

Ministério da Fazenda apresenta propostas para regulação econômica e concorrencial de plataformas digitais
Documento sistematiza propostas de medidas legais e infralegais a serem consideradas em futura regulação, incluindo mudanças no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência que dariam maior relevância ao Cade nesse debate
Assuntos
A Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda (SRE/MF) divulgou, no dia 10 de outubro de 2024 (última quinta-feira), 12 propostas de medidas legais e infralegais para regulação econômica e concorrencial das plataformas digitais, no relatório “Plataformas Digitais: aspectos econômicos e concorrenciais e recomendações para aprimoramentos regulatórios no Brasil” (o “Relatório”).
O Relatório foi produzido a partir da análise de regulamentos editados em outros países nos últimos anos (a exemplo do Digital Markets Act – DMA, da União Europeia), bem como das contribuições enviadas pela sociedade civil e por autoridades à Tomada de Subsídios nº 01 da SRE/MF sobre o tema, que ocorreu entre janeiro e maio de 2024. O documento apresenta as conclusões do Ministério da Fazenda, com destaque para a indicação de que as ferramentas atualmente previstas na legislação vigente – em particular, a Lei nº 12.529/2011 (a Lei de Defesa da Concorrência, ou LDC) – não seriam suficientes para lidar com os desafios impostos pela evolução do mundo digital. Na visão do Ministério da Fazenda, isso justificaria a alteração da Lei de Defesa da Concorrência para a inclusão de novas medidas com esse objetivo.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) publicou uma nota oficial manifestando sua concordância com as propostas apresentadas no Relatório, o qual, segundo a nota, está em linha com a contribuição submetida pelo Cade à Tomada de Subsídios. A autoridade manifestou-se no sentido de que uma abordagem regulatória ex ante, em complemento à LDC, seria essencial para enfrentar as questões estruturais do mercado digital.
O Relatório
O Relatório está segmentado em dois eixos de propostas: (i) o eixo 1 refere-se a propostas de mudanças no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e na LDC, após o devido processo legislativo, para dotar o Cade de ferramentas alegadamente mais eficazes para intervir nas questões concorrenciais relativas especificamente às chamadas “plataformas de relevância sistêmica” (definidas, pelo Relatório, como “agentes de grande porte que controlam ecossistemas complexos com efeitos de rede acentuados”); e (ii) o eixo 2 refere-se a propostas de atualizações na aplicação da LDC, com foco em recomendações de natureza infralegal ou soft law (ou seja, que não exijam alterações legislativas), com o objetivo amplo de aprimorar a lei vigente e os procedimentos de análise do Cade para promover a concorrência em mercados digitais.
Eixo 1 – Propostas específicas de alterações legislativas para a promoção da concorrência nos casos específicos envolvendo plataformas com relevância sistêmica:
1. Criação de procedimento para que o Cade designe “plataformas de relevância sistêmica”, a partir de critérios qualitativos e quantitativos, mediante deliberação do Tribunal do Cade:
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- A lei estabelecerá rol de critérios qualitativos, como: presença em mercados de múltiplos lados; poder de mercado associado a efeitos de rede; integrações verticais em mercados relacionados; acesso a grandes volumes de dados pessoais e outros.
- A lei estabelecerá critérios de faturamento mínimo, tanto em âmbito global quanto no Brasil. Empresas cujo faturamento seja inferior aos valores estabelecidos estarão isentas dessa designação (safe harbour).
2. Introdução de obrigações procedimentais e de transparência impostas aos agentes designados como “plataformas de relevância sistêmica”, tais como a obrigação de notificação prévia de atos de concentração; e regras de transparência para usuários finais e profissionais sobre informações comerciais relevantes para uso e oferta de serviços e produtos.
3. Estabelecimento de procedimento para que o Cade investigue empresas designadas “plataformas de relevância sistêmica”, com a definição de obrigações substantivas que podem ser impostas pelo Cade de maneira individualizada.
4. Criação de uma unidade especializada no Cade responsável pela implementação das novas ferramentas. Essa unidade será responsável por monitorar mercados digitais, designar agentes econômicos, estabelecer e monitorar obrigações e investigar possíveis violações.
5. Implementação e monitoramento das obrigações substantivas em cooperação com órgãos reguladores como Anatel e ANPD, quando necessário. Esses reguladores poderão ser envolvidos no desenho, implementação e monitoramento de obrigações específicas definidas após investigação dos agentes designados.
6. Fortalecimento das competências do Cade para a realização de estudos de mercados, conferindo ao Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade poderes para requerer informações e analisar um determinado setor ou indústria, por iniciativa própria ou a pedido de outros órgãos.
7. Criação de fórum de cooperação interinstitucional entre o Cade e outros órgãos federais (como Anatel, ANPD e Senacon) para temas relacionados a mercados digitais.
Eixo 2 – Propostas de ajustes na aplicação das ferramentas antitruste já existentes para promover a concorrência em mercados digitais:
8. Revisão de guias, diretrizes e prática do Cade para aprimoramento contínuo da identificação e avaliação de riscos concorrenciais atrelados a plataformas digitais, como a inclusão de análises de redes e ecossistemas.
9. Revisão do formulário de notificação de atos de concentração utilizado pelo Cade, incluindo questões que sejam específicas sobre mercados digitais.
10. Possível adoção do rito ordinário para análise de atos de concentração envolvendo plataformas digitais que tenham um elevado número de usuários, desde que atendam aos critérios de faturamento mínimo estabelecidos na lei para notificação prévia obrigatória.
11. Uso, quando conveniente e necessário, da hipótese de requerimento de submissão ao Cade de atos de concentração que, mesmo não se encaixando nos critérios formais de notificação prévia obrigatória, possam levar a risco à concorrência, conforme artigo 88, §7º, da LDC. Segundo o Relatório, isto será especialmente relevante em casos com integração vertical entre plataformas digitais ou que impliquem acesso a um maior volume de dados relevantes para a concorrência.
12. Atualização da Portaria Interministerial nº 994/2012 para elevar os valores de faturamento bruto vigentes para notificação prévia obrigatória de atos de concentração. Com isso, o Cade terá condições de concentrar seus esforços na análise de operações com maior potencial lesivo à concorrência.
A publicação do Relatório se dá em um contexto de intensas discussões envolvendo regulação de mercados digitais e do setor de tecnologia, no exterior e no Brasil. Com o Relatório, a SRE/MF busca aprofundar o entendimento sobre os aspectos econômicos e concorrenciais das plataformas digitais no Brasil e, a partir disso, subsidiar propostas capazes de aprimorar o SBDC -incluindo propostas já em discussão nos Poderes Executivo e Legislativo.
Para mais informações sobre o tema, conheça as práticas de Direito Concorrencial e Tecnologia do Mattos Filho.