Sancionada lei que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens
Norma trata de responsabilidade social de empreendedores e reparações devidas a populações atingidas por barragens
O presidente da República sancionou, com vetos, em 15 de dezembro de 2023, a Lei nº 14.755/2023, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). Em vigor desde 18 de dezembro, data da sua publicação no Diário Oficial da União (DOU), a Lei também define os direitos das Populações Atingidas por Barragens (Populações Atingidas), prevê conteúdos a serem seguidos pelo Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PDPAB) e estabelece regras de responsabilidade social do empreendedor possuidor de estruturas de barragens.
Barragens alcançadas pela norma
A Lei nº 14.755 é aplicável àquelas barragens que se enquadram na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Tratam-se, portanto, de barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos (inclusive de mineração) ou à acumulação de resíduos industriais. Essas barragens devem ter, pelo menos, uma das seguintes características:
- Altura do maciço maior ou igual a 15 metros;
- Capacidade total do reservatório maior ou igual a 3.000.000m³;
- Reservatório com resíduos perigosos, conforme as normas técnicas aplicáveis;
- Seja classificada na categoria de dano potencial associado médio ou alto ou seja caracterizada como barragem de risco alto, a critério do órgão fiscalizador.
Além disso, a lei prevê sua aplicação no âmbito do licenciamento ambiental das barragens mencionadas acima ou quando houver caso de emergência que decorra de vazamento ou rompimento de tal estrutura.
No texto aprovado pelo Congresso Nacional, havia dispositivo que previa a aplicação também para situações ocorridas ou iminentes, mas tal dispositivo foi vetado pelo presidente da República por entender que daria margem a interpretações divergentes sobre a temporalidade da lei, ou seja, poder-se-ia alegar que a norma atingiria casos já ocorridos ou licenciamentos ambientais já em andamento, o que acarretaria insegurança jurídica.
Definição de Populações Atingidas por Barragens
Segundo a lei, as Populações Atingidas são aqueles grupos populacionais que, quando da construção, operação, desativação ou rompimento da barragem, enquadram-se em ao menos uma das situações a seguir:
- Perda da propriedade ou posse de seu imóvel;
- Desvalorização de seu imóvel por conta da proximidade ou por estar a jusante da barragem;
- Perda da capacidade produtiva de suas terras;
- Perda do produto ou de áreas de exercício da atividade pesqueira ou de manejo de recursos naturais;
- Interrupção prolongada ou alteração da qualidade da água que prejudique seu abastecimento; Perda de fontes de renda e trabalho;
- Mudança de hábitos das Populações Atingidas;
- Alteração no modo de vida de populações indígenas e comunidades tradicionais;
- Interrupção de acesso a áreas urbanas e comunidades rurais.
O texto original aprovado pelo Congresso Nacional previa, ainda, que outros impactos porventura indicados a critério do órgão ambiental licenciador também poderiam caracterizar uma População Atingida, mas esse trecho foi vetado no texto final em razão das incertezas jurídicas que poderia acarretar.
Direitos das Populações Atingidas por Barragens
As Populações Atingidas têm direito a reparações variadas no âmbito do PDPAB, que deverão considerar as particularidades dos grupos, comunidades, famílias e indivíduos afetados, e poderão assumir a forma de: reposição dos bens ou situações destruídos ou prejudicados; indenização monetária; ou compensação equivalente em outros bens ou situações; e, ainda, compensação social, que representa um benefício material adicional às outras três reparações acima mencionadas.
O texto aprovado pelo Congresso Nacional abrangia, na compensação social, situações imensuráveis ou de difícil mensuração, como o rompimento de laços familiares e culturais, as mudanças de hábitos, a destruição de modos de vida comunitários, os danos morais e os abalos psicológicos. A referência a essas situações foi vetada pelo presidente da República no texto final.
Além das reparações, são outros direitos das Populações Atingidas previstos na Lei:
- Reassentamento coletivo, de forma a preservar laços culturais e de vizinhança,
- Negociação quanto às formas de reparação e assuntos correlatos;
- Opção livre e informada sobre as alternativas de reparação;
- Assessoria técnica independente;
- Auxílio emergencial nos casos de acidentes ou desastres;
- Indenização por danos materiais;
- Reparação por danos morais, inclusive coletivos;
- Reassentamento e implantação de projetos relacionados, com condições adequadas de moradia e espaços comuns;
- Escrituração e registro dos imóveis decorrentes do reassentamento;
- Implementação de planos de recuperação e desenvolvimento econômico e social;
- Acesso à informação e consulta pública, entre outros.
Além disso, aqueles grupos que exploram a terra em regime de economia familiar passam a fazer jus à reparação pelas perdas materiais, compensação pelo deslocamento no âmbito do reassentamento, compensação por perdas imateriais e o estabelecimento de programas de assistência técnica para auxiliar na reconstituição dos modos de vida e das redes de relações sociais, culturais e econômicas.
Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PDPAB)
Sempre que uma barragem se enquadrar nos casos previstos na Lei nº 14.755 deve ser criado um PDPAB, às custas do empreendedor que possui a barragem. Esse programa deverá ser submetido à aprovação do Comitê Local da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), que tem por objetivo prever e assegurar, no caso concreto, os direitos estabelecidos pela política.
Sem prejuízo de outras disposições, o programa deverá conter específicos para parcelas da população porventura atingida pela barragem, tais como, mulheres, idosos, crianças, pessoas com deficiência ou em situação de vulnerabilidade, assim como animais domésticos e de criação, populações indígenas e comunidades tradicionais.
Além disso, o programa deverá trazer disposições específicas para tratar dos impactos à saúde coletiva, saneamento ambiental, habitação, educação e outras áreas afetadas por eventual rompimento ou vazamento da barragem, da recomposição das perdas decorrentes do enchimento do reservatório, vazamento ou rompimento da barragem, dos pescadores e da atividade pesqueira, de comunidades que recebam pessoas reassentadas, e de outras atividades ou situações a serem regulamentadas.
Arranjos institucionais da PNAB
Institucionalmente, a PNAB contará com um órgão colegiado a nível nacional, que terá natureza consultiva e deliberativa para acompanhar, fiscalizar e avaliar a formulação e implementação, com representantes do poder público, empreendedores possuidores de barragens e de movimentos sociais de atingidos por barragens.
Comitês Locais da PNAB também deverão ser instituídos, com o mesmo desenho tripartite e com a incumbência de acompanhar, fiscalizar e avaliar cada PDPAB. Representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública também poderão participar das reuniões do colegiado nacional, assim como dos colegiados locais.
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