STF julga constitucionalidade da pena por importação e venda de medicamentos sem registro
Decisão se baseia no Código Penal e pode impactar operações de importação, distribuição e comercialização no setor de fármacos
Está pautado para esta quarta-feira, 17 de março, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 979.962/RS, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral, cujo resultado poderá impactar o mercado farmacêutico, sobretudo os segmentos de importação, distribuição e comercialização de medicamentos.
O STF decidirá sobre a constitucionalidade da pena prevista no art. 273, § 1º-B, inc. I, do Código Penal, ao ato de quem “importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo” produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais “sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente”, a qual pode variar de 10 a 15 anos de reclusão e multa. Definirá, ainda, caso reconhecida ofensa à proporcionalidade, se é possível utilizar a pena de crime diverso como parâmetro condenatório.
O caso teve início com a acusação de sócio administrador de empresa atuante no comércio atacadista de medicamentos e drogas de uso humano, a qual importou e comercializou o medicamento Alprostadill 500 mg/ml, com nome comercial Prostin VR, sem o devido registro perante a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O empresário foi denunciado e processado pelo crime em questão, porém, sob o fundamento da desproporcionalidade da pena aludida, foi condenado pelo crime de importação e comércio ilegal de droga sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, disposto no art. 33, caput, da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), apenado com 5 a 15 anos de reclusão e multa. Interpostos recursos tanto pela defesa quanto pelo Ministério Público Federal, o caso chegou ao STF.
A discussão sobre a (des)proporcionalidade da pena prevista no art. 273 do Código Penal existe desde que esse dispositivo foi alterado pela Lei nº 9.677/98. Motivada, à época, pela repercussão midiática do caso das “pílulas de farinha” e pela venda de um lote falsificado de medicamento utilizado no tratamento de câncer de próstata, a alteração legislativa tornou crime condutas que antes eram apenas ilícitos administrativos – como as hipóteses associadas à mera ausência de registro específico na autoridade sanitária – e, para as hipóteses criminais já existentes, aumentou as penas de reclusão que à época eram de 2 a 6 anos (antigo art. 272 do CP) e de 1 a 3 anos (antigo art. 273) para 10 a 15 anos, e passou a tratar todas essas condutas como crimes hediondos. Assim, a pena mínima estabelecida para o crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput, CP) e as demais condutas disciplinadas nos parágrafos do mesmo artigo – cujas proibições aplicam-se também para matérias-primas, insumos farmacêuticos, cosméticos, saneantes e produtos de uso em diagnóstico (art. 273, § 1º-A, CP) – passou a ser muito superior às penas mínimas estabelecidas para crimes evidentemente mais graves, tais como os de homicídio simples (6 a 20 anos de reclusão, art. 121 do CP), tráfico de pessoas (4 a 8 anos de reclusão, art. 149-A do CP) e tráfico de drogas (5 a 15 anos de reclusão, art. 33 da Lei nº 11.343/06).
Impactos do julgamento
Essa incongruência legislativa é ainda mais clara quando se trata da mera ausência de registro na Anvisa para a importação e/ou comercialização de fármacos e medicamentos, suscitando questionamentos inclusive sobre a efetiva necessidade de intervenção penal em situação suficientemente disciplinada na esfera regulatória administrativa, a qual permite a aplicação de sanções como advertência, multa, inutilização do produto e suspensão de vendas e/ou fabricação, entre outras – nos termos da Lei nº 6.437/1977, a qual prevê infrações à legislação sanitária federal e estabelece sanções. De volta à controvérsia em torno da pena criminal, há, com efeito, um consenso doutrinário no sentido de sua desproporcionalidade, ao passo que, na jurisprudência, casos concretos têm tido soluções discrepantes – as quais justificaram a admissão unânime da repercussão geral do recurso a ser julgado pelo STF.
Como resultado do julgamento, o STF pode adotar soluções variadas. Poderá, claro, declarar constitucional a pena estabelecida para o crime do § 1º-B, I, do art. 273 do CP (note-se que a eventual desproporcionalidade da mesma pena em relação às demais condutas previstas no art. 273 do CP não é objeto do RE em discussão), legitimando a aplicação das sanções desproporcionais sufragadas pelo legislador em 1998; poderá declarar inconstitucional a pena por sua desproporcionalidade e validar a utilização, para esse delito, da pena inferior prevista para o crime de tráfico de drogas, a qual é de 5 a 15 anos mas pode ser reduzida em até dois terços (art. 33., § 4º, da Lei nº 11.343/06); e poderá, ainda, declarar inconstitucional a pena atualmente prevista no CP e determinar a necessidade de o Poder Legislativo editar nova lei que defina uma pena aplicável ao delito que seja proporcional à luz da ofensividade da conduta e das demais penas previstas na legislação criminal do país. No último caso, a conduta deixaria de ser punível criminalmente até uma reforma da legislação, e isso afetaria também casos em andamento e os já julgados em definitivo.
Em tempos de pandemia, o tema ganha anda mais importância, haja vista a intensa movimentação do setor farmacêutico na busca transnacional por medicamentos, insumos e vacinas que possam auxiliar no diagnóstico, prevenção e combate aos males causados pelo Covid-19.
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