Norma geral antielisiva e o regulamento exigido pelo artigo 116 do CTN
A auto aplicabilidade do parágrafo único do Código Tributário Nacional é tema controverso na jurisprudência do CARF
Assuntos
Ultrapassados 20 anos da alteração introduzida pela Lei Complementar n° 104/2001 na redação do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), ainda pende de regulamentação o quanto disposto em seu parágrafo único.
O trecho em questão prevê a faculdade de a autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária “observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.
Assim, verifica-se que a disposição legal em exame exige que seja publicada lei, formalmente ordinária, que regule os procedimentos a serem estabelecidos para que tal desconsideração seja aplicada pela autoridade administrativa. Isso posto, enquanto pendente a regulamentação, por lei, é vedada a aplicação do referido dispositivo pelas autoridades administrativas, e por consequência, a desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados pelos contribuintes.
Nesse sentido, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), em diferentes oportunidades, manifestou o entendimento de que enquanto não editada a lei ordinária exigida no parágrafo único do artigo 116 do CTN, a autoridade fiscal fica impedida de desconsiderar os atos ou negócios jurídicos praticados pelos contribuintes. A título exemplificativo, tem-se os acórdãos n°s 1301-001.356 e 2403-002.705, publicados nos anos de 2014 e 2015, respectivamente.
Entretanto, não obstante a literalidade do dispositivo legal que reclama regulamentação, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) manifesta entendimento no sentido de que as autoridades fiscais detêm poderes para desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados pelos contribuintes.
Referido entendimento tem como fundamento de que há de prevalecer “o dever fundamental de pagar tributos” e que o Decreto n° 70.235/1972 regulamentou o procedimento fiscal como um todo, sendo extensível à regulamentação mencionada no parágrafo único do artigo 116 do CTN, conforme entendimentos sedimentados nos acórdãos n°s 9101-002.953 e 9101-003.447, respectivamente publicados nos anos de 2017 e 2018.
Diferentemente do que é afirmado nos referidos julgados da CSRF, inexiste qualquer norma em nosso sistema jurídico que determine quais são os procedimentos para desconsideração dos atos ou negócios jurídicos praticados pelos contribuintes, nos termos prescritos no referido parágrafo único do artigo 116 do CTN.
Parecer do STF
A conclusão acima exposta decorre da constatação de alguns fatos e de recente manifestação do Supremo Tribuna Federal (STF).
O primeiro seria a observância do quanto dispunha, em sua redação original, a medida provisória n° 66/2002, que estabelecia os procedimentos exigidos pelo parágrafo único do artigo 116 do CTN. Entretanto, a mencionada medida provisória foi posteriormente convertida na Lei n° 10.637/2002 e os artigos que regulamentariam a norma antielisiva acabariam rejeitados pelo Poder Legislativo.
Já o segundo fato traz a constatação de que, passados alguns anos, em 2015, foi editada a medida provisória n° 685 que finalmente regulamentaria o referido parágrafo único do artigo 116. Ocorre que, de forma sintomática, quando da conversão na Lei n° 13.202/2015, foram novamente descartados os dispositivos que poderiam regulamentar o procedimento de desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados pelos contribuintes.
Diante das reiteradas tentativas de regulamentação e sintomáticas rejeições por parte do Poder Legislativo, forçoso indagar o motivo pelo qual haveria a necessidade de se regulamentar os procedimentos em questão se esses já, de fato, estivessem regulamentados pelo Decreto n.º 70.235/1972, nos termos afirmados na jurisprudência da CSRF.
Melhor ainda: se já regulamentados, como imaginosamente afirmado pela jurisprudência da CSRF, o que justificaria a recusa explícita por parte do Poder Legislativo em aprovar qualquer tentativa de regulamentação do indigitado parágrafo único do artigo 116 do CTN?
Um resposta pode ser o parecer recente do STF, quando do início do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2446 – ação que questiona a constitucionalidade da norma que introduziu o parágrafo único do artigo 116 do CTN –,a ministra Carmen Lúcia, relatora do julgamento, afirmou que “A plena eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer procedimentos a serem seguidos (…) Assim, o parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional pende, ainda hoje, de regulamentação”.
Passagem que merece especial destaque, por seu cunho didático, clareza e objetividade, é o trecho do voto em que a ministra afirma que a norma contida no parágrafo único do artigo 116 do CTN não veda a elisão fiscal, indicando que é permitido ao contribuinte buscar vias legítimas objetivando a economia fiscal, realizando, assim, as suas atividades de forma menos onerosa.
Dos fatos acima, conclui-se que a norma contida no parágrafo único do artigo 116 do CTN pende de regulamentação, bem como que o direito de livre associação e organização por parte dos contribuintes objetivando a otimização de sua carga tributária é legítimo, repousando ambos em fundamentos constitucionais. Aponta-se, também, que a atual jurisprudência da CSRF não repousa nos melhores fundamentos e merece ser, o quanto antes, revista.
Para mais informações sobre o tema, acompanhe a série especial Impactos do fim do voto e qualidade.