O CARF e a amortização do ágio: cenário atual e potenciais discussões futuras
Tema se tornou recorrente em debates do Conselho e promete perdurar por alguns anos
Assuntos
Com origem na edição da Lei nº 9.532/97, em especial em seus artigos 7º e 8º, a amortização do ágio decorrente da aquisição de empresas se tornou tema recorrente de discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) nos últimos 20 anos.
Durante esse período, foram diversos os debates que circundaram o tema , sendo a matéria, em regra, decidida de forma desfavorável aos contribuintes, por voto de qualidade, pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF).
Não obstante, com o fim do voto de qualidade favorável ao Fisco e a chegada dos casos com influência do regime da Lei nº 12.973/2014 ao CARF, os contribuintes podem encontrar um novo cenário nos julgamentos futuros, seja em razão de novas discussões, seja em razão do critério de desempate a seu favor (artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002, acrescido pelo artigo 28 da Lei nº 13.988/2020).
Até 2015, ano em que as atividades do CARF ficaram paralisadas por quase um ano, pode-se dizer, de forma sintetizada, que a validade da amortização fiscal do ágio era julgada pelas Turmas Ordinárias (não existia posicionamento consolidado da CSRF, até então) com base na verificação da existência dos seguintes elementos: efetivo fluxo financeiro, transação entre partes independentes e lisura na avaliação da rentabilidade futura.
Exemplificando tal entendimento, a Turma Ordinária do CARF, em 05 de dezembro de 2012, por meio do acórdão nº 1402.001.310, decidiu que as premissas básicas para amortização do ágio, seriam: o efetivo pagamento do custo total de aquisição, inclusive o ágio, a realização das operações originais entre partes não ligadas e a lisura na avaliação da empresa adquirida com fundamento na expectativa de rentabilidade futura.
A constatação dos elementos apontados acima levava os conselheiros a reconhecerem a validade da amortização do ágio em um número significativo dos casos (mais de 50%), inclusive naqueles em que as operações eram feitas por meio da chamada “sociedade veículo”.
Confusão patrimonial
Com o retorno das atividades do CARF, no final de 2015, a discussão da validade da amortização do ágio migrou majoritariamente para a verificação da existência da “confusão patrimonial”, entre o investimento adquirido com ágio e o “real adquirente”.
Segundo este entendimento, o “real adquirente” seria apenas, por exemplo, uma sociedade operacional que, na origem, desembolsou seus recursos próprios para a aquisição. Desste modo, na prática, o acolhimento dessa tese implicou na impossibilidade de ocorrer a “confusão patrimonial” e, consequentemente, a amortização do ágio originado de aquisição feita por meio da “sociedade veículo” (holding capitalizada por seu controlador que, por questões negociais, realiza a aquisição do investimento com ágio ou recebe o investimento adquirido com ágio), na medida em que, no entendimento predominante da CSRF, esta sociedade não teria condições financeiras de arcar com a operação como “real adquirente” ou não poderia receber investimento “transferido” com ágio.
Nesse sentido, vale destaque o acórdão nº 9101-004.500, proferido em 6 de novembro de 2019, pela CSRF, consignando que não é possível o aproveitamento do ágio se a “investidora real” transferiu recursos a uma “empresa-veículo” com a específica finalidade de sua aplicação na aquisição de participação societária em outra empresa, e se a “confusão patrimonial” advinda do processo de incorporação não envolve a pessoa jurídica que efetivamente desembolsou os valores que propiciaram o surgimento do ágio, ainda que a operação que o originou tenha sido celebrada entre terceiros independentes e com efetivo pagamento do preço.
Com efeito, a partir de 2016, a ocorrência da “confusão patrimonial” entre o ativo adquirido e o “real adquirente” tem se tornado exigência recorrente nas decisões da CSRF, acarretando a formação de uma jurisprudência , praticamente unânime, desfavorável aos contribuintes quanto ao tema.
Conquanto, é importante destacar que os referidos julgados da CSRF, em sua grande maioria, foram decididos por meio do voto de qualidade, sendo que poderão, nos próximos anos, sofrer uma reviravolta, uma vez que, com o advento da Lei nº 13.988/2020, o legislador entendeu por introduzir no processo administrativo uma nova regra de julgamento: nos casos em que houver um empate de votos no âmbito do CARF, a matéria deverá ser decidida a favor do contribuinte (Cumpre destacar que foram ajuizadas, no Supremo Tribunal Federal, Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 6.399 e 6.403, contra o dispositivo da citada Lei que estabeleceu o fim do voto de qualidade. Contudo, o julgamento foi suspenso, em 6 de abril de 2021, em virtude do pedido de vista do Ministro Roberto Barroso).
Adicionalmente, espera-se que o CARF também passe a analisar novos temas concernentes à amortização do ágio, os quais serão analisados a partir das disposições da Lei nº 12.973/2014, como a mensuração e o aproveitamento fiscal do ágio após a convergência aos padrões contábeis internacionais, ganhando evidência a forma de elaboração do laudo de avaliação e a alocação do preço de aquisição do ativo adquirido.
Por tanto, muito embora a análise dos requisitos de validade para a amortização do ágio seja tema antigo no CARF, a matéria ainda promete muita discussão para o futuro.
Para saber mais sobre o tema, acompanhe a série especial ‘Impactos do fim do voto de qualidade’.