Riscos de liquidação antecipada de garantia em execução fiscal
O regramento previsto na Lei de Execuções Fiscais e a evolução da jurisprudência quanto à liquidação antecipada da garantia
Assuntos
Dando sequência à série especial de artigos sobre execução fiscal, o presente texto trata da controvérsia relativa à liquidação execução antecipada de garantia ofertada pelo contribuinte, antes do trânsito em julgado de decisão judicial nos embargos à execução fiscal.
Necessidade de garantia para oposição de embargos à execução
A (Lei de Execuções Fiscais – LEF) exige o oferecimento de garantia como requisito para que o contribuinte possa opor embargos à execução fiscal, que o instrumento processual mais amplo, por admitir produção de provas, para insurgência contra o crédito tributário que se pretende exigir na ação executiva.
Dentre as hipóteses previstas pela Lei, destaca-se a possibilidade de oferecimento de fiança bancária e seguro garantia (artigo 16, inciso II, da LEF), que foram equiparados ao depósito judicial por meio dos artigos 9º, inciso II, § 3º, e 15, inciso I, da LEF, e que são modalidades menos onerosas ao contribuinte.
O seguro garantia, no âmbito federal, é regulado por meio da Portaria PGFN nº 164, de 27 de fevereiro de 2014 (Portaria PGFN 164/2014), ao passo que a fiança bancária, é regulamentada pela Portaria PGFN nº 644, de 1º de abril de 2009 (Portaria PGFN 644/2009).
Os requisitos exigidos pela PGFN em ambas as Portarias têm por finalidade garantir o pagamento do crédito tributário na hipótese de a discussão judicial se encerrar de forma desfavorável ao contribuinte.
Nesse caso, se o contribuinte não pagar a dívida executada, a instituição financeira ou a seguradora serão intimadas para efetuar o pagamento, sob pena de contra elas prosseguir a execução, nos termos do artigo 19, inciso II, da LEF.
Argumentos utilizados pela União para liquidação antecipada da garantia
O artigo 919 do do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que os embargos à execução, em regra, não terão efeito suspensivo, o que poderá ser concedido pelo magistrado quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.
Já o artigo 1.012, § 1º, inciso III, do CPC preceitua que a apelação não terá efeito suspensivo em relação à sentença que extinguir sem resolução do mérito ou julgar improcedente os embargos de devedor.
Com base nesses dispositivos, a União alega que a fiança bancária e o seguro garantia não tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, de modo que a aceitação dessas duas modalidades de garantia não obstam o prosseguimento da execução fiscal, salvo na hipótese de os embargos à execução e/ou recurso de apelação do contribuinte ser recebido no efeito suspensivo.
Isto é, diante da ausência de efeito suspensivo automático ao recurso de apelação, a União argumenta que a execução fiscal deve prosseguir com a intimação do terceiro que prestou a garantia (instituição financeira ou seguradora) para depositar o valor da dívida executada.
O depósito, por outro lado, por suspender a exigibilidade do crédito tributário e por força do mencionado artigo 32, § 2º, da LEF, apenas será levantado ou convertido em renda da Fazenda Pública após o trânsito em julgado.
A busca pela liquidação do seguro garantia ou fiança bancária, para sua transformação em depósito judicial beneficia a União na medida em que, de acordo com o artigo 1º, § 2º, da Lei nº 9.703/98, os depósitos judiciais referentes a tributos e contribuições federais serão efetuados na Caixa Econômica Federal, que os repassará à Conta Única do Tesouro Nacional.
Assim, uma vez repassado à Conta Única do Tesouro Nacional, a União pode utilizar esses valores para fins orçamentários.
Dessa forma, ainda que o depósito judicial realizado em decorrência da liquidação antecipada da garantia não possa ser convertido em renda em seu favor antes do trânsito em julgado, tal valor já pode ser utilizado pelo Fisco. Daí o seu interesse.
Entendimento jurisprudencial sobre o tema
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possuía entendimento no sentido de que, por serem equiparados ao depósito judicial, a liquidação da fiança bancária e do seguro garantia somente poderia ocorrer após o trânsito em julgado da decisão judicial nos embargos à execução fiscal. Nesse sentido, destacam-se alguns julgados: AgRg no REsp nº 1.254.985/SC; REsp nº 1.033.545/RJ; AgRg no AREsp nº 123.976/RS; AgRg no REsp 1254985/SC.
Não obstante, os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais passaram a proferir decisões em sentido contrário, gerando discussões recorrentes sobre o tema.
No âmbito estadual, destaca-se o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), favorável aos contribuintes, no sentido de impossibilidade da liquidação antecipada do seguro garantia antes do trânsito em julgado da decisão judicial em embargos do devedor, mesmo que ausente a concessão de efeito suspensivo aos embargos ou aos recursos.
Já em âmbito federal, o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) é ainda controverso, havendo tanto precedentes desfavoráveis aos contribuintes, no sentido de ser possível a liquidação antecipada do seguro garantia (quando ausente efeito suspensivo), ressalvada a conversão dos valores depositados para após o trânsito em julgado, como acórdãos entendendo pela impossibilidade da execução antecipada da garantia.
A título exemplificativo, destaca-se o Agravo de Instrumento nº 0006994-63.2016.4.03.0000, no qual o Relator, Desembargador Antonio Cedenho, consignou que “segundo o artigo 19, II, o terceiro que prestar caução pessoal somente será intimado para pagamento após a rejeição dos embargos, o que significa julgamento final”.
Em relação ao posicionamento atual do STJ, destacam-se decisões recentes nas quais a Corte Superior entendeu pela possibilidade de liquidação antecipada da garantia (fiança bancária ou seguro garantia), quando ausente concessão de efeito suspensivo, ressalvada a possibilidade de levantamento do depósito judicial realizado pelo terceiro que prestou a garantia para após o trânsito em julgado. Nesse sentido são os julgados: AgInt no REsp nº 1.963.214/SP; AgInt nos EDv nos EAREsp nº 1.646.379/RJ; REsp nº 1.996.660/RS.
Recentemente, em 22 de agosto de 2023, a Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, Ministra Assusete Magalhães, admitiu o Agravo em Recurso Especial nº 2.349.081/SP como recurso especial, para posterior análise da possibilidade de referido recurso ser admitido como representativo da controvérsia.
Na decisão, a Ministra destacou que “o propósito recursal consiste em definir sobre a possibilidade de liquidação do seguro-garantia antes do trânsito em julgado dos embargos à execução fiscal”. Além do AREsp nº 2.349.081/SP, foram selecionados os seguintes processos que também versam sobre o tema: REsp nº 2.077.314/SC, AREsp nº 2.370.994/SP, AREsp nº 2.378.207/SP , AREsp nº 2.376.897/SP e AREsp nº 2.349.081/SP.
Com o julgamento pelo STJ sob a sistemática dos recursos repetitivos, a discussão a respeito da possibilidade da execução antecipada do seguro garantia antes do trânsito em julgado da decisão em embargos à execução fiscal poderá ser solucionada.
Ainda, o Projeto de Lei n° 2.384/2023, conhecido como PL do CARF, que já foi aprovado pelo Congresso Nacional, poderá equacionar a controvérsia ao incluir o § 7° do no art. 9° da LEF para prever expressamente que “somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada”, caso tal alteração não seja vetada pelo Presidente da República quando da sanção.
Para mais informações sobre lei de execução fiscal, acompanhe a série especial do Mattos Filho sobre o tema.