Lei que criminaliza bullying e cyberbullying impõe obrigações a instituições de ensino
Será necessário que todas as entidades que atuem com crianças e adolescentes exijam e arquivem certidões de antecedentes criminais de seus colaboradores
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A Lei nº 14.811/2024, que foi publicada em 15 de janeiro de 2024, prevê a criação da Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), inclui disposições criminais e cria obrigações regulatórias específicas para instituições de ensino que atuem com crianças e adolescentes.
A nova lei aumenta as penas de alguns crimes previstos no Código Penal, classifica condutas como crimes hediondos, introduz os crimes de bullying e cyberbullying ao ordenamento e criou uma novidade às instituições que desenvolvam atividades de ensino ou sociais: a obrigação de emitir e manter certidões atualizadas de antecedentes criminais de seus colaboradores (art. 59-A do ECA).
Segundo o novo art. 59-A do ECA, as instituições públicas ou privadas que desenvolvem atividades com crianças e adolescentes e que recebem recursos públicos, deverão exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores, que deverão ser atualizadas a cada seis meses. A norma, porém, não é clara ao definir se o recebimento de isenções fiscais, como aquelas decorrentes do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – Educação (Cebas) ou recursos do Programa Universidade para Todos (Prouni) serão enquadradas nessa categoria. Por outro lado, parece haver poucas dúvidas de que as Instituições de Ensino Superior (IES) que atuarem com adolescentes e receberem recursos do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) tendem a se sujeitar à obrigação.
Além disso, a norma também prevê que mesmo as instituições públicas ou privadas que não recebem recursos públicos, mas atuam com crianças e adolescentes, deverão manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus colaboradores. Não há penas previstas pela legislação, contudo, é possível que venham a ser criadas por regulamento ou, então, que seu inadimplemento venha a ser considerado como inobservância da legislação educacional, sujeitando o infrator às penas específicas previstas em cada ordenamento – estadual ou federal, conforme o nível de escolaridade.
Vale mencionar que as certidões de antecedentes criminais são emitidas por entes federal e estaduais, tendo como fonte diferentes bases de dados, de acordo com o órgão responsável pela emissão do documento (Polícia Federal, para a certidão federal; Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt, para a certidão de São Paulo). Nesse sentido, é recomendável que sejam expedidas concomitantemente, ao menos, a certidão federal de antecedentes e a certidão do estado de domicílio de cada colaborador, independentemente do nível de escolaridade em que a instituição de ensino em questão (escola ou IES) atuar.
Em regra, as certidões de antecedentes criminais são expedidas digitalmente, de forma instantânea e sem custos, exigindo alguns dados pessoais como números do CPF e RG, nome completo, nome dos pais, data de nascimento, entre outros dados, a depender do órgão emissor. De toda forma, a nova previsão tende a demandar alterações nos fluxos internos das instituições.
Outra inovação importante que poderá atingir profissionais de educação é a introdução do art. 244-C ao Código Penal. Segundo a nova lei, cometerá crime apenado de dois a quatro anos de prisão e multa aos pais, ou o responsável legal que, dolosamente, deixa de comunicar à autoridade pública o desaparecimento de criança ou adolescente. A lei, porém, não prevê prazo para a comunicação às autoridades, o que poderá gerar insegurança jurídica, uma vez que o entendimento de qual prazo observar, possivelmente caberá aos tribunais à luz de casos concretos.
Embora o conceito de “responsável legal” seja comumente associado a responsáveis pela guarda do menor, como tutores e curadores, não é de se descartar, na prática, que se dê interpretação ampliativa ao alcance do crime, considerando como potenciais sujeitos ativos os profissionais de educação. Isso, a nosso ver, seria tecnicamente equivocado, mas é importante ter atenção aos casos para evitar que esse encaminhamento possa prevalecer em uma discussão futura.
Por fim, como a Lei nº 14.811/2024 não previu prazo para a implementação das mudanças supracitadas e elas já estão em vigor, é fundamental que as escolas e IES se organizem para as implementar o mais rápido possível, evitando transtornos futuros.
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