Nova Lei de Licitações tem 26 vetos: entenda os mais relevantes
Os vetos ao Projeto de Lei recém-sancionado poderão ser mantidos ou derrubados, mediante apreciação pelo Congresso Nacional
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Após vasto e intenso período de discussões, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) foi sancionada pelo presidente da República, que vetou 26 dispositivos do então Projeto de Lei nº 4.253/2020. O documento caminha para o Congresso Nacional, que terá 30 dias para realizar deliberação, contados a partir da data da assinatura oficial, em 1º de abril de 2021.
O novo ato normativo consolida os regimes aplicáveis às licitações e aos contratos administrativos, substituindo a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações), a Lei nº 10.520/02 (Lei do Pregão) e a Lei nº 12.462/11 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas), bem como incorpora entendimentos sedimentados pelos órgãos de controle.
Confira, abaixo, as informações sobre os vetos mais significativos:
Reserva do Diálogo Competitivo aos modos de disputa aberto e fechado
Inaugurado no Projeto de Lei como a mais nova modalidade de licitação, o Diálogo Competitivo tinha como condição para sua utilização a reserva aos modos de disputa aberta e fechado. O presidente da República, no entanto, destacou que a vinculação da modalidade ao modo de disputa para apreciação das variações entre as propostas contraria o interesse público, e não se demonstra adequada.
O veto pontua, ainda, que a solução de eventuais deficiências com modos de disputa também se mostra inadequada, reforçando que o Diálogo Competitivo requer avanço com licitantes selecionados para que a Administração identifique a melhor solução existente para atender à necessidade pública.
Necessidade de divulgação do inteiro teor dos contratos em site próprio da contratada
Em regra, a propositura legislativa determinava que as empresas contratadas deveriam divulgar em seu site oficial, e manter à disposição dos interessados, o inteiro teor dos contratos e respectivos aditamentos firmados com o poder público. O presidente da República vetou tais dispositivos sob a justificativa de que a medida provocaria um ônus financeiro adicional e desnecessário, sendo suficiente para a publicidade e transparência dos atos a publicação do contrato no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
Publicação do orçamento após a fase de julgamento de propostas
O Projeto de Lei estabelecia que o orçamento estimado da contratação seria público apenas, e imediatamente, após a fase de julgamento de propostas. Entretanto, o Presidente da República vetou a determinação sob a justificativa de que a medida contraria o interesse público, considerando que resulta na impossibilidade de que, por exemplo, o valor seja utilizado na fase de negociação, a qual é posterior à fase de julgamento e é estratégica para a definição da contratação.
Necessidade de publicação de extratos de editais em jornal diário de grande circulação
Foram vetados os dispositivos que determinavam a obrigatoriedade dos entes federativos de publicarem os seus extratos de editais em jornal diário de grande circulação, bem como dos Municípios de realizarem divulgação complementar das contratações até 2023, nos veículos locais. O chefe do Poder Executivo compreende que as medidas seriam desnecessárias e antieconômicas, uma vez que os atos mencionados são publicados na imprensa oficial, além de serem disponibilizados no PNCP, cumprindo, assim, com o princípio da publicidade.
Margem de preferência, nos Estados, Municípios e Distrito Federal, para bens manufaturados
O Projeto de Lei previa que os Estados, Municípios e Distrito Federal estariam autorizados a estabelecer margem de preferência na obtenção de produtos fabricados em seus territórios. Municípios poderiam adotar margem de até 10% para bens manufaturados nacionais produzidos em seus respectivos Estados, enquanto Distrito Federal e Estados, por sua vez, poderiam adotar margem de até 10% na compra de bens manufaturados nacionais produzidos em seus territórios.
O Presidente da República, por recomendação da Advocacia Geral da União (AGU) e do Ministério da Economia, vetou as disposições, sob a justificativa de que as medidas poderiam obstruir a concorrência, sendo um forte limitador, sobretudo, para as contratações de infraestrutura, bem como violariam a vedação constitucional à criação, pelos entes federativos, de distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Depósito de recursos antes do início da execução de cada etapa nas contratações de obra
Inicialmente, o Projeto de Lei determinava que o órgão público, nas contratações de obras, deveria depositar, em conta vinculada, os recursos necessários antes do início da execução de cada etapa, ou seja, anterior à expedição de ordem de serviço. Na visão do presidente da República, tal medida ocasionaria um “empoçamento de recursos” e inviabilizaria remanejamentos financeiros necessários, ou demandas urgentes e inesperadas, ao longo da execução das obras.
Além disso, a disposição também infringiria princípios e normas de direito financeiro, o qual veda a fragmentação para criação de contas vinculadas para realização de antecipação de pagamentos por parte da Administração.
Valores de referência enquanto violação ao princípio da separação de poderes
A proposta estabelecia, ainda, que os valores de referência dos itens de consumo comprados pelos três Poderes nas esferas estaduais, distrital e municipais não poderiam ser maiores que os valores de referência do Poder Executivo federal. Na interpretação do presidente da República, o dispositivo limita a organização administrativa e as peculiaridades dos demais Poderes e entes federados, violando o princípio da separação dos poderes.
Acompanhamento e monitoramento dos Tribunais de Contas nos diálogos competitivos
O Projeto de Lei permitia que os órgãos de controle externos acompanhassem e monitorassem os diálogos competitivos, opinando sobre a legalidade, legitimidade e economicidade da licitação.
No entendimento da AGU, a atribuição aos Tribunais de Contas do controle da legalidade dos atos internos da Administração extrapolaria as competências conferidas constitucionalmente ao órgão e violaria o princípio da separação de poderes.
Rejeição do parecer jurídico que desaprova a continuidade da contratação
A propositura legislativa estabelecia que o parecer jurídico que desaprovasse a continuidade da contratação poderia ser rejeitado, motivadamente, pela autoridade máxima do órgão ou entidade, ficando ela responsável pelas eventuais irregularidades imputadas.
A AGU verificou que a disposição contrariaria a posição tradicional da jurisprudência e poderia resultar em insegurança para a atividade de assessoramento jurídico, uma vez que esta poderia ser invalidada pelo órgão máximo. Além disso, foi sustentado pela AGU que a medida poderia impedir avanços e inovações das quais o gestor tenha convicção da correção, mas que não tenham sido chanceladas pela assessoria jurídica.
Fixação de critério de julgamento para a contratação dos serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual
Em regra, o Projeto de Lei dispunha que a contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual seria julgada pelos critérios de melhor técnica ou técnica e preço. A norma se destinaria a:
- estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos e projetos executivos;
- fiscalização, supervisão e gerenciamento de obras e serviços;
- controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem na definição, e cujo valor estimado seja superior a R$ 300.000.
No entendimento dos Ministérios da Infraestrutura e da Economia, no entanto, a disposição contrariaria o poder discricionário do gestor de decidir, a depender do objeto, o critério de julgamento a ser adotado. Mais ainda, as autoridades argumentam que a escolha por esses critérios pode gerar descompassos entre o rigor da forma de julgamento e os objetos de pouca complexidade que prescindiriam de valoração por técnica e preço.
Obtenção de licenciamento ambiental prévio ao edital nas contratações de obra e serviço de engenharia
O Projeto de Lei dispunha que, nas contratações de obras e serviços de engenharia, sempre que a responsabilidade pelo licenciamento ambiental for da Administração, a manifestação ou licença prévia, quando cabíveis, deveriam ser obtidas antes da divulgação do edital. No veto, argumenta-se que, nessa disposição, o interesse público é contrariado, uma vez que impede o uso do regime de contratação integrada, pois a elaboração do projeto pela futura contratada é condição para obter licença prévia.
Utilização dos regimes de contratação integrada e semi-integrada para obras, serviços e fornecimentos de pequeno e médio valor
A propositura legislativa estabelecia que os regimes de contratação integrada e semi-integrada somente poderiam ser aplicados nas licitações de obras, serviços e fornecimentos no valor acima de R$ 10.000.000. Porém, no entendimento do presidente da República, a disposição restringe a utilização dos regimes para contratação de obras, serviços e fornecimento de pequeno e médio valor, potencializando o aumento dos custos com a realização de posteriores aditivos contratuais.
O veto complementa, ainda, que os regimes de execução impediriam que tecnologias diferenciadas fossem internalizadas em obras de médio e pequeno porte, inclusive impactando negativamente em políticas públicas sociais que utilizam a contratação integrada como meio mais efetivo para a concretização do planejamento estatal.
Isenção de sanções à pessoa jurídica após acordo de leniência
Inicialmente, o Projeto de Lei determinava que a Administração poderia isentar a pessoa jurídica das sanções de advertência, multa, impedimento de licitar e contratar e declaração de inidoneidade, na hipótese de ter sido celebrado acordo de leniência. Na concepção da Controladoria Geral da União (CGU) e da AGU, tal medida violaria a separação de poderes, visto que o órgão auxiliar do Poder Legislativo atuaria em função típica do poder sancionador da Administração Pública.
Mais ainda, argumentam que a extensão dos efeitos promovidos pelo acordo de leniência é distinta da fiscalização exercida pelo Poder Legislativo e que, ao condicionar a assinatura do acordo à participação do Tribunal de Contas, seria criada uma nova etapa do procedimento e um consequente enfraquecimento do acordo de leniência.
Necessidade de orientação dos órgãos de controle pelas súmulas do Tribunal de Contas da União
O Projeto de Lei estabelecia que os órgãos de controle deveriam orientar-se pelos enunciados das súmulas elaboradas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no tocante à aplicação da Nova Lei de Licitações e Contratos, de modo a garantir uniformidade de entendimentos e a propiciar segurança jurídica aos interessados.
O entendimento do presidente da República foi no sentido de que o dispositivo, ao criar força vinculante às súmulas do TCU, viola os princípios da separação dos poderes e do pacto federativo, bem como a autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
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