

Retrospectiva 2024: algumas das decisões mais marcantes do Superior Tribunal de Justiça
Posse de novos dirigentes e definição de integrantes para nomeação ao cargo de ministro também marcaram os 35 anos de funcionamento do STJ
Assuntos
Em 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) celebrou 35 anos de funcionamento e foram empossados seus novos dirigentes para conduzir o tribunal no biênio 2024-2026: o Ministro Herman Benjamin, na Presidência, e o Ministro Luis Felipe Salomão, na Vice-Presidência.
O Pleno do STJ definiu os integrantes de duas listas tríplices para nomeação ao cargo de ministro. A lista decorrente da aposentadoria da Ministra Laurita Vaz é composta por membros do Ministério Público, enquanto a relativa à aposentadoria da Ministra Assusete Magalhães, por Desembargadores Federais. As indicações pelo Presidente da República devem ocorrer em 2025.
Nesta retrospectiva, destacamos algumas decisões proferidas em 2024 que têm impacto relevante e devem orientar os agentes econômicos.
FEVEREIRO
- No julgamento da SLS 3.156-AM, a Corte Especial entendeu que a Defensoria Pública não tem legitimidade ativa para manejar pedido de Suspensão de Segurança ou de Suspensão de Liminar e Sentença, salvo para a preservação do interesse público primário, quando atua em defesa de prerrogativas institucionais próprias do Poder Público. Isso significa que a Defensoria Pública não pode ajuizar Suspensão de Segurança ou Suspensão de Liminar e Sentença em nome próprio na defesa do direito alheio, mas apenas para resguardar as próprias prerrogativas institucionais da própria Defensoria Pública.
MARÇO
- No julgamento do 2.101.226-SP, ao analisar os arts. 861 e 871 do CPC, que tratam do procedimento de avaliação para penhora das quotas ou das ações de sociedades personificadas, a Terceira Turma decidiu que um sócio pode exercer a preferência no direito de adquirir quotas ou ações penhoradas antes da realização do balanço especial, não sendo possível a rejeição imediata de seu requerimento.
Para a relatora, Ministra Nancy Andrighi, existe a possibilidade de o sócio se interessar pela aquisição das quotas ou ações penhoradas antes da intimação da sociedade. Para tanto, “o juiz deverá intimar as partes do processo a respeito da proposta e deverá dar ciência à sociedade, para evitar burla a eventual direito de preferência convencionado no contrato social”. Desse modo, se credor e devedor anuírem com o valor indicado pelo sócio e não houver oposição, será viável o exercício imediato do direito de preferência pelo sócio interessado, com a transferência das quotas ou ações à sua titularidade mediante acordo homologado nos autos entre credor, devedor e sócio adquirente.
- No julgamento do 2.105.812-SP, a Terceira Turma assentou que plano de saúde deve custear medicamento de uso domiciliar incluído no rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ainda que a primeira negativa tenha ocorrido quando o medicamento não se encontrava no rol. No caso analisado, o requerimento de custeio foi feito em data anterior a sua inclusão no rol da ANS.
A alegação da operadora do plano de saúde foi a de que, à época da negativa, o tratamento com a medicação pleiteada não estava previsto no rol da ANS, o que só veio a ocorrer após alguns meses. Ao seu ver, a questão deveria ser analisada de acordo com a resolução normativa vigente no momento da solicitação do medicamento.
Para a relatora, Ministra Nancy Andrighi, feita a inclusão do medicamento no rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, a operadora não pode mais recusar o seu custeio. Do contrário passaria a incorrer em negativa indevida de cobertura, na medida em que, até a inclusão do medicamento no rol da ANS, a operadora não estava obrigada a custear o medicamento, dada a taxatividade do rol, reiterada neste julgamento.
ABRIL
- Ao julgar o 2.066.868-SP, a Corte Especial resolveu a divergência jurisprudencial entre a Terceira e a Primeira Turmas, definindo que o prazo legal de 30 dias para protocolo de pedido principal relativo à tutela cautelar requerida em caráter antecedente (art. 308 do CPC) tem natureza processual e, portanto, deve ser contado em dias úteis.
A Terceira Turma havia decidido que o prazo, por ser processual, deveria ser contado em dias úteis, enquanto a Primeira Turma, ao qualificá-lo como um prazo decadencial, determinava a contagem em dias corridos.
De acordo com o Ministro Sebastião Reis, “(a) inovação legislativa, com a alteração profunda do sistema da tutela cautelar antecedente, deixa claro que o prazo do artigo 308 do CPC/2015 é processual e como desdobramento lógico, sua contagem deverá ser realizada apenas considerando os dias úteis“.
- A Segunda Seção julgou o 1.962.275-GO sob o rito dos recursos repetitivos (Tema nº 1.156) e decidiu que a simples demora no atendimento bancário não torna o dano moral presumível. Assim, nesses casos, a responsabilização civil da instituição bancária penderá não apenas da ocorrência de ato ilícito, mas também de efetiva prova do dano moral e do nexo de causalidade.
De acordo com o relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, admitir o dano presumido nas diversas hipóteses de demora no atendimento bancário motivaria uma onda de ações judiciais em favor do suposto direito à melhor utilização do tempo livre, “algo extremamente pessoal e que depende de análise acerca da extensão do dano (artigo 944 do CC/2002)”.
MAIO
- No julgamento do 2.123.225-SP, a Terceira Turma estabeleceu que, em concurso singular de credores, a caução locatícia configura direito real de garantia com efeitos de hipoteca, apta a gerar preferência do credor caucionário sobre o produto da expropriação do imóvel, desde que a caução tenha sido averbada na matrícula do imóvel.
O autor da ação de execução pretendeu satisfazer o seu crédito por meio da expropriação de um imóvel do devedor, o que foi impugnado por uma imobiliária, também credora, que ingressou nos autos como terceira interessada, defendendo direito de preferência no recebimento dos créditos oriundos da expropriação, sob o argumento de que possui caução locatícia do bem penhorado, averbada na matrícula do imóvel. Para a relatora, Ministra Nancy Andrighi, “(e)mbora a caução não esteja listada como um dos direitos reais no Código Civil, entende-se que, estando averbada na matrícula do imóvel, ela tem efeito de garantia real, tal qual uma hipoteca”.
JUNHO
- Ao julgar o 1.503.485-CE, a Quarta Turma decidiu que a prescrição da pretensão de cobrança não impede a busca e apreensão de bens adquirido em alienação fiduciária.
No caso em questão, o adquirente comprou bem sujeito à alienação fiduciária, de forma que, enquanto não quitada a dívida, ele permaneceu apenas com a posse indireta do bem. Configurado o inadimplemento, o credor fiduciário, proprietário do bem até a quitação da dívida, pode optar pelo ajuizamento de ação de cobrança (ou, se tiver título executivo extrajudicial, promover sua execução) ou pela busca e apreensão do bem dado em garantia. Assim, mesmo com a prescrição da pretensão de cobrança, o STJ decidiu que permanece possível a satisfação do crédito por meio da busca e apreensão.
O voto condutor do Ministro Antonio Carlos destacou que, “existindo no ordenamento outro instrumento jurídico-processual com equivalente resultado, cujo exercício não tenha sido atingido pelo fenômeno prescricional, descabe subtrair do credor o direito à busca pela satisfação de seu crédito, por qualquer outro meio, sob pena de estender os efeitos da prescrição para o próprio direito subjetivo”.
- No julgamento do 2.211.940-DF, ao interpretar o art. 224, § 1º, do CPC de forma mais favorável à parte recorrente, a Segunda Seção entendeu que a comprovação da indisponibilidade do sistema eletrônico não precisa ser feita no ato da interposição do recurso, mas pode ser realizada em momento posterior. A Segunda Seção conclui que seria desarrazoado exigir que, no dia útil seguinte ao término de prazo recursal, a parte protocolasse documento oficial que comprovasse a instabilidade do sistema, considerando que não é a parte a responsável pela disponibilização desse registro.
AGOSTO
- Ao interpretar o 329 do CPC, com base nos princípios da economia processual e da primazia do julgamento de mérito, a Terceira Turma, no julgamento do REsp. 2.128.955-MS, reconheceu ser possível a modificação do polo passivo de demanda judicial após o saneamento do processo, mesmo sem a autorização do réu, desde que não haja alteração do pedido ou da causa de pedir;
- A Corte Especial concluiu o julgamento do 1.795.982-SP, consolidando o entendimento de que, ausente estipulação contratual ou legal específica, a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) é aplicável, nos casos de incidência simultânea de correção monetária e juros de mora, sobre o valor de dívidas civis e indenizatórias. Essa mesma orientação jurisprudencial consolidada pelo STJ foi positivada na Lei 14.905/2024, que alterou o Código Civil.
SETEMBRO
- No julgamento do 2.065.876-SP, a Quarta Turma reafirmou que, na hipótese de exclusão de apenas um dos litisconsortes da demanda, o juiz não está obrigado a fixar honorários advocatícios sucumbenciais nos limites estabelecidos pelo art. 85, § 2º, do CPC.
Assim, adotando o critério da proporcionalidade, o STJ fixou em 6% os honorários advocatícios devidos aos advogados de uma empresa excluída do polo passivo de uma ação de revisão de aposentadoria.
- No julgamento do 2.121.365-MG, ao interpretar o art. 499 do CPC, a Primeira Turma assentou que a obrigação de fazer pode ser convertida em perdas e danos em qualquer fase processual, independentemente de pedido do titular do direito, quando for impossível o cumprimento da tutela específica. O voto condutor, da lavra da Ministra Regina Helena, assentou que, “caso a mora do devedor torne inviável a concessão da tutela específica pleiteada na inicial, pode a obrigação ser convertida, ex officio, e em qualquer fase processual, em reparação por perdas e danos, sem prejuízo da multa fixada para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação, enquanto perdurar sua viabilidade”.
OUTUBRO
- No julgamento do 2.135.344-RS, a Terceira Turma aplicou o princípio da fungibilidade recursal e determinou o processamento de apelação, como agravo de instrumento, que impugnou decisão que negou extensão dos efeitos de falência.
O acórdão destacou que a reforma da Lei nº 11.101/05, pela Lei nº 14.112/20, deixou expressa, a possibilidade de extensão dos efeitos da falência quando estiverem presentes os requisitos da desconsideração da personalidade jurídica, o que indica, nos termos do art. 1.015, IV, do CPC, que o recurso cabível é o agravo de instrumento. No entanto, a imprecisão técnica do ato judicial analisado nos autos ensejou dúvida objetiva quanto à sua natureza, o que afastou a configuração de erro grosseiro.
- No julgamento de agravo interno no 2.056.198-PR, a Primeira Seção definiu que é inadmissível a interposição de recurso especial contra acórdão que, embora fixe tese em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), tem origem em mandado de segurança denegado pelo Tribunal de origem. O colegiado aduziu que o art. 987, caput, do CPC deve ser interpretado de maneira sistemática com o texto constitucional, que estabelece expressamente o recurso ordinário como o cabível.
NOVEMBRO
- A Segunda Seção julgou os Recursos Especiais nº 908.497-RN e 1.913.392-MG, afetados ao Tema repetitivo 1.104, para definir, por unanimidade, que “(o) direito ao trânsito seguro, bem como os notórios e inequívocos danos materiais e morais coletivos decorrentes do tráfego reiterado, em rodovias, de veículo com excesso de peso, autorizam a imposição de tutela inibitória e a responsabilização civil do agente infrator”.
Para o relator, Ministro Teodoro Silva Santos, embora o Código de Trânsito Brasileiro preveja a aplicação de multas para o caso de tráfego de caminhões com excesso de peso em veículos, o Judiciário também pode adotar outras medidas para responsabilizar as transportadoras pela deterioração das rodovias.
- A Primeira Seção aprovou duas súmulas:
Súmula 674: “A autoridade administrativa pode se utilizar de fundamentação per relationem nos processos disciplinares.”
Súmula 675: “É legítima a atuação dos órgãos de defesa do consumidor na aplicação de sanções administrativas previstas no CDC quando a conduta praticada ofender direito consumerista, o que não exclui nem inviabiliza a atuação do órgão ou entidade de controle quando a atividade é regulada.”
Para mais informações e atualizações, acompanhe a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.
*Com a colaboração de Fernanda Lobo.