Cade arquiva processos administrativos em casos de cartéis por insuficiência de provas
Temas como a interface entre defesa da concorrência e regulação setorial repressiva e grupos de compras também foram recentemente analisados pelo Tribunal
Standard probatório em casos de cartéis
Desde o início de 2024, o Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) arquivou dois processos administrativos para apurar a ocorrência de cartel, um no mercado de hidrômetros e outro envolvendo empreiteiras participantes de uma licitação, por insuficiência de provas em relação a alguns dos representados. Os casos enfatizaram a necessidade de uma análise cuidadosa de provas indiretas e unilaterais, mesmo em casos originados de um Acordo de Leniência ou de um Termo de Cessação de Conduta (TCC).
Alguns dos pontos discutidos nos julgados incluem:
- Acordos de Leniência e TCCs não ensejam uma condenação automática dos demais investigados, e precisam de corroboração e de suporte probatório suficiente para afastar dúvida razoável quanto à participação dos representados nas condutas;
- Reforço de entendimento anterior no sentido da insuficiência de conjunto probatório formado apenas por provas unilaterais, ou seja, evidências que envolvam apenas um participante do suposto conluio, opostamente a evidências bilaterais ou multilaterais;
- Indicação da fragilidade de conjunto probatório formado apenas por provas indiretas, ou seja, evidências que denotam indícios do conluio, mas que não o comprovam diretamente de forma cabal, especialmente quando sejam escassas ou ambíguas;
- Sinalização de que documentos ou tabelas apócrifos, produzidos unilateralmente, com autoria desconhecida, não bastariam para provar uma combinação plurissubjetiva;
- A comprovação de relação comercial legítima entre representados pode ser uma narrativa alternativa à do conluio, a depender da especificidade do caso e das provas constantes nos autos.
Os julgamentos recentes representam uma sinalização importante na discussão do padrão de prova aplicado a investigações de cartéis, especialmente considerando a nova composição do Tribunal do Cade.
Cade analisa consulta da Buser: debates entre defesa da concorrência e regulação setorial
A Buser submeteu consulta ao Tribunal do Cade questionando se eventual sujeição à nova proposta de regulamentação da ANTT (Resolução 6033/2023 da ANTT) poderia configurar violação à Lei de Defesa da Concorrência, tendo em vista o suposto caráter anticompetitivo da regulação.
Seguindo o voto relator do conselheiro Victor Fernandes, o Tribunal do Cade decidiu por unanimidade que a consulta não era cabível, uma vez que não seria via processual apropriada para revisão de atos normativos de órgãos reguladores e tem por finalidade endereçar condutas e situações concretas que possam suscitar riscos concorrenciais.
Destacou-se a necessidade de garantir a harmonia entre regulação setorial e defesa da concorrência, observando que a responsabilização por infração à ordem econômica só pode ocorrer quando o agente econômico possui autonomia comportamental diante da norma regulatória.
Por fim, o Tribunal do Cade reconheceu a importância de discutir o tema dentro da advocacia da concorrência, visando a promover mercados mais dinâmicos e competitivos. O Conselheiro Gustavo Augusto Freitas de Lima foi vencido em sua proposta de, para os efeitos de advocacia da concorrência, encaminhar a cópia da decisão à ANTT.
Formação de grupos de compras
Em abril, durante sessão de julgamento do Tribunal do Cade, o plenário analisou consulta da Cassol e Todimo para a pretendida formação de um grupo de compra envolvendo as duas empresas de materiais de construção. As empresas, que atuam em diferentes municípios, propuseram a criação de um “Comitê de Compras” para negociar condições gerais de aquisição junto a seus principais fornecedores em âmbito nacional, mantendo, contudo, a independência na celebração dos contratos, compra dos produtos, definição do preço e gerenciamento logístico.
O Conselheiro-Relator Carlos Jacques Vieira Gomes analisou a consulta sob três aspectos:
- O exercício de poder de monopsônio;
- A troca de informações sensíveis entre as empresas; e
- A configuração do acordo como um contrato associativo.
O conselheiro concluiu que as empresas não tinham volume de compras suficiente para que tivessem controle sobre os fornecedores e que o varejo para construção civil é um mercado bastante pulverizado, com a presença de diversos players. Tais fatos, associados à estrutura da própria parceria que prevê baixo grau de cooperação e ingerência entre as empresas, também foram suficientes para descartar a caracterização de um empreendimento comum e compartilhamento de riscos e, portanto, afastar a caracterização de um contrato associativo notificável ao Cade.
Embora o Conselheiro Gustavo Augusto tenha acompanhado o voto do Conselheiro-Relator, confirmando que a operação não despertava preocupações concorrenciais, por voto vogal expressou sua opinião no sentido de que acordos de compra entre concorrentes devem ser apresentados ao Cade, seja via consulta ou por meio de atos de concentração (como contratos associativos).
A decisão sistematiza o racional das análises envolvendo acordos de compras entre concorrentes, sugerindo que, no futuro, empresas que planejam formar acordos semelhantes deverão avaliar seus arranjos a partir dos três elementos destacados na decisão: poder de compra, trocas de informações e avaliação de enquadramento ou não como contrato associativo notificável. Com relação ao último ponto, a decisão da maioria do Tribunal a princípio apontou para um caminho de não-notificação, mas divergências suscitadas a esse respeito mantêm a discussão ainda com algum nível de subjetividade.
Para mais informações sobre os temas, conheça a prática de Direito concorrencial do Mattos Filho.