Execução fiscal e os débitos oriundos de compensação: obstáculos e alternativas
Cabimento de embargos à execução, quando o débito objeto do feito executivo decorre de uma compensação administrativa não homologada, é uma das principais discussões envolvendo o tema
Assuntos
O presente artigo inaugura uma série de textos no Único sobre o tema da execução fiscal. Neste primeiro, serão abordados os obstáculos processuais e alternativas quando o débito exigido por meio de execução fiscal decorre de compensação não homologada pelo Fisco.
O cabimento de embargos à execução, quando o débito objeto do feito executivo decorre de uma compensação administrativa não homologada, é uma das principais discussões envolvendo o direito de defesa no âmbito das execuções fiscais. A controvérsia passa pela interpretação do artigo 16, § 3°, da Lei de Execuções Fiscais (LEF), o qual prevê que: “não será admitida reconvenção, nem compensação, e as exceções, salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos, serão argüidas como matéria preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos”.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou o entendimento sobre a matéria, conforme se passa a demonstrar.
Evolução da jurisprudência do STJ sobre a compensação em embargos à execução
Em 2009, ao julgar o Tema Repetitivo n° 294, o STJ orientava que “a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento do feito executivo, pode figurar como fundamento de defesa dos embargos à execução fiscal, a fim de ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA, máxime quando, à época da compensação, restaram atendidos os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário, e da existência de lei específica autorizativa da citada modalidade extintiva do crédito tributário”.
A despeito disso, as duas Turmas do STJ responsáveis por julgar matéria tributária, passaram a ter entendimentos divergentes sobre a matéria. A 1ª Turma do STJ entendia que a preexistência de pedidos de compensação seria suficiente para que a matéria fosse arguida em sede de embargos à execução (AgRg no AREsp: 217561 PR). Por outro lado, a 2ª Turma do STJ defendia que somente a compensação homologada na esfera administrativa seria oponível em sede de embargos à execução fiscal (REsp 1.231.733/SC).
Diante da divergência, a matéria foi recentemente analisada pela Primeira Seção do STJ no EREsp nº 1.795.347/RJ. Na oportunidade, prevaleceu o entendimento da 2ª Turma da Corte de que somente a compensação homologada na esfera administrativa seria oponível em sede de embargos à execução fiscal.
A interpretação conferida ao art. 16, § 3º, da LEF, na jurisprudência mais recente do STJ, parece divergir da intenção do legislador. Da leitura do dispositivo, não se extrai vedação à apresentação de defesa amparada por argumento de extinção do crédito tributário pela via da compensação que fora indeferida na esfera administrativa.
A vedação pretendia impedir que o executado, em embargos à execução fiscal, apresentasse como “defesa” a existência de crédito contra o Estado, buscando o encontro de contas. A leitura da exposição de motivos deixa claro que esta era a intenção do legislador.
O aparente equívoco interpretativo reside no fato de que o texto legal veda a “compensação” em sede de embargos, novo encontro de contas, situação muito distinta quando o contribuinte demonstra, nos embargos, que o crédito foi extinto (ou deveria tê-lo sido) por compensação anteriormente realizada.
Aliás, a Lei de Execuções Fiscais, que veicula a vedação interpretada pelo STJ, é anterior ao art. 66 da Lei 8.383/91 que instituiu a compensação administrativa. Logo, chega a ser ilógico compreender que o legislador teria o intuito de vedar o exercício de um direito que sequer existia.
A nova orientação do STJ limita o direito de defesa do executado em sede de Execução Fiscal, quando o direito que lhe ampara for a extinção do crédito tributário, por compensação, nos termos do art. 156, II, do CTN.
O relator do novo paradigma afirma que “a compensação efetuada pelo contribuinte pode figurar como fundamento de defesa se fora reconhecida administrativa ou judicialmente, porquanto “atendidos os requisitos da existência de crédito tributável compensável”.
Ora, em caso de reconhecimento administrativo ou judicial prévio de que a compensação era suficiente, sequer haveria execução fiscal, em razão da extinção pela compensação.
O tribunal ainda não o sedimentou em precedente vinculante, sob o rito dos recursos repetitivos, a possibilidade de discutir a compensação em embargos à execução. Dada a complexidade do sistema tributário, o contribuinte não poder ter o seu direito à ampla defesa restringido.
Logo, dada a relevância do tema, a matéria precisa da análise pormenorizada.
Efeitos da nova orientação do STJ
Caso a orientação pelo descabimento dos embargos à execução fiscal venha a ser chancelada pela Corte em precedente vinculante, seria recomendável a modulação de efeitos, com base no artigo 927, § 3º, do Código de Processo Civil.
É que desde 2009, quando do julgamento do Tema 294, os contribuintes que tinham compensações não homologadas e sofriam execuções fiscais, vinham exercendo o direito de defesa pela via dos embargos à execução, seguindo entendimento firmado sob o rito repetitivo.
O novo entendimento do STJ, que surpreendeu os contribuintes, pode frustrar o direito à ampla defesa, na medida em que seus embargos à execução fiscal serão extintos por suposta inadequação da via eleita, sendo que a conduta dos jurisdicionados fora norteada pela legislação interpretada pelo STJ.
Assim, em eventual julgamento de recurso no rito dos repetitivos, à luz dos princípios da inafastabilidade do acesso ao Poder Judiciário, da não surpresa e da segurança jurídica, é imperioso que a Corte module os efeitos da nova orientação, de modo a resguardar os contribuintes que têm demandas pendentes no Poder Judiciário, sob pena de negar-lhes direito de defesa.
Alternativa processual: a ação anulatória
Há um universo de execuções fiscais que discutem débitos cuja constituição é decorrente da não homologação de compensação.
Entende-se que seja possível pleitear a conversão dos embargos à execução em ação anulatória, por possuírem a mesma natureza de ação de conhecimento, que viabilizaria o exercício do direito à ampla defesa e atenderia ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.
Nas palavras do ministro Luiz Fux “os embargos à execução não encerram o único meio de insurgência contra a pretensão fiscal na via judicial, porquanto admitem-se, ainda, na via ordinária, as ações declaratória e anulatória, bem assim a via mandamental”. No mesmo sentido, a identidade de natureza jurídica de ações desconstitutivas do crédito tributário – embargos e anulatória – já foi atestada pelo ministro Teori Zavascki.
Portanto, à luz do princípio da instrumentalidade das formas e da primazia do julgamento de mérito, é imperioso que o Poder Judiciário acomode a discussão jurídica a ele apresentada, ainda que pela via da conversão dos embargos à execução fiscal em ação anulatória.
A propósito, o Código de Processo Civil, que é aplicado subsidiariamente ao rito das execuções fiscais, prevê em seu artigo 6º que todos os sujeitos do processo devem cooperar para viabilizar a decisão de mérito.
Este entendimento vem sendo acolhido pelo Judiciário, a exemplo de duas decisões da Justiça Federal de São Paulo.
No processo n° 0012727-20.2018.4.03.6182, o juiz federal Joao Roberto Ottavi Junior, considerando “que a ação foi recebida e processada em conformidade com a interpretação até então vigente sobre a possibilidade de utilização dos embargos para convalidar compensação anteriormente realizada, tenho que não se pode dar preferência ao formalismo, resultante de aparente mudança dessa interpretação, em detrimento da finalidade do processo, que é a entrega do direito às partes, pondo fim à lide”, deferiu “a conversão do rito processual eleito para que os presentes embargos à execução fiscal prossigam como ação anulatória, mantendo-se hígida a garantia prestada até o trânsito em julgado” (Processo n.).
Já no processo n. 5003298-07.2019.4.03.6182, o juiz federal Erik Frederico Gramstrup reconheceu que “os embargos foram recebidos à luz de certo entendimento jurisprudencial fixado em precedente, que agora, aparentemente, está sendo reinterpretado pelo E. STJ, a ponto de que não se possa chegar ao julgamento do mérito do feito, parece razoável, à luz dos princípios já invocados, que se consertem as formas para que o resultado prático da prestação jurisdicional prevaleça. (…) Por todo exposto, defiro a conversão do rito processual eleito, para que estes Embargos à Execução prossigam como Ação Anulatória de Débito Fiscal, preservada a garantia até o trânsito em julgado.”.
No caso de indeferimento, ao menos os embargos à execução deveriam ser extintos sem resolução de mérito. É que a conclusão de inadequação da via eleita impede o exame do mérito e, por isso mesmo, jamais poderia ser o fundamento para extinção do feito com resolução de mérito, o que impediria o manejo da ação anulatória.
Logo, na hipótese de se entender pelo descabimento dos embargos à execução fiscal para discutir débito oriundo de compensação não homologada pelo Fisco, há que se permitir a conversão dos embargos à execução em ação anulatória ou, ao menos, a extinção sem resolução de mérito daqueles para viabilizar o manejo da anulatória para que o contribuinte tenha acesso à adequada prestação jurisdicional que efetivamente examine o mérito.
Embora o art. 169 do CTN preveja que “prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição”. Há decisões entendendo que tal prazo também seria aplicável para ação anulatória quando o débito decorrer de compensação não homologada. Esse ponto é controvertido na jurisprudência.
De todo modo, há precedentes reconhecendo que a extinção da ação primitiva sem exame do mérito interrompe o prazo para o ajuizamento da segunda. Logo, há argumentos consistentes para sustentar que a extinção dos embargos à execução, sem reexame do mérito, interromperia o prazo para o ajuizamento da ação anulatória, caso o pedido de conversão, mencionado acima, não seja acolhido.
Para mais informações sobre lei de execução fiscal, acompanhe a série especial do Mattos Filho sobre o tema.