Dia de Doar: ações filantrópicas e cultura de doação
Data assinala compromisso com a filantropia e promove oportunidades de mobilização às organizações da sociedade civil
Assuntos
Idealizado nos Estados Unidos em 2012, o Dia de Doar tem como objetivo principal o engajamento em torno de projetos e iniciativas voltadas a causas sociais. No Brasil, a data é celebrada desde 2013 e tem se mostrado um marco importante para a conjugação de esforços e recursos em favor das organizações da sociedade civil e das causas por elas promovidas.
Além de proporcionar benefícios claros à sustentabilidade financeira das entidades sem fins lucrativos, o Dia de Doar apresenta uma oportunidade para consolidar ainda mais a cultura da doação no contexto brasileiro. Em especial, a data traz consigo a possibilidade de debater as novas estruturas jurídicas disponíveis para doadores atualmente, e as demandas das entidades para o avanço da agenda.
Fundos patrimoniais
A partir da instituição da Lei nº 13.800/2019, uma nova forma de estruturar a captação de recursos privados para finalidades de interesse público e causas sociais tem movimentado a pauta da filantropia e das doações no Brasil.
Nos termos da nova legislação, os fundos patrimoniais devem ser geridos por pessoas jurídicas sem fins lucrativos, constituídas na forma de associações ou fundações, que se dedicarão exclusivamente à arrecadação, gestão e destinação de recursos a instituições apoiadas (cujas estruturas devem ser segregadas), voltadas à consecução do interesse público, por meio da atuação nas áreas da educação, saúde, cultura, ciência, tecnologia entre outras.
Nessa nova estrutura, os fundos patrimoniais oferecem ainda mais segurança ao doador, garantindo que as doações realizadas serão efetivamente repassadas às organizações ou causas nas quais acreditam e que, de fato, contribuirão para a constituição de uma fonte perene de recursos.
Por meio de uma gestão qualificada e profissionalizada, os fundos podem alcançar resultados significativos, preservando o montante principal e investindo os rendimentos em projetos a longo prazo.
Entendimento da Receita Federal sobre fundos patrimoniais
Em resposta à consulta formulada pela Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação do Ministério da Economia, a Receita Federal do Brasil (RFB) manifestou, em 4 de outubro de 2021, seu entendimento sobre diversos quesitos relacionados ao regime tributário e impactos decorrentes para as organizações responsáveis pela gestão de fundos patrimoniais nos termos da Lei.
Dentre eles, destacam-se a possibilidade de as organizações gestoras de fundos patrimoniais usufruírem do regime tributário de isenção, desde que cumpridos os requisitos legais para tanto, bem como a possibilidade de fruição dos incentivos fiscais previstos na Lei nº 9.249/1995 – já aplicáveis às demais organizações da sociedade civil.
Dada a relevância da figura dos fundos patrimoniais e das organizações gestoras, é importante que haja ainda mais avanços nas questões tributárias aplicáveis a tais iniciativas, de modo que as organizações devem se unir para pleitear condições regulatórias mais favoráveis que fomentem suas atividades – que geram tanto impacto positivo na sociedade.
Os reflexos da reforma tributária nas doações
Alvo de amplos debates ao longo dos últimos meses, os impactos econômicos de uma possível reforma tributária também poderão recair diretamente sobre as organizações da sociedade civil e suas formas de financiamento, em especial, no que diz respeito aos incentivos fiscais a doações.
Dentre os diversos projetos que têm sido discutidos na esfera Legislativa, destaca-se o PL 2337/2021, que propõe a alteração na legislação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das Pessoas Físicas (IRPF) e das Pessoas Jurídicas (IRPJ), bem como da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em especial, o PL prevê redução significativa na alíquota do IRPJ, fato que pode impactar a arrecadação das diversas organizações da sociedade civil e, consequentemente, a execução de seus projetos.
Isso porque a atual estrutura de incentivos fiscais às doações está atrelada, em grande medida, à incidência desses sobre o IRPJ. Assim, a redução na alíquota de tal imposto implicaria na diminuição da quantidade de recursos arrecadados e, consequentemente, na parcela disponível para captação pelas organizações do terceiro setor, por meio de incentivos fiscais, com efeitos diretos sobre a sua sustentabilidade financeira.
De modo a mitigar os efeitos às organizações em virtude da redução de valores disponíveis para sua captação de recursos, o PL propõe um aumento nos limites para dedução do IRPJ para empresas tributadas pelo lucro real que doarem às entidades que desenvolvam projetos em determinadas áreas e voltados a determinado público-alvo, como criança e adolescente, idosos, audiovisual, esporte, entre outros.
A despeito do aumento proposto, que é favorável às entidades que dependem das doações para custeio de suas atividades, o texto legal ainda poderá ser modificado pelo Senado, de modo que demanda atenção por parte do terceiro setor e da sociedade como um todo.
A incidência do ITCMD e seu impacto sobre as doações
O Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é o imposto estadual que incide sobre as doações no Brasil e continua sendo um gargalo importante para a expansão da cultura de doação no país.
Conforme já debatido amplamente entre o Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE), a Associação Brasileira de Captação de Recursos (ABCR) e o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), entre outros, o Brasil integra a lista dos três países do mundo que ainda mantêm tributação sobre doações filantrópicas, isto é, aquelas que têm como propósito contribuir para causas sociais na forma de apoio financeiro a organizações que nelas atuam, na contramão da tendência internacional.
Ainda que a maior parte dos Estados inclua as doações às organizações da sociedade civil entre as hipóteses de não incidência do ITCMD, especialmente aquelas que atuem nas áreas da saúde, educação e assistência social, via de regra os procedimentos para reconhecimento da imunidade ou isenção ao tributo demandam que as entidades passem por diversas etapas a fim de obtê-lo.
Além disso, é exigida sua renovação periódica, o que acaba por gerar um desincentivo às entidades que poderiam usufruir desse benefício para potencializar sua captação de recursos. Soma-se a isso a pluralidade de legislações que tratam do tema, dado se tratar de um tributo de competência estadual, resultando em verdadeira barreira para a difusão da cultura da doação no país.
Nesse sentido, o Dia de Doar, além de se mostrar uma oportunidade para entidades interessadas em fortalecer sua captação de recursos é uma data que permite fomentar o debate a respeito do papel que estruturas jurídicas e iniciativas regulatórias podem ter na promoção da sustentabilidade de organizações da sociedade civil e no fortalecimento da cultura da doação no país.
Para mais informações a respeito dos aspectos jurídicos da captação de recursos de entidades sem fins lucrativos e outros temas pertinentes ao terceiro setor, conheça a prática de Organizações da sociedade civil, Negócios sociais e Direitos Humanos do Mattos Filho.