

Gilmar Mendes determina a paralisação das ações judiciais e de novos processos regulatórios para a autorização de cursos de medicina
A decisão também estabelece confuso marco temporal para a modulação dos processos em andamento e abertos fora do regime do “Programa Mais Médicos”
Assuntos
Em 7/8/2023, o Ministro Gilmar Mendes, relator da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 81/DF (ADC 81) deferiu em parte a medida cautelar requerida pelos impetrantes, ad referendum do Plenário, para reconhecer a constitucionalidade do art. 3º da Lei 12.871/2013 (Lei do Mais Médicos). Como consequência, definiu-se que é inviável aos mantenedores de Instituições de Ensino Superior (IES) requerer a autorização de novos cursos ou ampliação de vagas em cursos já existentes sem se sujeitar a uma licitação prévia (chamamento público).
A decisão atende a pedido formulado pela Associação Nacional das Universidades Privadas (ANUP) e pela Advocacia-Geral da União (AGU) nos autos da ADC 81 e ainda deverá ser referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). De todo modo, a decisão possui eficácia imediata e implica a paralisação das ações judiciais em curso e o sobrestamento de processos administrativos que ainda não ultrapassaram a fase documental.
Por outro lado, admite-se a continuidade da operação dos cursos autorizados em atendimento a decisões judiciais e, também, autoriza a conclusão do trâmite de todos os processos administrativos abertos em função dessas decisões e que estejam em etapa mais avançada, embora mediante uma série de condicionantes.
Síntese dos fundamentos adotados na decisão
Em linhas gerais, o Ministro Gilmar Mendes situou o debate como um conflito de princípios, em especial o da livre iniciativa com o da garantia à saúde. E, aplicando técnicas de ponderação de direitos fundamentais, entendeu que sujeitar o exercício da livre iniciativa na esfera educacional a um chamamento público prévio é uma medida que atende aos critérios da proporcionalidade. Nas palavras do Ministro, “a política indutora de instalação de novos cursos de medicina de acordo com a necessidade social dos Municípios, com o incremento dos recursos humanos e financeiros da estrutura de saúde da localidade, mostra-se adequada ao objetivo de melhorar a distribuição dos serviços médicos ao longo do território nacional”.
Com relação aos argumentos apresentados na ADC para o indeferimento do pedido de tutela cautelar incidental, dentre eles a vulneração da livre iniciativa e necessidade de controle da qualidade dos cursos de medicina, o Ministro entendeu que “o debate, embora rico e plural, não se revelou propositivo no tocante a alternativas regulatórias especificamente voltadas à solução da desigualdade na oferta de serviços médicos à população” e que “não há como concluir que o mercado seja capaz de autorregular-se no sentido de alcançar a concretização dos comandos constitucionais sobre o tema”.
Sob a perspectiva do critério da necessidade, o Ministro consignou que inexiste alternativa menos gravosa e que atenda aos mesmos objetivos preconizados pela Lei do Mais Médicos, “porque direciona a iniciativa privada para localidades especialmente necessitadas, altera o centro gravitacional da interação entre a prestação educacional e os serviços locais de saúde, além de impor contrapartida financeira ao SUS arcada pelo particular”.
Para o Ministro, é totalmente possível promover restrições à livre iniciativa porque “os agentes privados podem atuar no mercado, mas a instalação dos cursos está condicionada à necessidade social dos Municípios, de modo que os recursos financeiros e institucionais sejam direcionados ao atendimento das demandas do Sistema Único de Saúde”.
A decisão inviabiliza o prosseguimento de ações judiciais que discutam o PMM como única forma de poder autorizar novos cursos de medicina?
A decisão não é expressa ao determinar a suspensão de ações judiciais. Contudo, considerando seu teor e que, ao fim, determinou-se a notificação dos presidentes de todos os Tribunais Regionais Federais (TRFs) acerca de seu conteúdo, é de se pressupor que o propósito tenha realmente sido o de sobrestar o andamento de tais ações para oferecer previsibilidade ao Programa Mais Médicos. É provável, porém, que esse tema seja alvo de recursos, a fim de que não haja dúvidas sobre o prosseguimento das ações já distribuídas.
Quais os impactos da decisão para os processos regulatórios em curso?
A decisão reconhece que “a proliferação de decisões judiciais que excepcionam a regra do art. 3º da Lei 12.871/2011 impacta diretamente no sucesso dessa política pública, criando distorções e enfraquecendo a capacidade de indução do chamamento público”. Por isso, teve o propósito de adotar uma série de providências para organizar a situação das ações em andamento e processos administrativos abertos em função de decisões judiciais.
Embora adotando uma fundamentação muito pouco clara e que possivelmente ainda será alvo de esclarecimentos por meio dos recursos cabíveis, em termos práticos, as consequências imediatas da decisão para os processos de autorização de cursos tendem a ser as seguintes:
- os cursos de medicina já instalados por força de decisões administrativas provocadas por determinações judiciais que dispensaram o chamamento público previsto na Lei do Mais Médicos poderão continuar a funcionar normalmente.
- Os processos administrativos de autorização de novos cursos pendentes de decisão, instaurados por força de decisões judiciais e que já ultrapassaram a fase inicial de análise documental perante a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), deverão ter seguimento. Embora a fundamentação não deixe essa conclusão clara, o marco temporal adotado parece ser o despacho saneador da SERES, anterior à abertura do formulário eletrônico para a visita in loco do Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP);
- A análise da SERES e demais órgãos que participam do fluxo regulatório deve levar em consideração a necessidade de garantir que (a) o Município em que o curso será instalado tenha infraestrutura necessária para o receber (art. 3º, § 1º, da Lei do Mais Médicos); (b) arquem com contrapartidas ao Sistema Único de Saúde (SUS), na forma do § 2º do art. 3º da referida norma; bem como (c) atendam a critérios qualitativos específicos mencionados no § 7º do art. 3º da Lei do Mais Médicos.
- Os processos administrativos que não receberam despacho saneador, deverão ser sobrestados ao menos até o referendo da cautelar pelo Plenário do STF.
A decisão não esclarece se apenas os cursos que não foram autorizados ou se também aqueles que já estão em funcionamento deverão se sujeitar aos requisitos do item (III), acima. Na primeira hipótese, manter-se-á uma assimetria regulatória que não contribui para o setor.
Independentemente do entendimento, os critérios indicados no item (III) possivelmente demandarão a edição de um regulamento por parte da SERES do MEC para organizar sua aplicação, pois a inclusão de obrigações como a de ofertar contrapartidas possivelmente demandará aditamentos ao ato autorizativo do curso, o que pode envolver até mesmo a celebração de Protocolos de Compromisso, que são modalidades de acordos administrativos.
Quais os próximos passos?
É provável que a decisão seja desafiada por recursos visando a aclarar os entendimentos ali expostos, que deixaram muitas dúvidas. De toda forma, vale lembrar que a cautelar foi deferida ad referendum do Plenário do STF, de modo que deverá ser ratificada pelos demais Ministros para que permaneça eficaz. É possível, porém, que o entendimento do Min. Gilmar Mendes não prevaleça e haja uma nova reviravolta no caso.
Seja qual for o desfecho da cautelar, o tema apenas será definitivamente decidido com o julgamento do mérito pelo Plenário do STF, ainda sem data marcada.
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