

Marco legal da securitização: saiba as principais inovações
Nova legislação amplia as alternativas de financiamento, inclusive em moeda estrangeira, por meio de securitização
O Governo Federal publicou a Medida Provisória nº 1.103 (MP), de 15 de março de 2022, dispondo sobre a emissão de Letra de Risco de Seguro (LRS) por meio de Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE); as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de Certificados de Recebíveis; e a flexibilização do requisito de instituição financeira para a prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários.
A MP representa um verdadeiro marco legal para a securitização no país, potencialmente ampliando as possibilidades de financiamento para diversos setores da economia. A medida, que entrou em vigor em 16 de março de 2022, trouxe uma série de inovações legislativas referentes à securitização (para informações sobre a Letra de Risco de Seguro – LRS, clique aqui). Confira os principais destaques:
Criação de um conceito único de securitização
A MP introduziu pela primeira vez na legislação brasileira uma definição legal para securitização: “são consideradas operações de securitização a emissão e a colocação de valores mobiliários junto a investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que o lastreiam” (art.17, parágrafo único).
Ao criar uma definição conceitual, desprendida de títulos e valores mobiliários específicos, a lei confere maior segurança legislativa, possibilitando que novas regulamentações atinjam de forma ampla e uniforme todos os tipos de securitização, caso sigam o mesmo conceito.
Securitização via certificados de recebíveis genéricos e outros títulos e valores mobiliários
A MP estendeu a possibilidade de as companhias securitizadoras realizarem a securitização de qualquer tipo de direito creditório por meio de sua vinculação a Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização. Até a edição da MP, os Certificados de Recebíveis somente poderiam ter como lastro créditos imobiliários (Lei n.º 9.514) ou direitos creditórios do agronegócio (Lei n.º 11.076).
Portanto, os Certificados de Recebíveis passam a ser extremamente versáteis, beneficiando todos os setores da economia, representando uma alternativa interessante aos fundos de investimento em direitos creditórios – FIDC, com a vantagem de que os Certificados consistem em títulos de crédito e comportam estruturas menos custosas e de menor complexidade operacional do que as dos FIDC.
Vale destacar que a MP admite também que as companhias securitizadoras realizem securitizações mediante a emissão de outros títulos e valores mobiliários que não, necessariamente, os Certificados de Recebíveis. Este racional está em linha com a recém-publicada Resolução CVM 60/21 e tem o condão de ampliar ainda mais as possibilidades do uso da securitização como alternativa para financiamento das atividades mercantis.
Outras características interessantes dos Certificados de Recebíveis estão descritas nos itens a seguir.
Ampliação do uso do regime fiduciário e patrimônio separado
O regime fiduciário possibilita a segregação dos ativos e passivos sobre os quais incide dos demais ativos e passivos da companhia securitizadora. Logo, consiste em um instituto jurídico essencial para viabilizar a realização de múltiplas operações de securitização por uma mesma companhia securitizadora, com segregação de risco de crédito entre elas. Assim, a instituição do regime Fiduciário traz maior segurança jurídica para os investidores, uma vez que o risco assumido está restrito ao risco de performance do respectivo patrimônio separado.
Até a edição da MP, somente Certificados de Recebíveis Imobiliários e Certificados de Recebíveis do Agronegócio eram beneficiados pela instituição do regime fiduciário. Agora, qualquer operação de securitização realizada por uma companhia securitizadora pode se beneficiar da instituição de um regime fiduciário, simplificando estruturas que se valem de formas sintéticas de segregação patrimonial (como, por exemplo, a oneração de recebíveis por meio de cessão fiduciária).
A MP reforça que os “patrimônios separados” estarão segregados do patrimônio da companhia securitizadora inclusive em relação a passivos fiscais, previdenciários e trabalhistas, pondo fim a um antigo receio do mercado sobre a aplicabilidade da Medida Provisória nº 2.158-35/2001.
Revolvência
Em linha com a evolução que já vem acontecendo em âmbito regulatório na Comissão de Valores Mobiliários, a MP estabeleceu que as operações de securitização realizadas por companhias securitizadoras podem contar com o mecanismo de revolvência. Este mecanismo consiste na possibilidade de substituição ou aquisição futura dos direitos creditórios vinculados aos Certificados de Recebíveis com a utilização dos recursos provenientes do pagamento dos direitos creditórios originais vinculados à emissão.
Esta possibilidade é especialmente importante para setores da economia que possuem recebíveis de curto prazo e desejam realizar transações que tenham prazo superior ao ciclo dos recebíveis subjacentes.
A estrutura da revolvência já havia sido admitida para as operações de Certificados de Recebíveis do Agronegócio e isso foi reforçado por meio da Resolução CVM 60/21. Com a MP, a possibilidade de revolvência é estendida a todos os Certificados de Recebíveis. No entanto, é importante lembrar que a Resolução CVM 60/21 hoje veda a revolvência nas operações de securitização de créditos imobiliários por meio da emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários. Acreditamos que a CVM deverá seguir o disposto em legislação federal e rever seu posicionamento sobre a revolvência em emissões de Certificados de Recebíveis Imobiliários.
Chamadas de capital
A MP expressamente criou a possibilidade de as companhias securitizadoras celebrarem com investidores promessa de subscrição e integralização de Certificados de Recebíveis conforme chamadas de capital feitas de acordo com o cronograma esperado para a aquisição dos direitos creditórios, trazendo para as securitizações realizadas nos termos da MP uma forma de gestão de recursos muito mais eficiente.
Emissão de novas classes e séries
Nossa leitura da MP é a de que será possível emitir novas séries ou classes de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários sob uma emissão previamente realizada, com o consequente compartilhamento de um mesmo patrimônio separado desde que essa opção esteja prevista na documentação da securitização. Esta é mais uma novidade apresentada pela MP e viabilizará securitizações de direitos creditórios cuja exigibilidade esteja sujeita a determinadas condicionantes, de forma que estes direitos creditórios possam ser antecipados integralmente, atingindo seu potencial máximo de financiamento.
Dação em pagamento
Atendendo a um pleito do mercado, a MP dispõe de forma expressa a possibilidade de pagamento dos Certificados de Recebíveis ou de outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização mediante a dação em pagamento dos direitos creditórios vinculados à operação de securitização, trazendo mais segurança jurídica para as situações em que se tinha a liquidação do patrimônio separado e destituição do regime fiduciário. E, além disso, possibilitando que sejam reguladas outras hipóteses em que o resgate dos títulos de securitização seja feito com os direitos creditórios que lhe servem de lastro.
Variação cambial e registro em mercado externo
O Certificado de Recebíveis poderá ser emitido com cláusula de correção pela variação cambial, desde que seja: integralmente vinculado a direitos creditórios com cláusula de correção na mesma moeda; e emitido em favor de investidor residente ou domiciliado no exterior. Até a edição da MP, essa possibilidade era restrita aos Certificados de Recebíveis do Agronegócio. Agora, não só abrange os Certificados de Recebíveis Imobiliários, mas também qualquer outro certificado de recebível que atenda aos requisitos listados.
A MP prevê que o CMN poderá estabelecer outras condições para a emissão de Certificado de Recebíveis com cláusula de correção pela variação cambial, inclusive sobre a emissão em favor de investidor residente no Brasil, o que já havia sido regulamentado e autorizado para os Certificados de Recebíveis do Agronegócio.
Ofertas públicas
As ofertas públicas no Brasil são reguladas principalmente por duas instruções (Instrução CVM 400/03 e Instrução CVM 476/09).
A Instrução CVM 400/03, que regula as ofertas públicas registradas na CVM, não possui um rol taxativo de valores mobiliários que podem ser emitidos sob sua égide e, portanto, já admitiriam a oferta pública de Certificados de Recebíveis realizada por uma companhia securitizadora registrada como emissor de valores mobiliários ou nos termos da Resolução CVM 60/21, quando estiver plenamente em vigor.
A Instrução CVM 476/09, que regula as ofertas públicas com esforços restritos de venda com dispensa de registro na CVM, possui um rol taxativo de valores mobiliários que podem ser emitidos sob sua égide. Exceto pelos Certificados de Recebíveis Imobiliários e Certificados de Recebíveis do Agronegócio, não será possível realizar uma oferta pública restrita de Certificados de Recebíveis até que seja emitido um posicionamento formal favorável da CVM nesse sentido, possivelmente por meio de alteração da Instrução CVM 476/09.
Em qualquer caso, dado que é possível realizar operações de securitização com outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização, as companhias securitizadoras poderão se valer de títulos conhecidos pelo mercado (como as debêntures) para realizar uma securitização nos termos da MP.
Tributação
Diferentemente do que ocorre com os CRI e CRA, que possuem benefícios fiscais advindos de incentivos setoriais, os rendimentos dos demais Certificados de Recebíveis não serão isentos do imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos a pessoas físicas, aplicando-se aos Certificados de Recebíveis, portanto, as regras de tributação aplicáveis a títulos de renda fixa (nos termos Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004).
Revogações
A MP revogou as principais disposições relacionadas aos CRA presentes na Lei nº 11.076/04 e aos CRI presentes na Lei 9.514/97, mantendo tão somente os artigos que criaram tais títulos.
Necessidade de conversão em lei
A MP está em vigor com força de lei desde 16 de março de 2022 e todos os atos jurídicos praticados durante sua vigência serão considerados perfeitos. Sem prejuízo, a MP precisa ser convertida em lei pelo Congresso Nacional até 15 de maio de 2022 (podendo ser prorrogada por mais 60 dias), para que vigore de forma definitiva. No âmbito do processo legislativo a MP poderá ser alterada e aprimorada.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Seguros, Resseguros e Previdência privada e Financiamento e Dívida do Mattos Filho.
*Com a colaboração de Thaís de Melo Silveira.