Lei do Superendividamento: saiba como as empresas devem se adequar
Regras trazem novos paradigmas de crédito responsável e exigem das companhias diversas ações em prol do consumidor
Com objetivo de proteger consumidores que, de boa-fé, encontram-se em situação financeira delicada, decorrente do acúmulo de dívidas, a Lei do Superendividamento (Lei n° 14.181/21), em vigor desde julho de 2021, trouxe uma série de regras aplicáveis às empresas que participam da cadeia de concessão de crédito. Como reflexo das medidas implementadas pela legislação, as empresas precisarão adotar novos valores na oferta de crédito, de modo a educar o consumidor superendividado. Essa mudança de cultura exige das instituições algumas adequações a curto prazo para que não haja prejuízos no relacionamento com o consumidor.
Para sanar dúvidas sobre a nova lei, o Mattos Filho promoveu, no dia 14 de setembro, o webinar “Desafios da nova Lei do Superendividamento”, com a participação de sócios, associadas e do professor convidado Bruno Miragem, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Para assistir à gravação do evento clique aqui.
Adequação das empresas
A Lei do Superendividamento alterou o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Estatuto do Idoso, incluindo novas obrigações em relação à oferta de crédito e a criação de um sistema próprio de renegociação de dívidas do consumidor superendividado. Para adequação às regras dispostas, as empresas precisam realizar uma análise minuciosa das suas atuais condutas para a oferta e fornecimento de crédito, sobretudo ao “idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada”.
Com a nova lei, torna-se essencial que as empresas revejam materiais de marketing e publicidade, contratos, termos de adesão e regras dos cartões de crédito e crédito consignado, sendo esse o momento ideal para revisitarem os fluxos internos dos produtos oferecidos ao mercado consumidor. Examinar as atuais políticas internas e fortalecer as melhores práticas também são importantes para evitar exposição reputacional e jurídica. Treinamentos para colaboradores e parceiros também passam a ser ponto chave na prevenção de desvios na observância da nova lei.
Fase administrativa
A lei prevê a criação dos núcleos de mediação e conciliação, em que o consumidor pode preencher formulário online, receber apoio multidisciplinar (incluindo palestras sobre educação financeira), apresentar suas dívidas ao rol de credores e, após um parecer técnico especializado, obter o agendamento de uma audiência de conciliação para repactuação, garantindo-lhe viabilidade de pagamento e preservando-lhe o mínimo existencial. A ideia é que esses núcleos conduzam a maior parte das intenções de repactuação atualmente existentes.
Os núcleos podem ocorrer mediante parcerias feitas com CEJUSC, Ministérios Públicos, Defensorias Públicas, PROCONs e até mediante convênio com universidades, aumentando a capilaridade no atendimento inicial dessa parcela da população considerada superendividada.
Repactuação de dívida via judicial
O consumidor também pode optar por ajuizar ação judicial para repactuação de dívida caso não acesse a via administrativa ou, se acessada, não obtenha acordo. Na petição inicial do pedido de repactuação o consumidor deve apresentar as dívidas contraídas (contas fixas, cartões de créditos, boletos etc.), o rol de credores e o plano de pagamento voluntário, cabendo ao juiz/conciliador instaurar o processo e intimar os credores para uma audiência preliminar, conferindo-lhes prazo para manifestação. Caso não compareça à audiência, o credor sofre penalidades, como ficar por último na fila de recebimento do pagamento.
Se a audiência for infrutífera, o juiz definirá um plano compulsório de pagamento, o que pode contar com a ajuda de um administrador. Nessa etapa, o juiz pode rever juros, cláusulas contratuais, a fim de afastar excessos no ato de contratação daquele crédito e amparar o consumidor. Esse será o momento em que se definirá quando o consumidor pagará a primeira parcela e quanto será excluído do cadastro de inadimplentes, tendo o ajuste força de título executivo.
É garantido ao credor no processo de repactuação o recebimento do valor principal da dívida contraída pelo consumidor, sendo a primeira parcela possível de ser paga em até 180 dias e a última em até 5 anos. Novo pedido de repactuação somente poderá ser requerido após 2 anos do pagamento da última parcela da repactuação processada.
Educação financeira
Um dos pontos da mudança que a lei busca implantar é a troca da cultura da dívida para a cultura de pagamento e conciliação, de modo a concretizar o princípio de crédito responsável e a possibilidade de o consumidor sanar suas dívidas sem prejuízo de sua própria subsistência (garantindo-se a ele o mínimo existencial), o que pressupõe a necessidade de as empresas adotarem ações voltadas à prevenção e educação financeira dos consumidores. Deste modo, as empresas precisam disponibilizar ao consumidor os mecanismos para que ele consiga compreender a viabilidade de pagamento do crédito contraído, indicando de forma clara as informações relevantes referentes à concessão do crédito, tais como o custo efetivo total, a taxa efetiva mensal dos juros, o total de encargos, o prazo de validade da oferta, entre outras previstas no art. 54-B da Lei de Superendividamento.
Como informar o consumidor?
A lei introduz diversos requisitos para evitar assédio e comportamento irresponsável pelo fornecedor do crédito, fixando obrigações e vedando comportamentos. Na oferta do crédito, a lei traz o passo a passo sobre o que é necessário divulgar, com informação clara e resumida sobre os detalhes dos valores, encargos e prazos da operação, e a obrigação de entregar o contrato ao consumidor, bem como esclarecer exatamente sobre o que compõem o valor da dívida.
A questão prática é como informar tudo ao consumidor, sem que o excesso de informação gere o efeito oposto.
Além de atentar para o que deve constar na oferta, o fornecedor deve considerar o que passa a ser prática abusiva na sua conduta, com as vedações trazidas pelo artigo 54-C da lei:
- Conclusão da oferta sem consulta aos serviços de proteção ao crédito ou avaliação da situação financeira do consumidor;
- Ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e riscos;
- Assediar ou pressionar o consumidor, principalmente quando se tratar de idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada;
- Condicionar o atendimento às pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou desistência de demandas judiciais.
A violação aos deveres legais pode gerar diversas implicações. A lei prevê que “o descumprimento de qualquer dos deveres (…) poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor”.
Além disso, pode haver imposição de multa administrativa, ajuizamento de ações individuais e coletivas, instauração de processo penal por crime de publicidade enganosa, sem contar a exposição negativa à imagem e reputação da empresa.
Para saber mais sobre Direito do Consumidor, conheça a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.