A quarentena e os deveres de proteção aos consumidores no e-commerce
Com o comércio de rua fechado durante o período da pandemia de coronavírus, consumidores migraram suas compras para o comércio eletrônico. Além de lidarem com a logística para responder ao aumento do consumo, empresas de comércio eletrônico também se depararam com a recente entrada em vigor do Decreto Federal nº 10.271/2020, que internaliza a resolução do Grupo Mercado Comum (GMC) nº 37/19 para uniformizar a proteção aos consumidores no comércio eletrônico nos países integrantes do Mercosul. Apesar da aparente novidade, a internalização da norma não deve trazer preocupações relevantes para aqueles que já ofereciam um serviço alinhado com o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Decreto Federal n° 7.962/2013 (Decreto de Comércio Eletrônico).
O GMC é um dos órgãos executivos do Mercosul, integrado por cinco membros titulares e cinco membros alternativos por país, designados pelos respectivos governos. O GMC tem capacidade decisória e de natureza intergovernamental com a finalidade de garantir o cumprimento do Protocolo de Assunção, estipular programas que assegurem a instituição de um mercado comum entre os membros signatários e negociar – em nome do Mercosul – com países terceiros. No campo regulatório, a atividade do grupo se concretiza através da aprovação de Resoluções, obrigatórias para todos os Estados partes.
Replicando diversas das obrigações previamente estabelecidas no CDC e no Decreto de Comércio Eletrônico, a Resolução GMC nº 37/2019, internalizada pelo Decreto Federal nº 10.271/2020 em 6 de março de 2020, tem como objeto central o avanço e o impulsionamento de ações para a proteção dos consumidores no comércio eletrônico e se fundamenta em três pilares de proteção: a proteção informacional dos consumidores, o direito de arrependimento e a resolução de conflitos online dos indivíduos que realizam compras nas plataformas digitais.
Com relação às obrigações informacionais, o Decreto Federal nº 10.271/2020 reproduz a maior parte dos encargos informativos preexistentes na legislação brasileira e impõe o dever de fornecimento de informações claras e de fácil acesso sobre o fornecedor, o produto e/ou serviço e a transação realizada. Além de informações claras sobre a pessoa jurídica responsável pelo negócio, o fornecedor deve assegurar informações sobre o fabricante do produto; identificar o registros dos produtos sujeitos a regimes de autorização prévia; assegurar o claro entendimento de todos os termos do contrato, ficando obrigado a apresentar um resumo antes de sua formalização e o contrato em um formato que possa ser armazenado de forma inalterável; e um mecanismo de confirmação expressa da decisão de efetuar a transação, não se admitindo o silêncio do consumidor como consentimento.
No que se refere ao direito de arrependimento, o Decreto Federal nº 10.271/2020 reforça o disposto no artigo 49 do CDC e assegura que o consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento ou retratação nos prazos que a norma aplicável estabelecer. Sobre o assunto, é importante acompanhar o andamento do Projeto de Lei 1179/2020, proposto pelo Senador Antônio Anastasia e já aprovado pelo Senado Federal, que suspende a aplicação do direito de arrependimento na hipótese de compras feitas por delivery e por meio de aplicativos de entrega de produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos.
Por fim, com relação à resolução de conflitos online, o Decreto Federal nº 10.271/2020 normatiza a prática exitosa no Brasil consolidada no consumidor.gov.br, plataforma pública de resolução de conflitos por meio da internet, e assegura aos consumidores um serviço eficiente de atendimento de consultas e reclamações proporcionado pelo fornecedor.
Como se vê, a resolução GMC nº 37/2019 reproduz uma série de dispositivos normativos já vigentes no ordenamento jurídico brasileiro e a sua internalização pelo Decreto nº 10.271/2020 muito pouco acrescenta à regulamentação da matéria no ordenamento jurídico brasileiro, não exigindo grandes alterações daqueles que lidam com o comércio eletrônico no Brasil nesse período de quarentena e já seguiam com atenção à legislação consumerista.
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