STJ confirma legitimidade de não associados para execução de sentença coletiva de consumo
Decisão proferida em sede de recursos especiais repetitivos pacifica o entendimento sobre ações coletivas propostas por associações
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou a tese de que, nas ações civis públicas propostas por associações que atuem como substitutas processuais de consumidores, todos os beneficiados pela procedência do pedido possuem legitimidade para liquidação e execução da sentença, independentemente de serem filiados à entidade autora. A decisão foi proferida no julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos nº 1.438.263/SP e nº 1.362.022/SP (Tema 948), produzindo efeitos vinculantes para todos os tribunais do país.
Os recursos especiais representativos da controvérsia foram apresentados no âmbito de cumprimentos de sentença oriundos de duas ações civis públicas propostas pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) contra o banco Nossa Caixa e contra o banco Bamerindus, nas quais se discutiam o direito ao recebimento de expurgos inflacionários referentes ao Plano Verão.
Como as sentenças que julgaram procedentes essas ações civis públicas não esclareceram quem seriam os beneficiados – se apenas os associados do IDEC que constavam das listas que acompanharam as petições iniciais ou se todos os consumidores que sofreram prejuízos em razão dos expurgos inflacionários – diversos poupadores não associados ao IDEC requereram a execução das sentenças coletivas. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) reconheceu a legitimidade dos não associados para executar as sentenças, o que motivou a propositura dos recursos especiais pelo Banco do Brasil e pelo HSBC Bank Brasil S/A – Banco Múltiplo, sucessores do banco Nossa Caixa e do banco Bamerindus.
Entendimento do relator
Conforme explicou o relator, ministro Raul Araújo, as sentenças coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos possuem eficácia erga omnes (art. 103, III, do Código de Defesa do Consumidor – CDC), beneficiando todos os titulares do direito discutido, e não apenas os associados da entidade autora. Além disso, o CDC autoriza a propositura de ações coletivas de consumo (ações civis públicas) por associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que tenham entre os seus fins institucionais a defesa dos direitos dos consumidores (art. 82, IV, do CDC), dispensando-se a autorização assemblear e a apresentação de lista nominal de associados com a petição inicial.
O STJ concluiu que exigir dos consumidores a prévia associação – comprovada ou não pela relação de associados que pode ser anexada à petição inicial – para a execução da sentença coletiva equivaleria a criar requisito não previsto em lei para o próprio manejo da ação civil pública, frustrando o intento do CDC de facilitar a defesa judicial do consumidor e de evitar o efeito multiplicador de demandas individuais e coletivas que afogam o Judiciário.
Representação e substituição processual
A decisão da Segunda Seção do STJ resolveu a controvérsia a respeito da aplicação das teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos Recursos Extraordinários nº 573.232/SC e nº 612.043/PR, segundo as quais a legitimidade das associações para a propositura de ações coletivas estaria condicionada à autorização expressa de seus associados, a ser outorgada individualmente ou por meio de assembleia específica; e a eficácia de eventual sentença de procedência dessas ações coletivas estaria limitada aos associados que residiam na área de jurisdição do órgão julgador antes da propositura da ação e cujos nomes constaram de lista anexada à petição inicial.
Após o julgamento desses recursos extraordinários, o STJ passou a aplicar o entendimento do STF indistintamente a todas as ações coletivas referentes a direitos individuais propostas por associações, exceto mandados de segurança coletivos. Apenas a partir de junho de 2018 – quando o STF esclareceu em embargos de declaração que as teses fixadas nos referidos recursos extraordinários deveriam aplicar-se exclusivamente às ações coletivas de rito ordinário propostas com base no art. 5º, inciso XXI, da Constituição Federal – a jurisprudência do STJ alinhou-se ao entendimento superveniente do STF.
O julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos nº 1.438.263/SP e nº 1.362.022/SP (Tema 948) torna pacífica a questão. Conforme destacou o ministro Raul Araújo, a atuação das associações em ações coletivas que tratam de direitos individuais homogêneos pode ocorrer de duas maneiras:
- por representação processual (legitimação ordinária), quando a associação defende direito alheio em nome alheio, nos termos do art. 5º, inciso XXI, da CR;
- por substituição processual (legitimação extraordinária), quando a associação defende direito alheio em nome próprio, nos termos da Lei 7.347/1985 e do CDC.
A Segunda Seção do STJ concluiu que, embora a prévia filiação à associação autora seja um requisito para a legitimação na execução de sentença proferida em ações coletivas por representação processual, ela é dispensada nas hipóteses de ações civis públicas de consumo, em que as associações atuam em regime de substituição.
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