Bancos e serviços financeiros: um balanço de 2022 e projeções para 2023
Conheça temas que devem constar na agenda do setor, como o marco legal dos ativos virtuais e a nova regulamentação de câmbio
Assuntos
O ano de 2022 foi marcado pela inovação no mercado financeiro no âmbito legal e regulatório, com importantes medidas que visam trazer modernização e eficiência no setor. Temas como câmbio, créditos de caborno, ESG e criptoativos, que estavam há tempos sob expectativa de atualização e regulamentação, tiveram especial atenção no último ano e abriram caminho para ainda mais evolução financeira em 2023.
Confira uma análise de 2022 sob a perspectiva do mercado financeiro e tendências para este ano.
Nova regulamentação de câmbio
A Lei nº 14.286, que entrou em vigor em 30 de dezembro de 2022, regulamenta o mercado de câmbio e de capitais internacionais e visa a modernizar, simplificar e trazer mais eficiência ao setor.
Como resultado, o Banco Central do Brasil (BCB) publicou, ao longo de 2022, três consultas públicas (nºs 90, 91 e 93) com o objetivo de endereçar, junto ao mercado, os aspectos do sistema jurídico e regulatório cambial brasileiro regulamentados pela nova lei, sendo eles:
- As principais regras e princípios aplicáveis ao mercado de câmbio;
- As principais regras aplicáveis ao capital estrangeiro no Brasil e ao capital brasileiro mantido no exterior;
- As regras relativas à solicitação de dados pelo BCB aos agentes do mercado de câmbio para fins de pesquisa e estatísticas, a fim de subsidiar sua agenda regulatória, bem como a do Governo Federal;
- A revogação de normas que trazem insegurança jurídica e criam restrições ao mercado de câmbio brasileiro, que atualmente são incompatíveis com o estado dos mercados e práticas cambiais brasileiro e internacional.
As consultas públicas 90 e 91 ensejaram a publicação das Resoluções BCB 5.042, 277, 278, 279 e 280, que entraram em vigor em 31 de dezembro de 2022. Espera-se, agora, a publicação das minutas relacionadas à Consulta Pública 93.
Marco legal dos ativos virtuais
Publicada em dezembro de 2022, a Lei nº 14.478 representa um marco significativo no mercado de criptoativos, passando a dispor sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras desses serviços.
A norma conceitua ativo virtual como a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para a realização de pagamentos ou com o propósito de investimento. Assim, não estão sob a esfera de regulamentação da lei, dentre outros, as representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento. Em relação esses, ressalta-se que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou o Parecer de Orientação nº 40, que traz orientações sobre os ativos virtuais que se caracterizam como valores mobiliários.
Em paralelo, considera-se prestador de serviços de ativos virtuais a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, ao menos uma das seguintes atividades: troca entre ativos virtuais e moeda nacional e estrangeira; troca entre um ou mais ativos virtuais; transferência de ativos virtuais; custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; ou participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.
O Marco Legal não designa, expressamente, órgão responsável pela regulamentação, mas indica que o Poder Executivo atribuirá a um ou mais órgãos da Administração Pública Federal a disciplina dos ativos virtuais regulados, bem como do funcionamento e supervisão das prestadoras de serviços de ativos virtuais.
Apesar de não haver a previsão expressa no texto aprovado, há a expectativa de que o Banco Central seja o órgão indicado como supervisor desse setor.
Inovação regulatória: principais inovações introduzidas pelo Banco Central
O Banco Central, principal regulador do setor financeiro, manteve sua pauta de trabalho centrada na evolução tecnológica para desenvolver questões estruturais do sistema financeiro, em linha com o proposto pela Agenda BC#, que institui diretrizes visando o desenvolvimento, competitividade e aprimoramento do mercado financeiro. Ao longo do ano, o regulador realizou importantes atualizações normativas.
Com o objetivo de modernizar e racionalizar os processos de autorização de instituições financeiras e outras entidades reguladas, o Banco Central publicou a Resolução CMN 4.970, que consolida, uniformiza e atualiza os requisitos para funcionamento e autorização dessas instituições, antes dispersos em diversas normas. Dentre as importantes atualizações da norma, está a redução de exigências procedimentais e documentais para pedidos de autorização.
O regulador também publicou a Resolução BCB 257, que alterou o cronograma para ingresso com pedido de autorização para instituições de pagamento que tenham iniciado a prestação de serviços de emissão de moeda eletrônica antes de 1º de março de 2021. O cronograma inicial, estabelecido pela Resolução BCB 80, previa apenas três fases para que emissores de moeda eletrônica ingressassem com pedido de autorização, sendo a última até 31 de março de 2023. Com a nova norma, as instituições devem solicitar tal autorização na medida em que alcançarem determinados volumes financeiros, durante intervalos que vão de 1º de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2029.
Além destas, foram publicadas a Resolução Conjunta 4, que consolida os termos da Resolução Conjunta 1, sobre a disciplina do Open Finance; a Resolução CMN 5.050, que permite que fintechs de crédito atuem como iniciadoras de transação de pagamento; a Resolução BCB 246, que prevê novas regras relativas a tarifas de intercâmbio e prazos máximos de liquidação, dentre outras.
Em paralelo, foram promulgadas as Leis nº 14.478, que dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais, e nº 14.286, que regulamenta o mercado de câmbio e de capitais internacionais. Ambas as quais representam marcos extremamente relevantes ao Sistema Financeiro Nacional (SFN) e contam com a participação ativa do regulador.
Destaca-se, na sequência, alguns dos temas que devem permanecer ou entrar em pauta em 2023.
Pix
Limites do Pix
Dois anos após a implementação do Pix, o Banco Central atualizou as regras sobre os limites de valor para as transações realizadas através do meio de pagamento, com o objetivo de simplificar as regras de implementação e de aprimorar a experiência dos usuários ao efetuar a gestão de limites por meio de aplicativos. Dentre as principais mudanças promovidas pela Instrução Normativa 331, encontram-se:
- A eliminação da obrigatoriedade de limite por transação, mantendo-se apenas o limite por período de tempo, podendo o usuário realizar a gestão de limites;
- A retirada do parâmetro para a definição dos limites transacionais para usuários finais que sejam pessoas jurídicas, ficando a critério de cada instituição a definição dos limites;
- A customização do horário noturno diferenciado passa a ser facultativa; e
- A alteração do balizador para definição dos limites transacionais nas transações com finalidade de compra, passando o balizador a ser a TED, e não mais o cartão de débito.
Além disso, outra novidade trazida pelo regulador é o aumento dos limites para a retirada de dinheiro por meio das transações Pix Saque e Pix Troco. Atualmente, o limite de saque com Pix é de R$500,00 no período diurno e de R$100,00 no período noturno. Os limites passarão a ser de R$3.000,00 e R$1.000,00, respectivamente.
As novas regras estabelecidas entrarão em vigor a partir de 2 de janeiro de 2023 – com exceção dos ajustes feitos na gestão dos limites para os clientes, que serão válidos a partir de 3 de julho.
Alterações no regulamento do Pix
Por meio da Resolução BCB 269, o Banco Central promoveu alteração no regulamento do Pix para viabilizar o pagamento de salários, aposentadorias e pensões pelo Tesouro Nacional por meio do Pix, bem como para esclarecer os critérios e as condições para terceirização de atividades no âmbito do Pix.
A fim de ter visibilidade de quais instituições estão efetivamente prestando serviços de pagamento no âmbito do arranjo de pagamento do qual é responsável, o regulador passa a deixar clara a vedação, na relação contratual entre participante e terceiro que não seja participante, à iniciação e ao recebimento de transação Pix por meio de conta transacional provida pelo terceiro.
As novas regras estabelecidas para terceirização de serviços entrarão em vigor a partir de 1º de março de 2023, enquanto os ajustes feitos para possibilitar o pagamento de salários, aposentadorias e pensões por meio do Pix serão válidos a partir de 3 de julho de 2023.
Regulação prudencial
Instituições financeiras
Com objetivo de aumentar a robustez e a sensibilidade ao risco do requerimento de capital para o risco operacional, o Banco Central publicou a Consulta Pública 94, que apresenta propostas para uma nova metodologia de cálculo do risco operacional mediante abordagem padronizada (RWAOPAD) das instituições enquadradas nos segmentos S1 ao S4.
Parte do conjunto de medidas de Basileia III, a nova metodologia proposta substitui as três metodologias de cálculo estabelecidas pela Circular BCB 3.640, de 2013, por um modelo padronizado, de forma que o cálculo do capital requerido para o risco operacional seja unificado para todas as instituições do S1 ao S4.
A proposta receberá comentários e sugestões até 4 de fevereiro de 2023.
Instituições de pagamento
Publicadas em março de 2022, as Resoluções BCB 197, 198, 199, 200, 201, 202 e 229 estipularam, para os conglomerados integrados por instituições de pagamento, regimes prudenciais nos moldes aplicáveis às instituições financeiras, proporcionais ao seu porte e complexidade.
O objetivo da nova regulação é, ao mesmo tempo em que atualiza as regras à realidade do setor, preservar uma entrada facilitada no mercado para novas IPs e aumentar a competição e a inclusão no Sistema Financeiro Nacional.
O conjunto de regras, que entraria em vigor a partir de janeiro de 2023, teve sua vigência adiada para 1º de julho de 2023.
Créditos de carbono
Em uma inovação bastante esperada pelo setor financeiro, o Banco Central editou a Instrução Normativa nº 325, de 21 de novembro de 2022, em que definiu como bancos devem registrar créditos de carbono e determinou que obrigações climáticas podem gerar provisões do balanço, na expectativa de fomentar operações com ativos de sustentabilidade no âmbito do sistema financeiro.
Expectativas para os próximos meses de 2023
Após um ano de 2022 movimentado e inovador para o setor, a expectativa é de que alguns temas continuem em pauta em 2023, como câmbio e criptoativos, que aguardam maiores definições em alguns aspectos.
Em especial, tópicos trazidos pela Lei 14.286/21, mas ainda não endereçados pelas normas infralegais, como a oferta de contas em moeda estrangeira no Brasil e a operação dessas contas na prática, devem ter uma definição nos próximos meses.
Ainda, é esperado um avanço na pauta da Central Bank Digital Currency (CBDCs brasileira), o chamado “Real Digital”, em seguimento às inovações do último ano, bem como o panorama da regulamentação dos criptoativos pelo Banco Central.
Em todo caso, o último ano foi de suma importância para a inovação no mercado financeiro e a tendência é que o ano de 2023 permita uma evolução ainda maior do setor.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Bancos e Serviços Financeiros do Mattos Filho.