A tributação de lucros no exterior sob a ótica da Câmara Superior do CARF
Conselho entende pela tributação automática dos lucros gerados fora do país também nos casos em que há Acordos de Bitributação
Assuntos
Durante a vigência do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, a tributação de lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior foi objeto de recorrentes autuações fiscais, sob a alegação de que referidos lucros deveriam ser tributados automaticamente pelo investidor brasileiro ao final do ano-calendário, independentemente da existência de acordos internacionais firmados pelo Brasil para se evitar a dupla tributação da renda (Acordos de Bitributação).
Tais autuações tinham como fundamento a Solução de Consulta Interna Cosit nº 18/2013, que determina que a aplicação de referido dispositivo legal não constituiu violação aos Acordos de Bitributação, uma vez que o Brasil não estaria tributando os lucros da sociedade domiciliada no exterior, mas, sim, a parcela equivalente aos lucros auferidos pela própria investidora brasileira.
O cerne dessa controvérsia, entre os contribuintes e Fisco, dá-se, portanto, na existência, ou não, de conflito entre a norma tributária brasileira – o mencionado artigo 74 da MP nº 2.158-35/2001 – e os Acordos de Bitributação firmados pelo Brasil.
Tributação no Brasil
O dispositivo legal, que foi expressamente revogado pela Lei nº 12.973/2014, determinava que os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior seriam considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tivessem sido apurados.
Na visão dos contribuintes, para as coligadas e controladas localizadas em países em que o Brasil possui Acordo de Bitributação firmado, o artigo 7º desse acordo (que se baseia no modelo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE) impediria referida tributação automática no Brasil, pois, por força desse dispositivo, os lucros auferidos no exterior somente poderiam ser ali tributados.
Na sistemática dos Acordos de Bitributação, apenas na hipótese de distribuição de tais lucros, na forma de dividendos, é que deveria ocorrer a sua tributação no Brasil, sendo concedido, via de regra, crédito do tributo pago no exterior para dedução do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), devidos pelo investidor brasileiro.
Constitucionalidade do artigo 74
No Judiciário, em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, nos autos da ADI nº 2.588, pela constitucionalidade do artigo 74 da MP nº 2.158-35/2001 no que tange à tributação automática dos lucros auferidos por controladas localizadas em países considerados paraísos fiscais ou que tenham regime fiscal privilegiado. Porém, em relação aos lucros apurados por coligadas em países com tributação regular, entendeu-se pela sua inconstitucionalidade.
No entanto, a questão relativa à aplicação dos Acordos de Bitributação não foi resolvida por esse julgado, o que resultou na continuidade das discussões administrativas e judiciais. Posteriormente, em 2014, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nos autos do Recurso Especial nº 1.325.709 que o mencionado artigo 7º do Acordo de Bitributação afasta a citada tributação automática dos lucros auferidos no exterior.
Contudo, na esfera administrativa, a posição atual da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) é no sentido de que, em linha com o entendimento fiscal, os Acordos de Bitributação não afastam a tributação automática dos lucros auferidos no exterior, conforme previsto no artigo 74 da MP nº 2.158-35/2001.
A título de exemplo, em sessão de julgamento realizada em fevereiro de 2020, a CSRF entendeu, no acórdão nº 9101-004.763, pela inaplicabilidade do Acordo de Bitributação firmado entre Brasil e Áustria, sendo tributáveis os lucros auferidos pelo investidor brasileiro no exterior, sob o argumento de que, na realidade, “a tributação incide não sobre o lucro da empresa estrangeira (…) mas sobre o seu reflexo na patrimônio da controladora nacional, auferível pelo MEP.”
Nessa decisão, citou-se também que o antigo 74 da MP nº 2.158-35/2001 reúne características elementares de normas CFC (Controlled Foreign Corporation) de caráter antiabusivo, que visam evitar o diferimento, por tempo indeterminado, da renda auferida por intermédio de controladas ou coligadas no exterior e, para tanto, estabelece presunção absoluta de disponibilização de tais lucros, para fins de incidência de IRPJ e CSLL.
Pontua-se que tais julgamentos da CSRF foram decididos, em sua maioria, por voto de qualidade (isto é, no caso de empate, prevaleceu-se o entendimento do Presidente da Turma, que é representante do Fisco).
Mudanças na lei
Após o advento da Lei nº 13.988/2020, que alterou a regra do voto de qualidade no CARF, não identificamos decisão proferida pela Câmara Superior sobre o tema, de modo que se mostra possível a alteração do entendimento até então vigente da CSRF em relação à aplicação dos Acordos de Bitributação.
Inclusive, em outubro de 2019, o CARF rejeitou proposta de súmula cujo enunciado previa que os Acordos de Bitributação celebrados pelo Brasil não impedem a tributação, pela controladora brasileira, dos lucros auferidos por meio de seus controladas no exterior, o que indica, mais uma vez, a ausência de uniformidade jurisprudencial sobre o tema, na esfera administrativa.
As modificações promovidas pela Lei nº 12.973/2014 – notadamente os artigos 76 a 79 – tampouco indicam uma resolução acerca da controvérsia relativa à aplicação dos Acordo de Bitributação, uma vez que, na prática, a nova lei pouco alterou a regra de tributação dos lucros auferidos no exterior.
De acordo com a nova legislação, a empresa controladora brasileira deverá efetuar o registro, em subcontas da conta de investimentos, do resultado contábil na variação do valor do investimento equivalente aos lucros ou prejuízos auferidos pela própria controlada direta e suas controladas, direta ou indiretamente, no Brasil ou no exterior, relativo ao ano-calendário em que foram apurados em balanço.
O artigo 77 deste diploma legal estabelece que essa parcela do ajuste do valor de investimento em controlada domiciliada no exterior, equivalente aos lucros por ela auferidos antes do imposto sobre a renda, excetuando-se a variação cambial, deverá ser computada na determinação do lucro real e na base de cálculo da CSLL da controladora brasileira.
A parcela compreende apenas os lucros auferidos no período, não alcançando as demais parcelas que influenciaram o patrimônio líquido da controlada estrangeira, tal como dispõe o § 1º deste dispositivo legal.
A alteração legislativa, portanto, trouxe apenas outra forma de descrever o fato já tributável sob a égide da MP nº 2.158-35/2001, uma vez que o lucro apurado no exterior pela controlada estrangeira, mas ainda não distribuído a sua controladora brasileira, é adicionado igualmente em ambos regramentos.
Até o presente momento, o CARF ainda não analisou a aplicação dos Acordos de Bitributação sob a ótica da Lei nº 12.973/2014.
Para mais informações sobre o tema, acompanhe a série especial Impactos do fim do voto e qualidade.