Criptoativos: inovações regulatórias e tendências para 2023
Confira os acontecimentos mais relevantes de 2022 no mercado e as perspectivas para este ano
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Em linha com a expansão do mercado de criptoativos, foi possível observar, ao longo de 2022, a necessidade de soluções jurídicas inovadoras para os desafios enfrentados pelas transações realizadas com ativos virtuais, em diversos aspectos. Veja os principais destaques nas esferas legislativa e regulatória e algumas perspectivas para o ano de 2023.
Perspectivas no cenário legislativo
Dentre as diversas discussões relacionadas a criptoativos na esfera legislativa, destacam-se a Lei 14.478/2022 (Marco Legal dos Ativos Virtuais), antigo PL 4.401/2021, sancionada em dezembro de 2022, e o PL 1.600/2022, proposto no mesmo ano pela Câmara dos Deputados.
Marco Legal dos Ativos Virtuais
O Marco Legal dos Ativos Virtuais, sancionado em 21 de dezembro de 2022, dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais. A lei prevê a necessidade de autorização prévia para funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais, à cumulação de atividades dessa natureza por instituições autorizadas, aspectos penais, consumeristas e de compliance aplicáveis à prestação desses serviços, bem como disposições relacionadas à indicação de entidade infralegal reguladora competente.
Durante sua tramitação, diversas discussões em matéria das operações realizadas com ativos virtuais foram realizadas, tendo destaque a relacionada a segregação patrimonial, na qual o patrimônio do cliente ou investidor seria afastado dos riscos do negócio da prestadora. Além dessa disposição não ter sido incluída na versão final aprovada do projeto, a versão sancionada do PL 4.401/2021 retirou a obrigatoriedade imediata de exchanges de criptoativos estarem registradas no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).
Estima-se que, a partir da atribuição de competência para regulamentação da lei, eventuais temas relacionados aos criptoativos não incluídos no texto legal voltem a ser debatidos e tornem-se objeto de normas, ofícios, comunicados, audiências e consultas públicas por órgãos reguladores e entidades autorreguladoras ainda este ano.
Projeto de Lei 1.600/2022 e a regulação da penhora de criptoativos
O PL 1600/2022, proposto pela Câmara dos Deputados, dispõe sobre a alteração do CPC/2015 em sentido de regular a penhora de criptoativos, indicando-os na ordem a ser observada pela penhora e determinando regras a serem observadas nas hipóteses de oferecimento ou constrição forçada destes ativos. As regras propostas vedam o acesso à chave privada de usuários pelo Poder Judiciário, facultam o oferecimento de criptoativos como garantia pelo executado e, para os casos em que os criptoativos sejam penhorados, não será dada ciência prévia do ato ao devedor, de modo que o bloqueio possa ser realizado. O texto do PL 1.600/2022 está sob apreciação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e tramita sem a apresentação de emendas.
Perspectivas no cenário regulatório
Em que pese os pronunciamentos de autarquias e órgãos de autorregulação, foram relevantes, em 2022, projetos viabilizados e normas editadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Banco Central do Brasil (BCB), para além de relevante manifestação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre criptoativos. Em matéria de autorregulação, vale destacar a atuação da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto) relativa ao tema.
CVM
Ainda que o mercado de criptoativos não possua entidade reguladora competente para dispor sobre o tema, a Comissão de Valores Mobiliários vem, nos últimos anos, manifestando-se no contexto de operações realizadas com estes ativos, especialmente em sentido a proteger o investidor de ofertas públicas irregulares. Nesse sentido, publicou ofícios, stop orders e atuou em processos administrativos e processos administrativos sancionadores e, em 2022, editou o primeiro parecer de orientação sobre o tema.
O Parecer de Orientação 40, que trata sobre os criptoativos e o mercado de valores mobiliários, consolida o entendimento da autarquia sobre as normas aplicáveis aos criptoativos que forem valores mobiliários, em sentido a mitigar as dificuldades na qualificação jurídica destes ativos. O parecer inova trazendo critério funcional para a taxonomia de tokens, diretrizes interpretativas para a classificação de tokens como valores mobiliários, diretrizes sobre o regime informacional neste mercado, o papel dos intermediários, dentre outros assuntos, estabelecendo o posicionamento da CVM sobre o tema.
Para além do parecer, a CVM editou a Resolução 175, o novo marco regulatório dos fundos de investimento. A resolução inova ao prever que fundos de investimento financeiros (FIF) possam investir diretamente em criptoativos, ampliando o entendimento anteriormente concedido apenas para os investimentos indiretos nestes ativos e compreendendo-os, pela primeira vez, como ativos financeiros por natureza ou equiparação, desde que negociados em entidades autorizadas pela CVM ou pelo BCB para as operações realizadas no Brasil ou por supervisor local competente, para as realizadas no exterior.
Dentre as pautas da agenda regulatória da autarquia para o ano de 2023, está prevista a avaliação da possibilidade de nova regulamentação em observância aos projetos participantes do sandbox regulatório, os quais contemplam a autorização temporária de uma tokenizadora. Adicionalmente, no plano bienal de Supervisão Baseada em Risco de 2023-2024, a CVM prevê que terá, sob sua supervisão, as ofertas não registradas de security tokens distribuídos por grandes exchanges de criptoativos, de forma a avaliar o enquadramento jurídico destas ofertas como ofertas públicas de valores mobiliários.
Em observância à atuação propositiva da autarquia em matéria de criptoativos, espera-se que, em 2023, a CVM continue observando o mercado e manifestando-se em ofícios e stop orders, de forma a participar ativamente do desenvolvimento deste mercado, bem como editando normas e pareceres sobre o tema, em linha com as agendas regulatórias e planos estabelecidos para este ano.
BCB
Conjuntamente à CVM, o BCB vem adotando postura inovadora no que tange às discussões sobre criptoativos. Alinhado à publicação da Lei de Ativos Virtuais, e discussões sobre a sua indicação como autoridade reguladora responsável, o BCB criou, em 2022, grupo de trabalho interdepartamental (GTI Tokenização), que objetiva a proposição de recomendações e a avaliação de aspectos relacionados às atividades de registro, custódia, negociação e liquidação de ativos financeiros em infraestruturas de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies – DLTs). O GTI de Tokenização será coordenado pela Secretaria-Executivo de demais departamentos do BCB.
Nesta mesma linha, o banco já anunciou um evento no primeiro semestre de 2023 sobre criptomoedas, CBDCs e tokenização de ativos. Em um primeiro momento, o BCB abriu chamada para artigos sobre estes temas, para apresentar e desenvolver um workshop a ser realizado durante a Conferência do Banco Central em maio deste ano.
Em complemento, com a crescente discussão sobre a adoção de CBDCs (Central Bank Digital Currencies) em diversas jurisdições, o BCB tem trabalhado em diversas inciativas voltadas para o desenvolvimento de uma CBDC emitida pelo BCB, desde 2021.
Neste contexto, o LIFT (Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas), criado pelo BCB e Fesnabac, com o objetivo de fomentar a inovação e incentivar a criação de protótipos de soluções tecnológicas para o Sistema Financeira Nacional, selecionou e avaliou projetos durante o ano de 2022, no âmbito do Lift Challenge, com o propósito de avaliar os casos de uso do Real Digital, bem como a sua viabilidade tecnológica. Tendo em vista que os projetos selecionados devem ter seus resultados divulgados durante o primeiro semestre deste ano, há expectativa de que o BCB se manifeste sobre a implementação do Real Digital em 2023, bem como eventuais serviços a ele vinculados, que foram testados no âmbito do Lift Challenge.
Coaf
Em 2022, o Coaf descontinuou o canal em que eram informadas operações financeiras consideradas suspeitas por exchanges de criptoativos. O canal, antes acessado pelas exchanges por meio da plataforma do Sistema de Controle de Atividades Financeiras (Siscoaf), foi suspenso dado que o monitoramento de informações e fluxos de recursos envolvendo criptoativos é, atualmente, realizado por instituições financeiras reguladas, cenário que possui potencial de mudança neste ano a partir da entrada em vigor do Marco Legal dos Ativos Virtuais, que passa a regulamentar as prestadoras de serviço com ativos virtuais.
Anbima
Em Audiência Pública proposta pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, passam a ser discutidas com o mercado regras para fundos e carteiras administradas que investem em ativos virtuais, as quais visam a proteção ao investidor, garantindo maior transparência às informações a ele destinadas. Nesse sentido, a Anbima se antecipa com relação a um mercado de risco e ainda pouco regulamentado, no qual a aquisição de criptoativos em mercados com exchanges regulamentadas por fundos de investimento já foi autorizada pela CVM. O conjunto de regras de autorregulação, esperado no ano de 2023, fará parte do Código de Administração de Recursos de Terceiros.
ABCripto
A Associação Brasileira de Criptoeconomia, entidade autorreguladora que objetiva a comunicação com o poder público a partir da união de instituições atuantes nos mercados de criptoativos e blockchain, após consolidar conjunto de regras para organização e padronização de práticas de conduta e prevenção à lavagem de dinheiro passará a certificar, em 2023, as empresas adequadas à autorregulação da entidade, em processo de adesão voluntária.
Para mais informações, conheça a prática de Criptoativos do Mattos Filho.
*Em colaboração com Camila Merino Moya Leiva