A urgência do “S” no ESG e o capitalismo de stakeholders
A pandemia acentuou desigualdades socioeconômicas, exigindo um maior comprometimento e engajamento ativo das companhias
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O ano de 2020 foi marcado por uma mudança profunda no entendimento de como fazer negócios e investimentos ao redor do mundo. Impulsionadas pelo Manifesto de Davos – que consolidou o conceito de capitalismo de stakeholders –, as questões ESG (Environmental, Social and Governance) adquiriram proporções globais, movimentando as discussões do mercado de capitais em diversos países e atraindo a atenção dos investidores para sua responsabilidade quanto a pautas como mudanças climáticas, diversidade, direitos humanos e governança para a sustentabilidade.
Seguindo o mesmo caminho, 2021 iniciou-se com uma tendência de aprofundamento dos compromissos firmados em 2020. Em sua recém-lançada carta, Larry Fink, CEO da BlackRock, reforça a mensagem de criação de valor a longo prazo, de forma sustentável para todos os stakeholders, destacando que 81% das companhias listadas em índices sustentáveis que adotaram o chamado “capitalismo de stakeholders” tiveram desempenho acima do esperado em relação aos índices de referência originários.
Mas foi no Fórum Econômico Mundial de 2021 que se discutiu um tema ainda tímido nos círculos de investimentos e que se fez urgente em razão dos efeitos da pandemia de Covid-19: a desigualdade.
De fato, a pandemia descortinou desigualdades entre regiões, classes sociais e países. Para além de fomentar reflexões detalhadas sobre a forma de produção dos bens de consumo e insumos e seus respectivos impactos ambientais, a pandemia acentuou gaps socioeconômicos históricos, especialmente em razão da crise econômica, agravada pela perda de postos de trabalho e fontes de renda de grande parte da população mundial.
Muitos desses fatores relacionam-se direta ou indiretamente com o impacto da pandemia no mundo dos negócios. As conclusões alcançadas pelo Global Risks Report, do Fórum Econômico Mundial, atestam que a pandemia teria causado uma “onda de choque econômica”, com a perda do equivalente em horas de trabalho a 495 milhões de empregos no segundo trimestre de 2020.
Esse cenário, segundo atestado pela Oxfam, confederação de organizações que atua na busca de soluções para o problema da pobreza, desigualdade e da injustiça, em seu relatório lançado em Davos, intitulado “O vírus da desigualdade”, demonstra que a pandemia de Covid-19 atuou como verdadeira catalisadora do aprofundamento das desigualdades. Antes da pandemia, três quartos dos trabalhadores não tinham acesso à proteção social; após a pandemia, estima-se que o total de pessoas vivendo na pobreza tenha aumentado entre 200 e 500 milhões.
No mesmo relatório, é afirmado que os efeitos da pandemia também agravaram desigualdades de gênero e raça, operando de forma mais grave sobre grupos minoritários: mulheres, negras e negros, afrodescendentes e povos indígenas. As mulheres, especialmente as racializadas, correm mais risco de perder seus empregos em decorrência da pandemia; na América Latina, negros e negras e povos indígenas têm maior probabilidade de morrer.
Cenário brasileiro
No Brasil, confirmou-se a tendência sinalizada pela Oxfam, já que em 2020 o tema da desigualdade racial adquiriu grande destaque, dessa vez sob o viés de graves violações cometidas por empresas.
A desigualdade desponta, assim, como um dos grandes temas sociais do ESG em 2021, avançando ainda mais nas discussões sobre o capitalismo de stakeholders ao convocar as companhias para assumirem um papel positivo de agentes de transformação socioeconômica em um mundo pós-pandemia.
No próprio Fórum Mundial foram dados passos iniciais na assunção desse papel, com a criação da Coalizão Partnering for Racial Justice in Business, integrada por 48 empresas globais as quais se comprometem a melhorar a justiça racial e étnica no ambiente de trabalho mediante adoção de práticas cotidianas e estratégias de longo prazo.
Iniciativas similares já vêm sendo adotadas pelo setor empresarial brasileiro há alguns anos, como a Coalizão Empresarial para Equidade Racial e Gênero e a Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência Contra a Mulher, as quais dialogam diretamente com a sociedade civil e a academia, discutindo maneiras de reduzir e endereçar as vulnerabilidades preexistentes no ambiente de trabalho. A formação de fóruns como as coalizões se mostra, portanto, uma tendência na elaboração conjunta de soluções para as minorias, refletindo papel relevante na construção de uma cultura corporativa focada na redução de desigualdades de uma forma sustentável em toda a cadeia de valor.
Outra solução adotada é a realização de processos seletivos direcionados a grupos minoritários específicos, visando a correção de assimetrias no quadro profissional e uma representação mais adequada e proporcional no ambiente corporativo dos grupos existentes em nossa sociedade. No último ano, tivemos alguns casos emblemáticos que geraram discussões sobre a inegável necessidade desse tipo de ação para corrigir desigualdades históricas. Como exemplo bem-sucedido, aplicado em âmbito setorial, temos o projeto Incluir Direito, do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), que atua como agente mediador entre os escritórios de advocacia associados e as universidades, buscando a prospecção ativa de profissionais negros para sanear a sub-representação dessa população nos escritórios de advocacia.
Há indicativos, portanto, que o capitalismo de stakeholders se fortalecerá como paradigma de atuação empresarial nos próximos anos, exigindo cada vez mais o aprofundamento dos compromissos ESG das companhias e seu engajamento ativo em temas de relevância para a sociedade, superando a lógica da simples prevenção de impactos negativos decorrentes da atividade econômica para a geração de valor compartilhado.
Para mais informações sobre responsabilidade social das empresas, consulte as práticas ESG e Organizações da sociedade civil, Negócios sociais e Direitos humanos do Mattos Filho.