Câmara Superior afasta tributação sobre a permuta de imóveis
Entendimento favorável aos contribuintes prevaleceu em razão do fim do voto de qualidade
Assuntos
O ano de 2020 terminou com uma vitória inédita aos contribuintes: em 10 de novembro, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) decidiu, após empate na votação, que não incide Imposto sobre a renda das pessoas jurídicas (IRPJ) nas operações de permuta imobiliária realizadas por pessoas jurídicas optantes pelo regime do lucro presumido.
A decisão favorável prevaleceu em razão da metodologia de desempate introduzida pela Lei nº 13.988/2020 – cuja constitucionalidade é questionada nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6.399, 6.403 e 6.415 – teve como fundamento a natureza da operação, entendendo o colegiado que a troca de imóveis não compõe a receita bruta da pessoa jurídica, por ter natureza distinta de uma operação de compra e venda.
Natureza dos contratos de permuta
Em síntese, tem-se por contrato de permuta o negócio jurídico em que as partes se obrigam, reciprocamente, a entregar coisas, sem envolver dinheiro, que poderá servir meramente como complemento (torna) e não como cerne do contrato.
Tal contrato é previsto no artigo 533, do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que estabelece que à operação em questão se aplicam as disposições destinadas ao contrato de compra e venda.
Contudo, não obstante o legislador tenha nivelado a regulamentação com tal dispositivo, não se pode esquecer que se trata de institutos distintos de Direito Civil, como salienta De Plácido e Silva na obra Vocabulário Jurídico Conciso: “na venda há um preço. Na permuta, a troca de valores é firmada na sua equivalência, pelo que dela se exclui qualquer obrigação que resulte na entrega de soma em dinheiro”.
A permuta imobiliária
De acordo com a Lei nº 4.591/64, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.
No desenvolvimento de suas atividades, as sociedades que atuam no ramo de incorporação imobiliária elegem o contrato de permuta imobiliária para adquirir terrenos edificáveis, que podem ser trocados por unidades autônomas prontas ou a serem construídas no terreno adquirido.
IRPJ das pessoas jurídicas optantes pelo regime do lucro presumido e receita bruta das incorporadoras imobiliárias
O regime de tributação pelo lucro presumido é simplificado, possibilitando ao contribuinte a substituição da apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) por um coeficiente fictício, aplicável sobre sua receita bruta que, por sua vez, é composta pela receita oriunda do desenvolvimento de seu objeto principal, nos termos do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77.
Em complemento, o artigo 30 da Lei 8.981/95 dispõe que, para fins de composição da receita bruta, as pessoas jurídicas que explorem atividades de incorporação imobiliária deverão considerar o montante efetivamente recebido pelas unidades imobiliárias vendidas.
Em 1988, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa nº 107, que dispõe sobre os procedimentos a serem adotados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas nas permutas de bens imóveis, estabelecendo que, no caso de permuta sem pagamento de torna, a permutante não tem resultado a apurar, devendo atribuir ao bem que receber o mesmo valor contábil do bem baixado em sua escrituração.
Entretanto, à época da publicação não era permitida a opção pelo lucro presumido por parte das empresas imobiliárias, o que somente foi viabilizado a partir de 1º de janeiro de 1999, com a introdução da Lei nº 9.718/98, gerando diversos questionamentos por parte dos contribuintes optantes por esta sistemática.
Antigo posicionamento adotado pelo CARF
A Receita Federal entendia que a Instrução Normativa 107/88 não valeria para empresas no lucro presumido, chegando a veicular o Parecer Normativo nº 9/2014, firmando a orientação no sentido que, para fins de apuração das bases de cálculo do IRPJ, CSLL, contribuição ao PIS e COFINS, o valor do imóvel recebido em permuta constitui receita bruta, assim como eventual montante recebido a título de torna. O CARF, com base no voto de qualidade, referendava tal posicionamento.
Tal entendimento adotava como premissa a irrelevância da natureza do desembolso da pessoa jurídica no desenvolvimento de sua atividade econômica no lucro presumido, vez que nessa sistemática não são admitidas deduções de custos e despesas quando da apuração do lucro tributável. Deste modo, as incorporadoras imobiliárias não poderiam deduzir o custo dos imóveis objeto de operações de permutas imobiliárias na determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Afastamento do IRPJ na permuta de imóveis pela CSRF
No recente acórdão nº 9101-005.204, a pessoa jurídica foi autuada pela Receita Federal por operar na sistemática do lucro presumido e não tributar as operações de troca de imóveis ocorridas no período de 2001 a 2003.
Revertendo a jurisprudência então dominante, os Conselheiros entenderam que o valor do imóvel permutado (sem torna) não deve compor a receita imobiliária, na medida em que se trata de mera substituição de ativos, pois “o próprio conceito de permuta, de existência milenar, exprime um negócio de troca, que na sua própria natureza depreende-se equivalência e neutralidade econômica”.
Isso porque não há qualquer acréscimo patrimonial ou disponibilidade de renda, que somente se efetivará com a venda e “se for tributada a simples operação de permuta de imóvel e, posteriormente, também se tributar a venda desse mesmo imóvel recebido em troca, fica clara a dupla oneração de apenas uma transação mercantil”.
Outro argumento aventado pelos Conselheiros foi o de que, nos termos do já mencionado artigo 30 da Lei nº 8.981/95, as pessoas jurídicas que exploram atividades de incorporação imobiliária devem considerar como receita bruta o montante efetivamente recebido relativo às unidades imobiliárias vendidas, o que excluiria a operação de troca de imóvel da receita imobiliária.
Tal posicionamento alinha-se ao da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que na ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.733.560/SC, sob relatoria do Ministro Herman Benjamin, firmou entendimento no sentido de que é inviável a tributação das permutas imobiliárias no regime do lucro presumido, ante a inexistência de lucro da empresa.
Cumpre salientar que o entendimento desfavorável aos contribuintes se mantinha no CARF em virtude do voto de qualidade, o que nos leva a crer que, com o seu fim, a tendência será a prevalência do novo entendimento, possibilitando aos contribuintes, que optavam por discutir diretamente no judiciário, em razão dos precedentes favoráveis, a discussão desta matéria também na esfera administrativa.
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