Atualização das regras da “Lista Suja” para o trabalho em condições análogas à escravidão
Atualização normativa realizada pelo MTE e pelo MDHC revisa regras de inclusão, considerando princípios de dignidade do trabalhador, da função social da empresa e o dever de transparência
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) editaram, em 29 de julho de 2024, a Portaria MTE/MDHC nº 15/2024, atualizando os critérios referentes ao processo de inclusão de empregadores – pessoas físicas e jurídicas – no Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. A chamada “Lista Suja” é atualizada semestralmente e indica empregadores autuados por esse motivo, com decisão final em processo administrativo. Uma vez inseridos no cadastro, os empregadores permanecem na Lista Suja por dois anos, prazo que pode ser renovado em caso de reincidência.
Em linhas gerais, a Portaria traz a perspectiva de reparação por violações de direitos humanos, conforme diretrizes internacionais sobre Direitos Humanos e Empresas. As alterações preveem a possibilidade de os empregadores celebrarem Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordos judiciais com a União – representada pelo MTE e com apoio do MDHC – a fim de:
- Reparar os danos causados;
- Sanar as irregularidades;
- Adotar medidas preventivas e promocionais para evitar futuras ocorrências de trabalho análogo à escravidão ou outras violações de direitos humanos e trabalhistas.
A abertura de negociações para celebração de TAC não suspenderá ou interromperá a inclusão ou exclusão do empregador no Cadastro de Empregadores, tampouco anulará discussões trabalhistas, civis e criminais sobre o assunto. De todo modo, a inovação incentiva a negociação entre empregadores e autoridades, pois ao celebrar o TAC ou acordo judicial com mesmo objeto, o empregador deixará de integrar a “Lista Suja” e passará a constar no Cadastro de Empregadores em Ajustamento de Conduta (CEAC) para acompanhamento das obrigações assumidas, pelo período de dois anos.
O TAC ou acordo judicial ficarão acessíveis ao público em link do CEAC e caracterizarão confissão irretratável do empregador, resultando em renúncia a qualquer medida administrativa ou judicial que vise o afastamento das autuações por constatação de trabalho análogo à escravidão.
Dentre os compromissos exigidos pelas novas normas, destacam-se:
- Medida reparatória de pagamento de indenização por dano moral individual ao trabalhador lesado, em valor não inferior a 20 salários-mínimos, agravados por, pelo menos, dois salários-mínimos por ano em que o trabalhador permaneceu em condições de trabalho degradantes;
- Reparação por dano social por meio do custeio de programas de assistência a trabalhadores resgatados ou vulneráveis a esse tipo de condição degradante;
- Medida preventiva e promocional de elaboração e implementação de monitoramento continuado do respeito aos direitos humanos e trabalhistas nas cadeias de valor.
No caso da medida preventiva, o monitoramento mencionado acima consistirá na implementação de um Programa de Gerenciamento de Riscos e Resposta a Violações de Direitos Humanos e Trabalhistas (PGRVDHT), pautado nos princípios de transparência e devida diligência em direitos humanos, com duração mínima de quatro anos – conforme diretrizes indicadas em Anexo da Portaria – devendo o empregador promover o imediato saneamento e reparação das violações a direitos humanos e trabalhistas identificadas em sua cadeia de valor, conforme constatado em auditoria própria ou por meio de ações fiscais.
Caberá à Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE o dever de criar e utilizar instrumentos de inteligência fiscal para monitorar e investigar cadeias de valor e redes de tráfico de pessoas para exploração laboral, enquanto o MDHC acompanhará a inclusão e exclusão de empregadores dos cadastros previstos na Portaria, realizando informes periódicos à Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE).
A nova regulamentação parece trazer maior segurança aos empregadores, estimulando a negociação prévia com autoridades pela via alternativa do acordo, de modo a incentivar que empregadores se comprometam com a prioridade da dignidade nas relações de trabalho.
Finalmente, embora não haja previsão expressa na Portaria, ações preventivas de certificação da cadeia de valor têm se mostrado efetivas para a mitigação dos riscos de ocorrência de trabalho análogo à escravidão, especialmente em relação à negociação com as autoridades.
Para mais informações, conheça as práticas de Direitos Humanos e Empresas e Trabalhista e Sindical do Mattos Filho.
*Com colaboração de Enzo Samuel Cavalcante Martins