Planos de saúde são obrigados a custear cirurgia plástica reparadora pós-bariátrica
STJ define que cirurgia plástica de caráter funcional ou reparadora é de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde e indica os procedimentos a serem adotados em caso de dúvidas
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, em 13 de setembro de 2023, os Recursos Especiais nºs 1.870.834-SP e 1.872.321/SP sob o rito dos recursos repetitivos, e fixou as teses do Tema 1.069, definindo que:
- “É de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do tratamento da obesidade mórbida”;
- “Havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente pós-cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnico-assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador”.
Tratamento da obesidade mórbida
Ao apreciar a matéria, o Relator do caso, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou a Súmula 97 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), e a Súmula 250 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), que já representavam o entendimento dos tribunais pátrios sobre a matéria:
- Súmula n° 97: Não pode ser considerada simplesmente estética a cirurgia plástica complementar de tratamento de obesidade mórbida, havendo indicação médica (TJSP);
- Súmula nº 258: A cirurgia plástica, para retirada do excesso de tecido epitelial, posterior ao procedimento bariátrico, constitui etapa do tratamento da obesidade mórbida e tem caráter reparador (TJRJ).
Dentre os principais fundamentos de seu voto, o Relator ressaltou que o tratamento da obesidade mórbida tem cobertura obrigatória pelos planos de saúde, conforme previsão do artigo 10, caput, da Lei nº 9.656/1998, seja no caso de cobertura de tratamento multidisciplinares ambulatoriais de obesidade, seja nos casos cirúrgicos.
Em complemento, mencionou o artigo 10, inciso II, da Lei nº 9.656/1998, que é expresso ao excluir da cobertura dos planos de saúde os procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, complementado pelo artigo 17, parágrafo único, II, da Resolução Normativa 465/2021, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que permite exclusões de assistências a procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos.
O Relator diferenciou as cirurgias plásticas reparadoras, que se destinam a corrigir falha orgânica ou funcional ou, ainda, prevenir males de saúde, das cirurgias plásticas estéticas, que possuem intuito exclusivamente embelezador.
Ainda trouxe, na sequência, que o STJ tem jurisprudência no sentido de que a operadora de plano de saúde deve arcar com os tratamentos destinados à cura da doença, incluídas as suas consequências, justificando que, no contexto em questão, não basta que a operadora de plano de saúde se limite a custear a cirurgia bariátrica para suplantar a obesidade mórbida, devendo “as resultantes dobras de pele ocasionadas pelo rápido emagrecimento também” e “receber atenção terapêutica, já que podem provocar diversas complicações de saúde”. Nestas situações, portanto, a retirada do excesso do tecido epitelial tem “caráter funcional e reparador”.
Com isso, o Ministro Relator consignou que a cirurgia plástica complementar ao tratamento de obesidade mórbida não pode ser considerada simplesmente como estética, sendo, portanto, “de cobertura obrigatória pelos planos de saúde” sempre que tiver “caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente”.
Uso de junta médica pelo plano de saúde
Como segundo ponto, o Ministro Relator determinou que, embora o Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde da ANS preveja apenas a cobertura da dermolipectomia abdominal e da diástase dos retos abdominais como tratamento dos males pós-cirurgia bariátrica, todos os procedimentos cirúrgicos de natureza reparadora devem ser incluídos, em observância ao que está previsto no artigo 35-F da Lei nº 9.656/1998.
O Ministro lembrou que o Rol da ANS é de taxatividade mitigada, em virtude da redação do artigo 10, parágrafo 13, da Lei nº 9.656/1998, editado pela Lei nº 14.454/2022, permitindo a cobertura de exames ou tratamentos de saúde não contemplados. Ainda, tendo em vista que no Sistema Único de Saúde (SUS) estão previstos diversos procedimentos cirúrgicos reparadores em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, ressaltou que a ANS já deveria ter atualizado Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
Todavia, para não ampliar indiscriminadamente a cobertura pelos planos de saúde de quaisquer tratamentos complementares à cirurgia pós-bariátrica, o Ministro afirmou que, havendo “dúvidas justificadas acerca do caráter eminentemente estético da cirurgia”, sobretudo nos casos que dependem da análise da situação peculiar do paciente, a operadora de plano de saúde poderá “se socorrer” da instauração de junta médica, nos termos estabelecidos nas normas da ANS. Com isso, o Ministro Relator determinou, por analogia, a utilização do procedimento previsto na Resolução Normativa da ANS nº 424/2017.
Acréscimos na tese feitos pela Ministra Nancy Andrighi
Embora a Ministra Nancy Andrighi tenha acompanhado o voto do Relator, sugeriu um acréscimo na redação do segundo item da tese, a fim de garantir que o beneficiário do plano de saúde não teria seu direito de ação prejudicado caso a junta médica decida de forma contrária ao médico assistente. Ademais, sugeriu que seria de responsabilidade da operadora do plano de saúde o pagamento dos honorários dos profissionais da junta médica.
Aderiram ao voto do Relator, com os acréscimos feitos pela Ministra Nancy Andrighi, os Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti.
Diante disso, a Segunda Seção, por unanimidade, negou provimento aos recursos especiais paradigmas e fixou a tese repetitiva do Tema 1.069.
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*Com a colaboração de Giselle Fernanda Corujas de Barros.