

Retrospectiva 2024: as decisões mais marcantes do ano no Supremo Tribunal Federal
STF encerra 2024 com recorde histórico de baixa tramitação de processos
Assuntos
O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o ano de 2024 com o menor número já registrado de processos em tramitação dos últimos 30 anos. Ao longo do ano, aproximadamente 114 mil decisões foram proferidas pelos ministros e órgãos colegiados do STF.
Em fevereiro, Flávio Dino foi empossado Ministro, ocupando a vaga deixada com a aposentadoria da Ministra Rosa Weber, e passou a integrar a 1ª Turma.
Nesta retrospectiva, destacamos algumas decisões proferidas em 2024 que têm impacto relevante e devem orientar os agentes econômicos.
FEVEREIRO
Regime de bens aplicável em casamento e união estável de pessoas com mais de 70 anos: O julgamento do Tema 1.236 de Repercussão Geral, que interpretou a aplicação do art. 1.641, inc. II, do Código Civil, definiu que o regime obrigatório de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos pode ser alterado pela vontade das partes. A partir de 1º de fevereiro de 2024, data do julgamento, os novos casamentos e as uniões estáveis poderão se vincular a outros regimes de bens mediante escritura pública firmada em cartório. Também ficou estabelecido que pessoas com mais de 70 anos que já estejam casadas podem alterar o regime de bens mediante autorização judicial ou manifestação em escritura pública, no caso de uniões estáveis.
MARÇO
Competência do Plenário para julgar recursos interpostos contra a decisão de admissibilidade do extraordinário em ADIs Estaduais: Compete ao Plenário julgar recursos internos (agravos internos e embargos de declaração) interpostos contra as decisões monocráticas proferidas em Recursos Extraordinários ou Agravos em Recurso Extraordinário extraídos de ação de controle de constitucionalidade de leis locais julgadas por Tribunal de Justiça estadual. Essa conclusão parte da premissa de que os recursos extraordinários interpostos contra acórdãos proferidos em controle concentrado de constitucionalidade estadual, quando dizem respeito ao mérito da controvérsia, apresentam efeito vinculante e eficácia para todos, o que atrai a competência do Plenário do STF. A decisão foi tomada em questão de ordem no Recurso Extraordinário 913.517-SP. Essa orientação passa a valer para todos os julgamentos iniciados a partir da publicação da ata do julgamento, ocorrida em 2 de abril de 2024.
ABRIL
Suspensão da exploração de cavidades naturais subterrâneas: O Plenário referendou liminar concedida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, nos autos da ADPF 935, para manter suspensa a realização de empreendimentos em cavernas, grutas, lapas e abismos. A ADPF questiona parte do Decreto 10.935/2022, que autoriza a exploração de cavidades naturais subterrâneas, inclusive com grau máximo de relevância, para a construção de empreendimentos de utilidade pública.
MAIO
Admissibilidade de reclamação constitucional sem o esgotamento das vias ordinárias: No julgamento da Rcl 65.976-MA, o Supremo Tribunal Federal relativizou a exigência de esgotamento das instâncias ordinárias para o ajuizamento de reclamação constitucional no STF, quando demonstrado o perigo de perecimento do direito, caso fosse aguardado o esgotamento das instâncias ordinárias. Assim, foi assegurada a possibilidade do seu imediato controle sobre a aplicação, por outros tribunais, de teses firmadas (pelo próprio STF) em repercussão geral.
JUNHO
Publicidade dos atos societários de sociedades anônimas: O STF declarou a constitucionalidade de dispositivo da Lei nº 13.818/2019, que alterou a Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976), para dispensar a publicação dos atos societários das sociedades anônimas no Diário Oficial, mantendo apenas a obrigatoriedade de divulgação de tais atos em jornais de ampla circulação, tanto no formato físico, de forma resumida, quanto no formato eletrônico, na íntegra. A decisão, proferida no julgamento da ADI 7.194-DF, concluiu que a nova diretriz legal para publicização desses atos societários não viola os princípios da publicidade, da primazia do interesse público, da segurança jurídica e do direito à informação.
Capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano: No julgamento da ADI 2.316-DF, o STF declarou a constitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória 2170-36/2001, que permite a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nas operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. O STF entendeu que a regulamentação dessa prática não é matéria reservada à lei complementar, permitindo, portanto, sua instituição por lei ordinária.
SETEMBRO
Responsabilização civil e penal de provedores de redes sociais e seus proprietários pelo descumprimento de medidas judiciais de bloqueio e remoção de conteúdo: Nos autos do Inquérito 4.874/DF, o Ministro Alexandre de Moraes determinou a inclusão, como investigado, de acionista majoritário de uma plataforma de rede social na internet em procedimento investigatório instaurado contra a empresa de rede social. O Ministro entendeu que as manifestações públicas do acionista e o descumprimento, por parte da rede social, às ordens de bloqueio de perfis e de remoção de conteúdo expuseram uma instrumentalização da rede social para a possível prática de crimes, o que justificaria a responsabilização pessoal de seu acionista, mediante a desconsideração da personalidade jurídica da rede social.
Outro comando decisório relevante no caso adveio, após o acionista comunicar, mediante postagem em sua rede social, que não cumpriria as ordens de bloqueio de contas e anunciar o fechamento do escritório da empresa no Brasil. O Ministro Alexandre, invocando o art. 1.138 do Código Civil, determinou a suspensão da plataforma em todo o país, até que fosse indicado um novo representante legal no Brasil. Suas atividades permaneceram suspensas no Brasil entre 30 de agosto e 8 de outubro de 2024, quando foram retomadas, após o STF confirmar o pagamento das multas pelo descumprimento das ordens judiciais e ter indicado representante legal no Brasil.
Não se pode afirmar, entretanto, que as decisões tomadas nesse processo orientarão a jurisprudência do STF, tendo em vista as suas peculiaridades. A responsabilização das redes sociais por conteúdos de terceiros está em análise pela Corte, nos autos do RE 1037396 (Tema 987 da repercussão geral) e do RE 1057258 (Tema 533 da repercussão geral), que discutem a constitucionalidade de dispositivos do marco civil da internet.
Recontratação de empresa com dispensa de licitação em virtude de emergências ou calamidade pública: Ao julgar a ADI 6.890/DF no início do segundo semestre, o STF reforçou a obrigatoriedade de licitação para a recontratação de empresas privadas em hipótese de calamidade ou emergência. A Corte concluiu que a recontratação de empresas sem licitação, nos casos de emergência ou calamidade pública, só pode ocorrer para a mesma emergência ou calamidade se o novo contrato, somado ao anterior, não ultrapassar o prazo máximo de um ano. Assim, a recontratação fica autorizada se (I) o prazo for inferior a um ano para a mesma emergência ou calamidade e (II) a emergência que justificou a recontratação for distinta da anterior. A decisão deu interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 75, inciso VIII, da Lei nº 14.133/21, a nova Lei de Licitações.
Critérios para a concessão judicial de medicamentos não incorporados às listas do Sistema Único de Saúde (SUS): No julgamento do Tema 6 de Repercussão Geral, o STF decidiu que o fornecimento gratuito de medicamentos registrados na ANVISA, mas não listados pelo SUS, é medida excepcional. O medicamento só dever ser fornecido por ordem judicial se o autor comprovar, dentre outros requisitos, a incapacidade financeira para adquiri-lo, a imprescindibilidade clínica do tratamento e a impossibilidade de substituí-lo por outro de mesma natureza fornecido pelo SUS.
OUTUBRO
Não incidência da taxa SELIC durante o “período de graça” dos precatórios: Com as alterações na sistemática dos precatórios implementadas pela promulgação da Emenda Constitucional 113/2021, o STF julgou o Tema 1.335 de Repercussão Geral e manteve o entendimento de que não incide a taxa SELIC, que engloba juros moratórios e correção monetária, no prazo constitucional de pagamento de precatórios, conhecido como “período de graça”. Fundamentando o julgado com base no enunciado da Súmula Vinculante 17, que exclui a incidência de juros de mora durante o “período de graça”, o STF reafirmou que, nesse interregno, aplica-se apenas a correção monetária.
Cabimento de Ação Rescisória para adequar julgado à modulação temporal dos efeitos do Tema 69/RG: No julgamento do Tema 1.338 de Repercussão Geral, o STF concluiu ser cabível ação rescisória para adequar decisão transitada em julgado à modulação dos efeitos da tese de repercussão geral fixada no julgamento do Tema 69/RG, que declarou que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS. A decisão do STF alinha-se com o entendimento já consolidado pelo STJ, no julgamento do Tema Repetitivo 1.245, que já havia admitido o ajuizamento de rescisória para adequar julgado realizado antes do marco temporal da modulação ao Tema 69/RG. Além disso, o STF considerou o grande intervalo entre o seu acórdão que declarou que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS e sua decisão que, ao julgar os embargos de declaração, modulou os efeitos do acórdão. Esse extenso intervalo ocasionou o trânsito em julgado de decisões em muitos outros processos sobre o mesmo tema.
Configuração de improbidade administrativa na contratação direta de advogados pela Administração Pública: No julgamento do Tema 309 de Repercussão Geral, o STF reiterou seu entendimento de que o dolo é requisito indispensável para a configuração da improbidade administrativa, como consequência da anterior declaração da inconstitucionalidade da modalidade culposa desse ilícito, prevista nos arts. 5º e 10 da antiga Lei nº 8.429/1992. Ainda, o STF declarou a constitucionalidade dos arts. 13, V, e 25, II, da antiga Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993), que autorizavam a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, desde que (I) a prestação do serviço por integrantes do Poder Público seja inadequada e (II) a cobrança seja por preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado por escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores.
NOVEMBRO
Pagamento de honorários de êxito por municípios em ações judiciais que tramitam em outros países: o STF concedeu medida cautelar, referendada pelo Plenário virtual, na ADPF 1.178, que determinou aos municípios relacionados nos autos (I) a juntada de cópias de contratos porventura celebrados com escritórios de advocacia para representá-los em ações ajuizadas em outros países; e (II) a abstenção do pagamento de honorários de êxito relativos a essas ações judiciais em trâmite perante cortes estrangeiras. Em sua petição inicial, a entidade de classe de âmbito nacional autora da ação afirma ser inconstitucional o ajuizamento de ação perante jurisdições estrangeiras por entes subnacionais, como estados e municípios, especialmente quando tenha por objeto fatos ocorridos no Brasil e regidos pela legislação brasileira.
STF referenda acordo para reparação de danos causados pelo acidente de Mariana: O Plenário do STF referendou a homologação do acordo realizado nos autos da PET 13.157, para a reparação dos danos causados por rompimento de uma barragem de rejeitos de minério. O acordo foi firmado entre a União, os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União, os Ministérios Públicos e as Defensorias Públicas desses Estados, em conjunto com a empresa proprietária da barragem e suas acionistas e destinará R$ 170 bilhões para as ações de reparação e compensação dos prejuízos causados pelo incidente.
Superveniência de juros e correção monetária após trânsito em julgado de decisão judicial sobre o tema: No julgamento do Tema 1.361 de Repercussão Geral, o STF foi novamente provocado a examinar se o trânsito em julgado de decisão de mérito com previsão de índice específico de correção monetária impede a incidência de norma superveniente que estabeleça parâmetro diverso de atualização. Iniciada a análise da constitucionalidade e existência de repercussão geral da matéria, a Corte reiterou seu entendimento de que o trânsito em julgado de decisão de mérito com previsão de índice específico de juros ou de correção monetária não impede a incidência de índices previstos em legislação ou entendimento jurisprudencial do STF superveniente. O STF amparou-se na tese fixada no julgamento do Tema 1.170 de Repercussão Geral, que autorizou o uso do índice de remuneração oficial da caderneta de poupança para cômputo dos juros moratórios em condenações da Fazenda Pública envolvendo relações jurídicas não tributárias, mesmo havendo previsão diversa em título executivo judicial transitado em julgado.
Para mais informações e atualizações, acompanhe a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.