

TJSP decide que associação civil não tem legitimidade para pedido de recuperação judicial
Por maioria de votos, Tribunal de Justiça de São Paulo entende que a LRF deve ser analisada restritivamente, impedindo o pedido de recuperação judicial por associações sem fins lucrativos ou filantrópicas
Assuntos
A 2º Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu, por maioria de votos, reformar a decisão de primeiro grau que havia deferido o processamento da recuperação judicial de uma associação sem fins lucrativos no julgamento do agravo de instrumento nº 2243173-90.2022.8.26.0000.
Para a maioria dos Desembargadores que compuseram o julgamento, a Lei de Recuperação Judicial e Falências (LRF) deve ser analisada restritivamente, com legitimidade circunscrita a instituições com finalidade lucrativa, uma vez que as associações civis não estariam sujeitas aos efeitos da recuperação judicial e da falência e teriam diferenças inconciliáveis com o regime recuperacional, visto que têm objeto com fim eminentemente social.
Histórico do caso
A entidade devedora é uma associação civil sem fins lucrativos do Estado de São Paulo do ramo da saúde e teve seu pedido de recuperação judicial deferido em 23 de setembro de 2022, uma vez que o juízo de primeiro grau entendeu que estariam preenchidos os requisitos legais para tanto.
Entretanto, um de seus credores insurgiu-se contra a decisão, alegando que a devedora seria um agente não empresário e teria benefícios de tratamento tributário diferenciado, de modo que não seria elegível para a recuperação judicial.
Entendimento do TJSP
De acordo com o voto vencedor, proferido pelo desembargador Grava Brazil, a recuperação judicial é um regime especial que só pode ser oferecido às instituições que se sujeitam à falência, pois seria a contrabalança do poder negocial concedido ao devedor.
O desembargador firmou que a associação não é passível de falência e que se desconhece eventual pedido de falência, de autofalência ou de sujeição de seu administrador à responsabilidade de crime falimentar. Assim, as associações civis, movidas por fins sociais e dissociadas do lucro, não podem ser legitimadas para o pedido de recuperação judicial, sob pena de se aproveitarem dos benefícios do processo recuperacional, sem correrem o risco de terem a falência decretada.
A decisão afirma que o controle da LRF é moldado a partir do risco e incentivo que os credores têm em investir em uma atividade econômica lucrativa, lógica inaplicável a instituições de natureza filantrópica ou não lucrativa, como as associações.
Aponta, ainda, que o legislador teria feito a escolha consciente de não mencionar as associações civis como excluídas da sua aplicação no art. 2º da LRF, uma vez que seus incisos listam somente atividades que se equiparariam à sociedade empresária mas não estariam submetidas ao seu regime. Nesse entendimento, as associações civis sequer poderiam ser equiparadas com os legitimados para que fosse necessária sua exclusão pelo artigo.
O voto vencedor também destacou questões econômicas que distinguem as associações civis das sociedades empresárias e impedem sua equiparação para fins de pedido de recuperação judicial. Isso porque, no entendimento majoritário do TJSP, a admissibilidade da recuperação para associação civil encareceria o crédito do setor ao viabilizar um procedimento antes não previsto e não cogitado pelo credor.
Além disso, afirma que as associações civis, em razão da relevante função social exercida, também contariam com doações e ajudas do poder público para superar suas dificuldades, de forma que essa responsabilidade do setor público, presente quando se trata de atendimento à saúde, não poderia ser transferida ao mercado pela via da recuperação judicial.
Já nos termos do voto vencido do desembargador Mauricio Pessoa, apesar de as associações civis não visarem o lucro, elas podem exercer atividade econômica organizada, com circulação de riquezas e impacto social. Assim, a LRF deveria ser interpretada de forma ampliativa, dada à multiplicidade de critérios para qualificação empresarial no direito brasileiro, sem necessidade, por exemplo, que a instituição possa ter sua falência decretada.
Por fim, concluiu seu voto divergente afirmando que, embora a associação civil seja beneficiária de vantagens fiscais, ela ainda gera dezenas de milhões de reais em tributos e, para auferir tais vantagens, cumpre diversas obrigações legais, inclusive quanto ao próprio pagamento de tributos e a regular escrituração de suas receitas e despesas. O desembargador também destacou que a associação devedora presta serviço de especial relevância social na área da saúde, por preços tabelados pelo Poder Executivo federal em convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS).
A posição adotada pelo TJSP conflita com outros Tribunais Estaduais, demonstrando a existência de controvérsia quanto à legitimidade das associações civis para ajuizarem pedido de recuperação judicial e até mesmo quanto a sua eventual convolação em falência.
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