebidas de baixo valor nutricional nas escolas. O Supremo reconheceu não haver violação de competência exclusiva da União para legislar sobre propaganda comercial de forma ampla, na medida em que a lei estadual tem aplicação restrita, abrangendo a publicidade apenas em estabelecimentos de educação básica, visando a proteger público infantil.
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