STJ decide pela ilegitimidade do MP para a execução coletiva do artigo 98 do CDC
O acórdão reafirma o entendimento da Corte Especial sobre sentenças proferidas em ações coletivas de consumo
O acórdão que julgou o REsp nº 1.801.518/RJ, publicado em fevereiro de 2022, assentou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que o Ministério Público (MP) não tem legitimidade para a propositura de execução coletiva com fundamento no artigo 98 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Segundo decidido, cabe ao MP somente o exercício da fluid recovery, prevista no artigo 100 do CDC, respeitados os requisitos de seu cabimento.
O recurso especial foi interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que entendeu pela legitimidade do MP para a execução da sentença do caso, sob o fundamento de que o parquet não poderia propor a execução coletiva, pois a sentença da ação civil pública reconheceu a abusividade de cláusula de retenção de parcelas pagas e o direito à repetição dos valores das parcelas por cada consumidor lesado. Tratou-se, portanto, de sentença que versou sobre direitos individuais homogêneos. Nesse sentido, a empresa recorrente sustentou que a sentença seria ilíquida e, consequentemente, sua execução dependeria de elementos não verificados no caso: habilitação dos consumidores lesados, na hipótese do artigo 98 do CDC (execução coletiva); ou do decurso do prazo de um ano da publicação da sentença, na hipótese do artigo 100 do CDC (fluid recovery).
Entendimento firmado pela Terceira Turma do STJ
Inicialmente, a Terceira Turma do STJ afastou a legitimidade do MP pelo artigo 98 do CDC, uma vez que, na fase de execução coletiva de sentença de direitos individuais homogêneos, a cognição judicial se limita à identificação do beneficiário do direito e da extensão individual desse direito. Assim, não há homogeneidade do direito que justificaria a atuação do parquet, conforme disposto pelo artigo 129, III, da Constituição Federal (CF).
Da mesma forma, foi afastada a legitimidade do MP com fundamento no artigo 100 do CDC. Primeiro, porque o instituto da fluid recovery tem caráter educativo e punitivo, com a conversão dos valores para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, de modo que, no caso sob análise, a pretensão satisfativa não havia sido feita em favor do referido fundo.
E, segundo, porque o exercício da fluid recovery exige o cumprimento concomitante de três requisitos, os quais não foram verificados no caso concreto, sendo eles: decurso de um ano sem a publicação da sentença condenatória em órgãos oficiais; número compatível da gravidade do dano com o número de consumidores habilitados; e condenação que consista em obrigação de pagar quantia líquida.
A Terceira Turma do STJ, assim, deu provimento ao recurso especial por unanimidade, ao reconhecer a ilegitimidade do MP para promover a execução coletiva fundada no artigo 98 do CDC, por ausência de interesse público ou social a justificar a sua atuação nessa fase processual, na qual o interesse jurídico se restringe ao âmbito patrimonial e disponível de cada um dos consumidores lesados.
Efeito interruptivo do pedido de liquidação de sentença
A confirmação do entendimento quanto à ilegitimidade do MP para ajuizar execução coletiva de sentença que trate de direitos individuais homogêneos pelo STJ foi também objeto do REsp nº 1.758.708/MS, afetado pela Corte Especial do STJ, cuja controvérsia consiste em definir em que medida eventual pedido de liquidação coletiva da sentença pelo MP interrompe o prazo de prescrição para o exercício da pretensão individual de liquidação e execução de sentença pelos consumidores beneficiários da sentença.
Atualmente, o recurso se encontra pendente de julgamento, com pedido de vista do ministro Luis Felipe Salomão, após apresentação de voto da ministra Relatora Nancy Andrighi, no sentido de que o pedido de liquidação coletiva da sentença iniciado pelo MP não enseja a interrupção do prazo de prescrição para os consumidores individuais, considerando que o MP não possui legitimidade para a propositura de liquidação individual de sentença coletiva (artigo 98 do CDC).
Ainda são aguardados os votos dos ministros Laurita Vaz, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Francisco Falcão.
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*Com a colaboração de Maria
Carolina Vitorino Lopes e Mariana de Almeida Souza.