Hidrogênio verde como alternativa para a transição energética
A opção se mostra cada vez mais concreta no cenário nacional e internacional
Com a guerra entre Ucrânia e Rússia, uma das maiores preocupações europeias se tornou a segurança energética. Para suprir eventual hiato energético e acompanhando o movimento global de transição energética, diversos atores internacionais começaram a nutrir interesse por alternativas, tal como o hidrogênio verde (H2V). Dentre os principais potenciais intrínsecos a essa alternativa energética, está a possibilidade de uso em setores de difícil descarbonização, como indústrias pesadas, transporte e aviação.
Diante desse cenário, o Brasil tem oportunidades para atender às demandas energéticas e às aspirações sustentáveis, utilizando-se da matriz energética renovável e do potencial de produção de H2V. Confira, abaixo, os principais destaques sobre o tema nos últimos meses.
Projeto de Lei do Hidrogênio é apresentado ao Senado Federal
No primeiro semestre de 2022, o senador Jean Paul Prates apresentou, no Senado Federal, o Projeto de Lei n° 725 – apelidado de Lei do Hidrogênio , que objetiva inserir o hidrogênio como vetor energético para transição de uma energia de baixo carbono e consolidar sua produção nacional em bases competitivas e sustentáveis dentre o rol de objetivos da Política Energética Nacional.
Dentre as metas do PL 725, estão a adição de 5% de hidrogênio na rede de gasodutos do país até 2032 e de 10% até 2050, devendo ser do tipo hidrogênio sustentável pelo menos 60% do total no primeiro período e 80% no segundo. A proposta define como hidrogênio sustentável aquele produzido a partir de fonte solar, eólica, biomassas, biogás e hidráulica. Ainda, é atribuída à Agência Nacional de Petróleo (ANP) a competência para regulação, autorização e fiscalização da atividade da cadeia do hidrogênio, incluindo a produção, importação, exportação, armazenagem, estocagem, padrões para uso e injeção nos pontos de entrega ou pontos de saída.
Novas iniciativas federais
CNPE
Em 4 de agosto de 2022, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) publicou a Resolução nº 06, por meio da qual institui o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2) e cria o Comitê Gestor do Programa Nacional do Hidrogênio (Coges-PNH2), objetivando, em linhas gerais, fortalecer o mercado e a indústria do hidrogênio enquanto vetor energético no Brasil. Confira, aqui, publicação com mais informações sobre o tema.
MCTI – IBH2 e SisH2
Em 15 de julho de 2022, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação publicou as Portarias nº 6.100 e n° 6.101, por meio das quais, respectivamente, institui a Iniciativa Brasileira do Hidrogênio (IBH2) e o Sistema Brasileiro de Laboratórios de Hidrogênio (SisH2-MCTI).
A IBH2 objetiva criar, integrar e fortalecer ações governamentais na temática de hidrogênio e suas aplicações, com foco no desenvolvimento tecnológico e na promoção da inovação e do empreendedorismo. A norma prevê a priorização de alguns temas no âmbito da IBH2, tais como a produção de hidrogênio a partir de fontes renováveis e as aplicações em setores carbono-intensivos, como o de transportes, de combustíveis e químico.
A iniciativa poderá servir de ponto de partida para o desenvolvimento tecnológico e do arcabouço jurídico e regulatório para a produção do H2V em território nacional, além de fomentar o desenvolvimento de projetos de hidrogênio ao prever a possibilidade de financiamento público e privado para ações e programas que visem alcançar os objetivos da IBH2.
Como um dos instrumentos da IBH2, o SisH2-MCTI busca o avanço nacional científico, tecnológico, inovador e empreendedor sobre o tema. Referido sistema será constituído por um conjunto de laboratórios e redes de laboratórios de caráter multiusuário – a serem selecionados em chamada pública, e será de acesso aberto a usuários públicos e privados. A norma prevê, ainda, o estímulo entre as Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTI) e o setor privado, incluindo a transferência da propriedade intelectual das ICTIs para as empresas, viabilizando a difusão do conhecimento para todos os setores.
Estados se mobilizam e aceleram a corrida para atração de investimentos para H2V
Alguns Estados brasileiros, por sua vez, já estão traçando planos e firmando parcerias para seguir adiante com a produção de H2V. Merecem destaque:
- Ceará: O Estado firmou, até o momento, cerca de 17 memorandos de entendimento com empresas privadas, que estabelecem a colaboração mútua para a implementação de projetos de produção de H2V no Complexo Industrial e Portuário de Pecém. Com as iniciativas, o Estado pretende se tornar um dos maiores e mais importantes hubs de produção e exportação de H2V do mundo. Nesse contexto, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) publicou a primeira normativa brasileira que dispõe sobre os procedimentos, critérios e parâmetros aplicáveis ao licenciamento ambiental para empreendimentos de produção de H2V (Resolução Coema nº 03). No mesmo sentido, o Governo do Estado instituiu o plano Estadual de transição energética justa, chamado de Ceará Verde (Decreto n° 34.733/2022). Referido plano dispõe de objetivos e diretrizes para a promoção do fortalecimento da matriz energética de baixo carbono no Estado e a descarbonização da economia cearense. O plano também institui a Comissão Especial para implementação do Ceará Verde e cria o Fórum Estadual para a Transição Energética, órgão de natureza consultiva que tem como finalidade apoiar, fortalecer e acompanhar as ações voltadas à implementação do plano de transição energética. Ainda, foi assinado o primeiro pré-contrato entre o governo e uma multinacional australiana para concretizar o hub de H2V pretendido.
- Bahia: O Estado publicou o Decreto nº 21.200, por meio do qual instituiu, de forma pioneira, o Plano Estadual para a Economia do H2V (PLEH2V) e o Programa Estadual de Economia do H2V (PREH2V), estruturado em dois subprogramas, quais sejam Subprograma de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação e Subprograma de Fomento ao Mercado de H2V. Dentre os objetivos do PLEH2V, estão a promoção, fortalecimento e consolidação da produção, processamento e utilização do H2V, bem como o impulsionamento de pesquisas científico-tecnológicas e a atração e fomento a empreendimentos pertinentes ao tema. Já o PREH2V possui como premissas, sobretudo, o estabelecimento de políticas e programas públicos de fomento e incentivo e a articulação das ações estaduais com o setor privado e agências nacionais e internacionais de regulação, fomento, pesquisa, desenvolvimento e inovação. Destaca-se, ainda, o estabelecimento da Comissão Especial para implementação do PLEH2V e do PREH2V. O Estado também assinou com a empresa um memorando de entendimento com empresa de energia para a realização de estudos de viabilidade de desenvolvimento de projetos de H2V no Estado.
- Rio Grande do Sul: O Estado firmou o seu segundo memorando de entendimento para implementação de projeto de produção de H2V no Porto do Rio Grande. O primeiro memorando de entendimento assinado foi ao final de 2021, para construção e operação de uma planta industrial de produção de H2V e amônia verde a partir de energia renovável e para a implementação do programa Hidrogênio Verde – Construir e desenvolver energias renováveis no RS. Também, foi divulgado pelo governo o planejamento de contratação de consultoria para elaboração de estudo sobre as potencialidades do estado para produção de H2V.
- Pernambuco: O Estado publicou a Lei n° 17.816, que altera a Política Estadual de Enfrentamento às Mudanças Climáticas do Estado. As alterações trouxeram a inclusão do H2V nos termos definidos da referida política, além de incluir a previsão de estimular o uso de H2V como fonte energética e para agricultura dentre as estratégias para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e para a promoção da eficiência e conservação energética. No mais, o Complexo Portuário e Industrial de Suape pretende – dentre outras ações já adotadas sobre a pauta –, realizar o lançamento de uma planta de produção de H2V em 2023, com início das operações previstas para 2026, em parceria com empresas privadas ainda em discussão. Outra movimentação relevante para referido complexo foi a escolha de seu projeto denominado Distrito Industrial Verde pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e pela CTG Brasil que contará com o financiamento de até R$6,4 milhões para a implementação de processos voltados para impulsionar soluções inovadoras e gerar negócios na região, com foco em H2V. Dentre os objetivos do projeto, merece destaque a criação de uma plataforma digital que abordará a rota de H2V nas seguintes vertentes: impulsionamento da produção e consumo, rastreabilidade, armazenamento, infraestrutura, logística e comercialização no âmbito do mercado nacional por meio do uso de tecnologias blockchain.
- Santa Catarina: O Estado publicou a Lei n° 18.330 que institui a Política Estadual de Transição Energética Justa e o Polo de Transição Energética Justa do Sul do Estado. Dentre as finalidades da lei, é elencado o apoio e atração de investimentos à instalação de complexos industriais que visem a exploração ambientalmente sustentável do carvão mineral, bem como a geração de seus produtos derivados, incluindo a produção de hidrogênio. Ainda, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Agência de Cooperação Técnica da Alemanha (GIZ Brasil) firmaram parceria para produção de H2V. A agência irá aportar R$ 12 milhões destinados à obra do novo bloco do laboratório da universidade, em que se desenvolverão estudos de viabilidade e aplicação da tecnologia de produção de energia elétrica, H2V e amônia verde no laboratório da UFSC, além de contribuir com a capacitação de professores, pesquisadores e estudantes.
- Maranhão: O Estado publicou alguns decretos pertinentes ao tema, quais sejam: Decreto n° 37.594, que cria a Comissão para elaboração do Plano Maranhão 2050; o Decreto n° 37.595, que cria a comissão para elaboração da Política Estadual de Energia Renovável que definirá diretrizes para desenvolvimento de projetos e programas para geração de energia renovável para a matriz energética estadual e, por fim, o Decreto n° 37.696, que institui a Comissão de Elaboração do Programa Estadual de Hidrogênio Verde (CEPEH2V). A CEPEH2V objetiva a elaboração de estudos para projetos que visem o desenvolvimento sustentável integrado ao potencial energético para geração de H2V no Estado. Nos termos do decreto, a CEPEH2V terá prazo de 120 dias para apresentar relatório para elaboração dos estudos para referidos projetos.
- Paraíba: O governo do Estado publicou a Lei n° 12.345 que institui a Política Estadual de H2V. A norma define objetivos e conceitua a cadeia produtiva de H2V,isto é, “empreendimentos e arranjos produtivos ligados entre si e que façam parte de setores da economia que prestam serviços e utilizam, produzem, geram, industrializam, distribuem, transportam ou comercializam” H2V e produtos derivados do seu uso , bem como estabelece que os participantes de referida cadeia terão responsabilidade compartilhada e solidária pela gestão ambiental.
Avanço da Aliança Brasil e Alemanha para o hidrogênio verde
A Aliança Brasil-Alemanha para o H2V foi criada em 2020 pelas Câmaras Brasil-Alemanha do Rio de Janeiro e São Paulo. Seu objetivo é a promoção de ações de desenvolvimento de projetos e tecnologias no Brasil e de parcerias e oportunidades de negócios entre os dois agentes com o intuito de expandir o mercado de H2V nos respectivos países. A abordagem utilizada se pauta em duas principais frentes:
- Na orientação dos tomadores de decisão, reguladores, fornecedores de eletricidade e operadores de rede na avaliação de uso técnico, opções de armazenamento de energia e na criação das condições necessária para a criação de um mercado de H2V;
- No apoio de instituições de pesquisas brasileiras de maneira cooperada com empresas internacionais.
Os principais parceiros e apoiadores do projeto são a Pareceria Brasil-Alemanha Tecnologias de Armazenamento Energético da GIZ (GIZ) e a Parceria Energética Brasil-Alemanha. No âmbito de pesquisas e promoção de inovações, destaca-se a EnergInno Brasil, uma rede de Inovação Brasil-Alemanha em H2V e biogás.
A GIZ e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), com apoio do Ministério de Minas e Energia, assinaram acordo para criação de um Centro de Excelência em H2V no Rio Grande do Norte e mais cinco hubs regionais de educação e treinamento, localizados no Ceará, Paraná, Bahia, São Paulo e Santa Catarina. A iniciativa conta com o investimento de cerca de R$ 12,5 milhões até 2023, destinados ao incentivo à capacitação profissional, contanto com cursos profissionalizantes sobre produção, armazenamento, transporte a aplicação do H2V.
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