A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça e a tributação de benefícios fiscais de ICMS
Entendimento foi de que subvenções são instrumento de política fiscal dos Estados e não podem sofrer interferência da União
Assuntos
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi provocada a uniformizar o entendimento das suas duas turmas de direito público sobre a tributação federal de benefícios fiscais. A questão foi analisada no EREsp nº 1.517.492/PR, no qual se discutia a incidência de IRPJ e CSLL sobre crédito presumido de ICMS concedido por Estado-membro.
Prevaleceu a tese favorável ao contribuinte, no sentido de que não deve incidir tributos federais sobre benefícios fiscais concedidos por Estado-membro. A orientação do STJ foi norteada por quatro fundamentos centrais.
Primeiro fundamento
Pautou-se no modelo federativo fiscal adotado pelo Brasil para concluir que a tributação federal de incentivo fiscal viola o pacto federativo, pois fere a autonomia do Estado-membro que instituiu o planejamento fiscal, na livre gestão de seus interesses arrecadatórios.
De acordo com a 1ª Seção da Corte, a concessão de incentivo por Estado-membro constitui “instrumento legítimo de política fiscal para materialização dessa autonomia consagrada pelo modelo federativo”.
Por isso, o benefício fiscal “embora represente renúncia à parcela da arrecadação, pretende-se, dessa forma, facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federada.”
Segundo fundamento
Ao pretender tributar tal renúncia fiscal, a União viola o equilíbrio e cooperação inerentes ao princípio federativo, dada a sua ingerência na política fiscal dos Estados. É que, ao tributar a renúncia fiscal, a União frustra os planos do Estado outorgante, pois o contribuinte não será mais beneficiado com o alívio tributário pretendido pelo Estado-membro.
Esse esvaziamento do planejamento fiscal é o segundo fundamento adotado pelo STJ, ao afirmar que “se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, ainda que sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias, tornando inócua, ou quase inócua, a finalidade colimada pelos preceitos legais […]”.
Terceiro fundamento
Consiste na análise da própria materialidade do IRPJ e da CSLL, a partir da orientação firmada pelo STF no RE nº 574.706/PR, segundo a qual o direito tributário não pode ser interpretado com base na repercussão econômica de seus institutos.
Assim, o voto condutor do EREsp nº 1.517.492/PR concluiu que “os créditos presumidos de ICMS, concedidos no contexto de incentivo fiscal, não teriam, com ainda mais razão, o condão de integrar as bases de bases de cálculo de outros tributos, como quer a ora Embargante, em relação ao IRPJ e à CSLL, quer porque não representam lucro, […]”.
De fato, conforme acentuado pelo STJ, incentivos fiscais são renúncia de receita do Estado e não renda ou lucro do contribuinte. Por consequência, não há fato gerador que enseje a incidência de IRPJ e CSLL.
Quarto fundamento
Trata-se da violação ao princípio da legalidade, pois a União busca “retirar, por via oblíqua, o incentivo que o Estado-membro, no exercício de sua competência, outorgou […]” o que “leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo em especial porque fundamentado exclusivamente em atos infralegais”.
Ao exigir IRPJ e CSLL sobre os benefícios fiscais de ICMS, o Fisco busca tributar fato jurídico que não se amolda à materialidade desses tributos, com fundamento unicamente em atos normativos infralegais expedidos pela própria administração tributária.
O julgamento do EREsp nº 1.517.492/PR é considerado um paradigma sobre o tema da tributação federal de benefícios fiscais de ICMS. Tal orientação já foi reafirmada em diversas outras ocasiões pela 1ª Seção do STJ, a exemplo do EREsp nº 1.443.771/RS, julgado em 14 de fevereiro de 2021, quando se entendeu que “o crédito presumido de ICMS, a par de não se incorporar ao patrimônio da contribuinte, não constitui lucro, base imponível do IRPJ e da CSLL”.
Apesar de o entendimento firmado no EREsp nº 1.517.492/PR ter se consolidado no âmbito de caso que envolvia benefício fiscal da modalidade crédito presumido, os fundamentos utilizados pelo STJ demonstram que o afastamento da tributação federal deve se dar independentemente da espécie do benefício fiscal, na medida em que se estará diante de indevida interferência da União na política fiscal implementada por Estado-membro.
Para mais informações sobre os benefícios fiscais, acompanhe a série especial ‘A tributação federal de benefícios fiscais de ICMS‘.