Foi publicada, em 17 de dezembro de 2021, a Lei Complementar nº 187/2021, que dispõe sobre a Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas) e os procedimentos para fruição da imunidade de contribuições para a Seguridade Social prevista no parágrafo 7º do artigo 195 da Constituição Federal.
Fruto da aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 134/2009 no Congresso Nacional, a lei complementar estabelece as contrapartidas a serem cumpridas pelas entidades sem fins lucrativos atuantes nas áreas da saúde, educação e assistência social, revogando a Lei anteriormente aplicável à matéria, a Lei nº 12.101/2009. Esta última, por ser lei ordinária, teve sua constitucionalidade questionada em diversas ações judiciais e Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), tendo resultado na declaração de inconstitucionalidade de alguns de seus dispositivos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e na determinação de que a matéria fosse disciplinada por lei complementar, nos termos exigidos pela Constituição Federal.
Em linhas gerais, o texto sancionado manteve a redação aprovada no Congresso Nacional, reproduzindo boa parte das previsões da Lei nº 12.101/2009, no que se refere às contrapartidas a serem cumpridas pelas entidades para obter a certificação e, consequentemente, fruir da imunidade. O que chama atenção na versão sancionada são os vetos a alguns dos dispositivos que podem impactar significativamente as entidades sem fins lucrativos.
Regras de transição
Entre os dispositivos vetados, está o parágrafo 2º do artigo 40 que previa, como regra de transição, que os requerimentos de certificação pendentes de decisão seriam avaliados conforme as regras da legislação vigentes à época de seu protocolo.
Tal dispositivo visava conferir maior previsibilidade às entidades interessadas em obter ou renovar sua certificação, deixando claras as regras que seriam aplicadas na avaliação de seu requerimento, conferindo segurança jurídica aos protocolos realizados previamente à publicação da nova lei.
Com a ausência da previsão, há dúvidas quanto às regras a serem aplicadas, sendo possível que os requerimentos já protocolados sejam avaliados com base em regras editadas posteriormente ao seu protocolo, gerando insegurança para as organizações, situação essa que já resultou em muitas discussões no passado, no momento de transição do regime jurídico estabelecido pela MP nº 446/2008 para a Lei n° 12.101/2009.
Outro veto significativo diz respeito ao parágrafo único do artigo 41, que detalhava a regra prevista no caput sobre a extinção dos créditos tributários que tenham sido lançados em razão do descumprimento de dispositivos da legislação ordinária declarados inconstitucionais pelo STF, notadamente dispositivos da Lei nº 12.101/2009.
O dispositivo delimitava o alcance da regra de transição, indicando que a extinção seria aplicada aos créditos tributários constituídos pela União, oriundos ou não de autos de infração, com exigibilidade suspensa, pendentes de julgamento, parcelados ou inscritos em dívida ativa, ou mesmo em fase de execução fiscal já ajuizada.
Ocorre que o veto do parágrafo único e manutenção da redação do caput deixa dúvidas acerca da aplicabilidade da regra de transição, gerando insegurança jurídica para as entidades que tiveram créditos tributários constituídos em virtude do não cumprimento de contrapartidas já declaradas inconstitucionais pelo STF.
Entidades de educação
No que diz respeito às entidades que atuam na área da educação, o texto sancionado traz vetos a dispositivos que podem gerar discussões e insegurança jurídica.
Destacamos o veto ao artigo 18, parágrafo 4º, dispositivo que determinava que o Cebas seria expedido em favor da entidade mantenedora das instituições de ensino, já que se caracteriza como a pessoa jurídica titular do direito à imunidade tributária. Como se sabe, os estabelecimentos de ensino mantidos não possuem personalidade jurídica própria, sendo filiais ou centros de custo da matriz.
As razões de veto revelam confusões de conceitos sobre entidades mantenedoras e suas mantidas, podendo resultar em dificuldades na operacionalização da concessão da certificação para as entidades educacionais e fruição da imunidade correspondente.
Ainda, foi vetado integralmente o artigo 28, que dispunha sobre a possibilidade das entidades educacionais que não cumprissem com a proporção exigida na Lei para oferta de bolsas de estudos assinarem Termo de Ajuste de Gratuidade (TAG) para compensarem o número de bolsas no exercício seguinte.
O texto aprovado no Congresso Nacional previa a possibilidade de assinatura do TAG uma vez por período de certificação – a cada três anos, portanto –, sendo um avanço em relação à Lei nº 12.101/2009, a qual possibilitava a assinatura do TAG apenas uma vez a cada 10 anos e ainda exigia que a compensação se desse com acréscimo de 20% sobre o percentual não atingido ou sobre o número de bolsas não concedido.
Entidades de saúde
Quanto às entidades de saúde, foi vetado dispositivo que tratava da possibilidade de que novas formas de atuação das entidades em ações de promoção de saúde fossem estabelecidas em regulamento, sob a justificativa de que haveria “ampliação” do alcance da imunidade tributária via regulamento, contrariando a exigência constitucional de que a imunidade seja regulamentada por lei complementar.
Entidades de assistência social
Já para as entidades assistenciais, a principal alteração refere-se à limitação de que as instituições de longa permanência ou casas lares recebam, em contraprestação aos serviços prestados, o valor correspondente a 70% dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos. O PLP previa situações excepcionais nos quais as organizações poderiam receber valores acima desse limite, o que foi vetado pela presidência da República.
Por fim, entre os demais vetos trazidos no texto sancionado, destacamos a retirada da prioridade às entidades beneficentes para celebração de convênios e contratos com o poder público, antes prevista no artigo 42 do texto aprovado no Congresso Nacional.
Os vetos ainda podem ser objeto de análise conjunta por parte do Congresso Nacional, que pode mantê-los ou derrubá-los. Caso sejam derrubados, os dispositivos vetados passam a integrar a nova lei publicada.
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