Responsabilidade civil pelo tráfego de caminhões com excesso de peso: Tema 1.104/STJ
Discussão perdura no STJ e mudanças internas na Corte Superior tornam complexo o diagnóstico dos posicionamentos para a fixação de tese, que poderá ocorrer ainda este ano
Há alguns anos, o Ministério Público Federal (MPF) ajuíza ações civis públicas voltadas à responsabilização de transportadoras e embarcadoras de carga por alegados danos materiais e morais causados em decorrência do transporte com excesso de peso nas rodovias federais.
Em tais demandas, também é comumente veiculada pretensão inibitória. O MPF busca impor às rés a obrigação de não fazer consistente em se absterem de trafegar com cargas acima do peso limite permitido pela legislação aplicável, sob pena de responderem por multa incidente a cada evento de descumprimento.
Apesar da recorrência do assunto perante o Judiciário, a jurisprudência ainda não alcançou consenso quanto à configuração da responsabilidade civil nas hipóteses de descumprimento do disposto no art. 231, inc. V, do Código de Trânsito Brasileiro, quanto à existência ou não de bis in idem e quanto aos critérios a serem aplicados para a quantificação das indenizações nos casos em que há a demonstração da prática de ilícito civil causador de efetiva lesão à coletividade.
A inexistência de um mínimo grau de padronização decisório é explicada pelo fato de que o problema não está adstrito à interpretação, pelo Poder Judiciário, do sistema normativo de trânsito. Há, ao contrário, uma série de fatores externos, que fogem completamente da ingerência das transportadoras e embarcadoras, que concorrem para o desgaste dos pavimentos asfálticos das rodovias.
Apenas a título exemplificativo, podem ser citadas as corrosões naturais, as falhas de projeto, a falta de investimentos, a utilização de materiais asfálticos de baixa qualidade, a ausência (ou ao menos o déficit) de manutenção adequada da malha e até mesmo a movimentação de veículos que não transportam qualquer carga. Nesta medida, talvez o tráfego de caminhões com excesso de peso seja o menor dos problemas relacionados às condições de trafegabilidade das rodovias brasileiras.
Como consequência, não há métrica – técnica ou definida pelo Poder Judiciário – para identificar os eventuais prejuízos diretamente causados às rodovias pelo transporte de carga com excesso de peso, o que torna extremamente difícil a tarefa dos julgadores, já que, para que seja indenizável, o dano não pode ser eventual ou presumido, mas deve ser provado e decorrer diretamente do ato apontado como ilícito.
Os inúmeros processos relativos ao tema com divergência de posicionamentos entre os Tribunais locais, somados à relevância da questão e à sua grande repercussão contribuíram para que a matéria fosse destacada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Assim, em 10 de setembro de 2021, a Primeira Seção afetou os Recursos Especiais nº 1.980.497-RN e 1.913.392-MG como representativos de controvérsia, a serem julgados sob o rito de recursos repetitivos, com o propósito de fixar tese voltada a “definir a possibilidade de imposição de tutela inibitória, bem como de responsabilização civil por danos materiais e morais coletivos causados pelo tráfego com excesso de peso em rodovias” (Tema 1.104/STJ).
Em agosto de 2024, o Tema 1.104/STJ foi incluído em pauta para julgamento, mas acabou sendo retirado. Não obstante isso, há expectativa de que seja apreciado ainda este ano.
As alterações na composição da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em razão da nova formação da direção da Corte e das recentes aposentadorias de Ministros, tornam mais complexo o diagnóstico da tese que será fixada.
Seja como for, não há dúvidas de que a matéria deve ser acompanhada de perto, já que tem o potencial de gerar grande impacto na realidade de inúmeras empresas que dependem do transporte de cargas, direta ou indiretamente, para a execução das suas atividades.
Para mais informações e atualizações sobre o tema, acompanhe a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.